Poesia. Pedindo conselho

Publicado em por em Arte

Difícil ser Funcionário

(Para Drummond)

Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.

Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.

Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança

Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…

Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.

– – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –

De João Cabral de Melo Neto, poeta brasileiro nascido em Pernambuco.

Leia também:
Ninguém me encanta como você, Alice Ruiz.
A Pantera, Rainer Maria Rilke.
Devora, Nei Leandro de Castro.
Os Intermediários, de Mário Quintana.
O Negro de Fogo, de Oliveira Silveira.
Poema 20, de Pablo Neruda.
Cor-respondência, de Elisa Lucinda.
Amor feinho, de Adélia Prado.


Publicado por:

3 Comentários em Poesia. Pedindo conselho

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *