Alenquer, Alenquer… vampiros e sanguessugas

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por Wildson Queiroz (*)

Todos os anos a história se repete, mês de junho se aproximando e o coração começa a palpitar mais forte, uma ânsia invade nossos pensamentos e sentimentos, afoitos para a festa de Santo Antonio chegar e mais um aniversário da cidade comemorar. Os que moram fora fazem planos, tiram as férias ou uma folga do trabalho só para visitar a terra natal, reencontrar os parentes, os amigos e acima de tudo festejar.

Festejar? Mas festejar o quê mesmo?

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Há vários anos os alenquerenses não tem tido muitos motivos para festejar. O que fizeram com o nosso estádio de futebol, palco principal de memoráveis disputas entre Aningal e Internacional? Para onde foram os recursos destinados para sua reforma e recuperação?

Se me lembro bem, nos últimos 10 anos foram colocadas, no mínimo, três placas anunciado a reforma do estádio. E sabe por que até hoje ela nunca ficou pronta? Porque nem começaram a construir, o dinheiro os ratos comeram.

E quem não lembra do festival folclórico entre Zé Matuto e Matutando em Férias? Também deixaram morrer, e olha que a festa chegou a ser comparada com a de Parintins, onde a disputa entre os bois Garantido e Caprichoso está consolidada há décadas. Naquela época, o festival de Juruti e a disputa dos botos em Santarém nem existiam.

Desse festival, eu me lembro bem, nas arquibancadas de madeira do “Matutódromo”, nosso povo cantava e dançava incentivando seu grupo de coração. Na arena do espetáculo, nossos artistas mostravam todo seu brilhantismo, gingado e criatividade, como diria um pitoresco morador da cidade. “Pense num povo inteligente, mestre”. Quando o assunto é cultura e criatividade, ninguém barra os alenquerenses.

Alenquer é uma cidade reconhecida nacionalmente devido seu enorme potencial turístico, cachoeiras exuberantes, extremamente propícias ao banho, Cidade dos Deuses com seus encantos e mistérios. Mas, pera lá, quantos em Alenquer conhecem a Cidade dos Deuses? Como um povo pode se orgulhar de algo que não conhece.

Ah, já tinha esquecido: o local é uma propriedade particular e não existe parceria com o poder público para que professores e estudantes possam agendar uma visita ao lugar. Desculpa pessoal, eu tinha esquecido este pequeno detalhe. Mas na cachoeira todos podem entrar, pagando uma pequena quantia, é claro. Nossas belezas estão distantes de nosso povo. Quando um turista chega, fica perdido, não sabe onde receber informações, não sabe o nome das ruas, até porque não existem placas nas esquinas, né maninho. Por acaso existe algum centro cultural ou turístico mantido pelo poder público? Por favor, se alguém souber, me avisem.

E a nossa educação? Por que nossos professores estão insatisfeitos e até realizaram uma greve? Tem alguma coisa errada. Nossas crianças estudam em ambientes inadequados, em corredores, igrejas, embaixo das árvores. Já sei, estudar em baixo das arvores é muito bom nestes tempos de calor. Se a justificativa fosse essa, eu até engolia calado, mas a verdade é que nossas crianças não estudam em ambientes agradáveis e propícios ao aprendizado e disso eu posso falar, até porque sou professor e conheço a maioria das escolas de nossa cidade.

Se na zona urbana já não é essa maravilha, imagina no meio rural, ali o nó é mais embaixo. Alguns casos podem ser considerados de calamidade pública. É falta de merenda, falta de fardamento, falta de material para professores e alunos. Como diz o nosso caboclo: “farta de tudo nas escolas”. Tem razão: falta tudo mesmo!

No ano passado, visitei uma escola no meio rural onde os pais reclamavam terem sidos abandonados pelo poder público municipal. A escola da comunidade havia sido fechada, não me perguntem por quem, pelo fato de só existirem treze alunos matriculados. Só treze e esses estavam sem estudar, pois a escola mais próxima ficava muito distante.

Agora pergunto: será que estes treze alunos, ou melhor, só estes treze alunos não tem direito à educação? Será que só esses treze alunos são menos importantes que os demais? Será que é muito caro manter um professor para só treze alunos?

Essa eu mesmo respondo: se existisse apenas um, um único estudante nesta comunidade, o município deveria providenciar os mecanismos necessários para atendê-lo de forma eficiente. Se não dá pra contratar um professor, que coloque um ônibus, se não dá pra colocar um ônibus, que se doem bicicletas para os alunos, o que não pode é um aluno ficar sem estudar.

Este ano procurei saber se a escola havia sido reaberta e a resposta foi negativa, aqueles treze alunos continuam sem estudar. Quem sabe quando o número de crianças aumentar a escola volte a funcionar.

E que tal um passeio no domingo à tarde com a família pelas ruas da cidade? Neste caso, eu aconselho que você use sapatos fechados, assim seus pés estarão protegidos de uma provável tropeçada nos buracos das ruas ou calçadas. Quanto à roupa, o mais aconselhável é capa de chuva, assim você estará protegido caso um carro passe por um buraco e espirre lama na sua roupa. É a maior quantidade de buraco por metro quadrado do país!

Será que não existem recursos para asfalto? Desculpa pessoal, tinha esquecido isso também. Em Alenquer, não se usa asfalto nas ruas, até porque não dá pra tirar proveito da massa preta em outra finalidade que não seja a pavimentação de ruas. Acho que deixa algum tipo de rastro.

E a saúde? Ouvi falar em algo sobre gestão plena, mas não sou da área da saúde, por isso não posso tecer comentários, porém certa vez estive muito gripado e acabei faltando dois dias ao trabalho. Fui ao hospital Santo Antonio para fazer uma consulta e solicitar um atestado médico. Na porta do hospital havia um aviso informando que consultas deveriam ser feitas nas unidades da Secretaria Municipal de Saúde. Fui, então, ao posto Maria Helena Coutinho. Lá fui informado que não havia médico atendendo. Me mandei para a Secretaria de Saúde, mas não havia mais fichas para atendimento.

Ficha? Deveria ter marcado a consulta com antecedência. Por acaso doença escolhe hora? E como ficam as pessoas que tem um problema inesperado?

Tudo bem. Voltei no outro dia à tarde, por volta de quatro horas, mas as consultas, que haviam começado às duas horas, já haviam terminado. O médico tinha que pegar a lancha de volta pra Santarém. Voltei novamente no terceiro dia e fui atendido. O médico perguntou meu nome, o que eu tinha e passou um remédio. Garanto que a consulta não durou nem um minuto. Isso é o que se pode chamar de um serviço de saúde rápido.

Alenquer, cidade de Fulgêncio Simões, homem público de vida exemplar, preocupado com a educação de seu povo, usou a política em benefício da população e não em causa própria, marcou seu tempo e se tornou uma referencia indelével para seu povo. Alenquer, terra de Benedicto Monteiro, que não abdicou de seus ideais, mesmo sobre a implacável perseguição da ditadura militar, manteve-se firma a seus princípios, não se acovardou, não ajoelhou-se aos golpistas que tomaram nosso país por assalto. E hoje, por onde andam nossas referencias? Em quem nossos jovens vão se espelhar?

É meus amigos, a realidade infelizmente é esta, sem máscaras, sem fantasias e sem ilusões. Nua e crua. Mas não podemos perder a esperança. O primeiro passo para começar a mudar esta realidade é trabalhar a conscientização de nossa população, missão nada fácil, até porque boa parte da mídia está de alguma forma corrompida e atrelada ao poder público, e muitos dos nossos intelectuais sucumbiram perante o poder e são submissos ao sistema, se esforçando para que tudo permaneça do mesmo jeitinho.

Alenquer, Alenquer, cidade que todos nós tanto amamos, não vamos te abandonar, vamos ficar aqui, resistindo bravamente, lutando contra os dragões, os fantasmas, os vampiros e sanguessugas que bebem teu sangue e se lambuzam com ele. Eu não vou desistir. A nossa hora vai chegar e uma nova história vai começar.

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* É pedagogo. Escreve regularmente neste blog.


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11 Comentários em Alenquer, Alenquer… vampiros e sanguessugas

  • Obrigado a todos pelo carinho e incentivo. Gostaria realmente de escrever algo mais elogioso sobre Alenquer,mas nas atuais circunstancias não é possível e nem seria realista da minha parte. De nada adiantaria tentar tapar o sol com a peneira. Um forte abraço a todos

  • WILDSON, muito pertinente seu texto, mostra de forma clara e precisa e com afinco a situação da cidade de alenquer. de que forma seus maus administradores a deixaram. pena que o povo nao reage a essa corrosao da cidade, o povo ta paralisado, letárgico e inerte. fruto da humilhação e da imposição dos desmandos dos políticos de ALENQUER. nao vejo solução pra esse caos e avacalhação que está a cidade. espero qe a nossa geração daqui a 15, 20 possa mudar esse triste quadro.

  • Professor Wildson Queiroz , é exemplo de Lucidez! esse texto na verdade é o desabafo entalado de muitos Alenquerenses.Ainda Bem que você é professor e pode ajudar seus alunos a desenvolver um olhar mais crítico a realidade local.

  • Descrição perfeita da realidade alenquerense. Parabéns, professor. Fico orgulhoso em saber que existem pessoas como você em nossa cidade. Não desista mesmo. Você deveria entrar na política e fazer a sua parte. Meu voto seria pra você!

      1. Falar se escondendo é fácil, quero ver mostrar a cara como eu fiz, não sou como muitos que se escondem no anonimato para defender seus interesses particulares.

  • Prof. Wildson Queiroz , você relata uma triste realidade do abandono do poder público em Alenquer. Ainda bem, que temos professores consciente como você, com capacidade de formar uma nova mentalidade na nossa juventude, e com responsabilidade política para mudar esse lamentável quadro.

  • Comentário que aplaudo e que assinaria sem pestanejar.
    Que bom saber da existência de quem pense e quer o melhor para Alenquer e, com isso, sentir que uma nova geração ximanga se forma consciente da cidadania plena.
    Oxalá que novas mentes surjam com essa preocupação cívica.

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