por Edilberto Sena (*)
É impressionante como empresários, políticos da região e de fora estão entusiasmados com o progresso de Santarém e redondeza. Uma fábrica de cimento está sendo negociada pelo próprio prefeito; ampliação do porto das Docas está em andamento, com invasão de mais 500 metros rio Tapajós a dentro; dois portos graneleiros estão sendo negociados para a área portuária da cidade; 450 carretas de 40 toneladas de soja e milho estão previstas para os próximos meses, a descer pela única via de acesso ao porto da Cargill.
Te mais: com exaltação, os progressistas de Santarém anunciam que será construído um grande armazém entreposto da Zona Franca de Manaus; há explosão de projetos imobiliários no entorno da cidade, sem ordenamento legal; e, para sinalizar tal efervescência progressista, sobem vários prédios de dez e mais andares na cidade, um grande shopping center está em construção e o poder público aprimora o balneário de Alter do Chão para os turistas.
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A tudo isso, chamam de progresso, ou, com falso significado, de desenvolvimento.
Acontece que os políticos e os empresários são uma menor parcela da população da cidade e os que mais se beneficiam do tal progresso. Quanto à maior parcela dos 300 mil habitantes de Santarém, sofrem os impactos negativos desse avanço econômico.
O exemplo da empresa Cargill é ilustrativo, quando no ano 2001 a empresa começou a destruir a praia da Vera Paz, e construir o porto, empregou cerca de 700 trabalhadores, que era uma justificativa dos que aplaudiam a chegada da empresa. Porém, logo que foi concluído o porto, dos 700 trabalhadores apenas cerca de 150 continuaram trabalhando lá. Os outros foram para rua.
Em 10 anos, segundo informações sérias, a Cargill deixou nos cofres do município cerca de um milhão de reais, isto é, 100 mil reais por ano, ou cerca de 8 mil e 300 reais por mês. Toda a soja e milho exportados pelo porto em Santarém não pagaram imposto de exportação graças a uma perversa Lei Kandir, que os políticos da região nunca lutaram para derrubá-la.
Esse exemplo é um indicativo do que irá acontecer com todas as novas propostas de entrada de empresas no município. O prefeito Von foi a São Paulo oferecer vantagens para a instalação da fábrica de cimento. Que vantagens ele ofereceu?
Desconhecemos quais as vantagens e onde será instalada tal fábrica. Certamente ela será progresso, mas seguramente não será desenvolvimento da população. Já viram como funciona uma fábrica de cimento? Viram a poluição ao seu redor?
Agora uma análise dos projetos anunciados para Santarém do ponto de vista do desenvolvimento.
* Ampliação do porto das Docas – um plano está pronto e tem previsão de data para iniciar. Como o porto de Santarém está na linha internacional, deve seguir os requisitos internacionais. Terá mais prejuízos ao povo santareno, como avanço de mais dois piers, chegando a 500 metros dentro do Tapajós, privatizando-o. Além disso, o acesso dos passageiros da cidade aos navios no porto ficará mais dificultado do que já é hoje.
* Com o anúncio de possíveis mais dois portos graneleiros no bairro Área do Maicá, a especulação imobiliária acelerou e os pobres vão sair de lá para mais longe. Isto é, as empresas graneleiras ocupam mais espaços na cidade e os pobres vão para mais longe. Mais empregos? Basta conferir quantos estão no porto da Cargill.
* 450 carretas de soja e milho entrando pela única via de acesso ao porto da Cargill, a avenida Cuiabá. Alegria e lucro para sojeiros e ameaças para moradores de 5 bairros da cidade. Ao descer a serra do Piquiatuba, a rodovia/avenida só tem duas pistas, sem acostamento, sem passeio para pedestres e ciclistas. Bairros do Cambuquira, Matinha, Esperança e Caranazal, pelo menos esses, estarão totalmente inseguros em termos de tráfego. Além das carretas ainda transitam e transitarão caminhões baús, caminhões madeireiros e centenas de outros carros. A desculpa que algumas autoridades deram aos moradores do bairro da Matinha, o único que tomou uma pequena atitude, foi: não se pode construir lombadas, nem colocar sinais de trânsito, porque a rodovia é federal, mas vamos construir uma passarela para proteger os pedestres. Isto é, quatro bairros populosos, com escolas de um lado e de outro e os moradores com apenas uma passarela. Em outras palavras, para as autoridades a economia dos transportes é prioridade, já os seres humanos são detalhes. É o progresso.
* Um armazém entreposto da Zona Franca em Santarém – alegria e lucros para as empresas da Zona Franca e o que restará para Santarém? Durante a construção deles haverá centenas de empregos, mas depois de prontos restarão alguns empregos de vigia e alguns reais de ISS para o município e… mais algumas migalhas. Por que as autoridades e políticos aplaudem tal conquista? Não era assim que os portugueses iludiam os tupinambás e morubixabas?
E assim, com tantas obras progressistas a cidade recebe de braços abertos mais um shopping center monumental, vários prédios arranha-céus, de vários andares, promessa de um centro de convenções nacionais e internacionais. No entanto, um porto fluvial para embarque e desembarque de passageiros que chegam na cidade, das cidades vizinhas, resta o tal porto da Tiradentes, porque o outro prometido não tem data para estar pronto.
Chamam a isso de desenvolvimento? Ou é ironia ou ignorância pura do vocabulário. Quando será que nossa população vai agir pelo bem comum? Quando vamos pressionar as autoridades municipais, estaduais e federais para os direitos desta população humilhada?
Estudantes universitários, de ensino médio, empresários, igrejas, sindicatos e outras organizações, quando vamos resistir a essa destruição de nossa dignidade? E, por favor, não me venham com ironias de que padre é para cuidar de reza e catequese, nem venham com piada de que eu deveria cobrar da Igreja Católica que distribua suas terras aos pobres. Para mim, esse argumento é medíocre demais.
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* Santareno, é padre diocesano. Coordenador da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Santarém.