Helvecio Santos (*)
A propósito, lembrei-me de um amigo cuja elegância contrasta com o seu porte físico, muito acima da média do homem comum de nossa região, razão de sua alcunha terminar em “ão”. Pessoas de porte físico avantajado normalmente são espaçosas e fazem troar o solo quando pisam o que, repito, não é o caso do meu amigo.
Ele faz parte da parcela de santarenos curtidos com a seiva das seringueiras de Belterra, portanto, santareno/belterrense, interminável safra dos que dessa naturalidade engrandecem e fazem corrente de amor a Santarém, a tal ponto que poucos lembram de sua origem.
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Aproximei-me dele quando foi meu professor de matemática no 3º ano colegial no Colégio Estadual Álvaro Adolfo da Silveira, docência para a qual foi convidado por ostentar o título de engenheiro civil. Depois, quando joguei pelo time de aspirantes do São Raimundo, tive a honra de tê-lo como presidente, cargo que exerceu com 27 anos de idade.
É um apaixonado do esporte e a ele, penso, devemos inúmeras iniciativas nesse campo, tanto literalmente quanto extensivamente.
Sua primeira obra de repercussão foi em 1967.
Como engenheiro, comandou, por ordem do saudoso Dr. Everaldo de Souza Martins, então prefeito, a reforma do inesquecível Estádio Elinaldo Barbosa, que tinha um desnível de 1,50m de uma trave à outra.
Ao término da empreitada, tínhamos um estádio com luminárias, duas arquibancadas construídas em madeira, alambrado, ótimo gramado, cabine para transmissão radiofônica. Enfim, um estádio à altura de uma Santarém com aproximadamente 60 mil habitantes.
Sua vida sempre esteve intimamente ligada ao esporte como incentivador e praticante. Enquanto tocava, com cuidado maternal, a reforma e adequação do Elinaldo Barbosa, percebeu que os amantes do futebol deveriam ter algo que preenchesse no coração, temporariamente, o espaço da principal diversão das tardes de domingo. Com a liderança que lhe é peculiar, contagiou os amigos com a paixão pelo futebol de salão, paixão que rapidamente se espraiou por colégios, associações esportivas, grupos religiosos, suprindo, temporariamente, pelo fechamento do estádio, o gosto pelo futebol de campo.
Liderou a fundação e integrou o elenco do “Bola Branca”, time de futebol de salão que jogava o fino da “branquinha redonda”. Jurava que não era titular somente por ser fundador do time o que, confesso, era verdade. Estava à altura do elenco!
A necessidade de uma quadra para os treinos e jogos do seu Bola, levou-o a somar esforços para reformar o espaço entre o Cristo Rei e a Casa do Crisólito, pai do craque AZULINO Dorivan, na esquina da Travessa dos Mártires com São Sebastião. Este espaço depois se transformaria num dos mais freqüentados locais para festas juninas e quermesses, sempre abrigando disputados torneios de futebol de salão e de vôlei, este navegando nas “ondas” da febre do futebol de salão.
Nessa época, no vácuo deixado pelas obras no estádio, um vigoroso campeonato de subúrbio floresceu, despontando times como Magarefe, Veterano, Bonsucesso, Morango e outros mais. O palco era o campo do Veterano, onde hoje se localiza o Mercadão 2000.
Paralelamente, pela visão incentivadora do meu elegante amigo, o futebol de salão arrastava um grande número de adeptos, tanto praticantes quanto assistentes, formando-se times de primeira grandeza no Colégio Batista, no Seminário Pio X, no Colégio Dom Amando, no Álvaro Adolfo, nas instituições bancárias, no meio dos radialistas, principalmente na Rádio Rural, todos inspirados no Bola Branca.
Os times de futebol também entraram no embalo e América, São Francisco, São Raimundo, Veterano e times avulsos disputavam acirrados torneios de futebol de salão às sextas e sábados à noite.
A quadra polivalente do Dom Amando foi aumentada para o tamanho oficial e uma outra quadra com o empenho do aluno, depois professor, Luiz Bianor Lima, foi construída numa área que dá para a praça do São Sebastião. Hoje esta quadra, coberta, lá permanece. O Álvaro Adolfo, São Raimundo, Batista, todos tinham quadra esportiva e o entusiasmo era tal, que o Dr.Martins mandou construir numa área ociosa no terreno do antigo do antigo SESP, uma quadra de dar inveja às melhores quadras então existentes. Ali passou a ser o “point” dos melhores torneios.
Pode-se dizer que meu elegante amigo foi, em Santarém, o artífice que disseminou o amor pelo futebol de salão e, de rebarba, pelo vôlei. Devemos isso a ele e a seu grupo de amigos!
De minha parte, além da dívida coletiva que cito, devo a ele o “Não” mais “Sim” que ouvi em minha vida. Esse episódio me fez perceber toda sua dignidade como dirigente esportivo, dignidade que também o acompanhou como atleta e carrega como uma segunda pele por toda sua vida e os que o conhecem sabem do que estou falando.
O meu “Não/Sim” foi assim: quando o futebol foi interrompido pela reforma do estádio, eu jogava no aspirantes do São Raimundo e já fazia alguns jogos no time principal. Foi exatamente nesse ano que meu pai achou-se impossibilitado de custear meus estudos. Fui então pedir a meu “presidente” que o clube pagasse meus estudos. Direto, mas educado, e com sensibilidade para não me ofender, explicou-me que era impossível, pois com sacrifício, visto que o futebol estava parado, mantinham aproximadamente 15 jogadores titulares na sede do clube. Ao final da conversa, liberou-me de qualquer compromisso caso achasse algum clube que se interessasse por mim.
Na inauguração do estádio, lá estava eu jogando contra o Madureira do Rio de Janeiro com o número “3” do “Manto Sagrado”, amor AZUL que carregava desde o nascimento e que se revelou “Uma história de amor sem ponto final”.
Hoje, publicamente, agradeço, o que já fiz inúmeras vezes, particularmente: obrigado pela elegância do comportamento, querido amigo!
Vindo para o Rio de Janeiro continuar meus estudos, aqui o encontrei e a amizade se atualizou. Atualizou? Sim, penso que amizade não enfraquece. Ela só se desatualiza pois a cada dia incorporamos novos valores e descarregamos carga inútil.
Tempos depois ele voltou para a Terrinha e, nesta volta, que seria definitiva ( por isso digo “para a Terrinha” e agradeço a correção ao Professor Nicolino Campos), como bom engenheiro, sentimentalmente “concretou” seus pés em Santarém. Voltou para o grande amor de sua vida!
Como a vida imita a arte, poderiam perfeitamente estrelar os romances da segunda sessão dominical noturna do nosso inesquecível “Cine Olímpia”, apesar de que o desfecho dessa história até os habitantes de Marte sabiam.
Casou e, para minha sorte, sua mulher é minha amiga desde os tempos estudantis, o que duplicou a amizade, fazendo-me alvo de abraços e gargalhadas sem fim, compartilhadas.
Pela paixão como vive cada minuto da vida, não precisou de esforço para transmitir ao filho o amor à sua profissão. Hoje são parceiros em projetos – de vida e de engenharia – que tocam.
Por ser um cara de ouro, nesta sua volta fundou o “Coroas de Ouro”, embrião de todos os times de futebol de “másteres” que hoje existem em Santarém.
Diversas vezes em meus retornos à Terrinha visitei-o em sua casa no Caranazal. Numa destas visitas tive o prazer de dar de presente a seu filho, a primeira bola de futebol. Infelizmente não consegui incutir no seu herdeiro a paixão pela academia do futebol santareno.
Meu elegante amigo continua Pantera e eu, eterno LEÃO AZUL. Como diz acertadamente o amigo Jeso, “AZULINO até no Himalaia”.
Recentemente tive o privilégio de encontrá-lo no Rio de Janeiro, em duas oportunidades.
Passamos um domingo em família numa Chácara nos arredores do Rio. Cantamos músicas santarenas, falamos de futebol santareno, comemos comida santarena, tipo café com pupunha e outros acepipes. Minha esposa e eu, demos-lhe de presente dois pés de açaizeiro que foram plantados e o plantio, fotografado.
Na sexta seguinte, festejando o aniversário de sua amada, almoçamos em um restaurante de comida mineira em Botafogo. Ali nos mostrou as fotos do domingo, incluindo a do plantio do açaizeiro. Combinamos que 20% da colheita será minha e de minha esposa. Não sei se receberemos nossa percentagem, mas o certo é que açaizeiro não será mais somente, como canta Nilson Chaves, “a planta que alimenta a paixão do nosso povo”. Jamais esqueceremos o Rubão, traído pelo inconsciente, num impecável moleton AZUL, plantando as, ainda, pequenas mudas de açaizeiro.
A partir deste episódio, açaizeiro, para nós, também será “a planta que alimenta e dá sustância a uma amizade sem ponto final”.
Na vida, “a seara é livre, mas a colheita é obrigatória”. Melhor dizendo, colhemos o que plantamos! Se plantamos o bem, colhemos o bem. O Rubão contou-me que seu filho, olhando para a mãe, lhe diz que ele não precisa jogar na mega sena pois sua mega sena foi seu casamento. Impossível duvidar da afirmação. É a palavra de quem conhece essa comunhão desde a concepção!
Com a permissão do digno herdeiro coloco este breve relato como parcela mínima do prêmio!
P.S: dedico estes escritos ao plantador de açaizeiro Dr.Rubem Miranda Chagas.
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* Santareno, é advogado e economista e reside no Rio de Janeiro. Escreve regularmente neste blog.