por Jota Ninos (*)
“Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca (…)
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas”.
(Konstantino Kavafis, poeta grego)
Metaforicamente, é assim que se sentem muitos santarenos que vem sua Ítaca cada vez mais longe do ideal de progresso e civilidade que cada um tem. Uns mais exacerbados que outros. Outros mais nostálgicos do que uns…
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Na terça-feira, 14/01, o jornalista Manuel Dutra – um eterno Ulysses dos trópicos que vive uma espécie de auto-exílio na Tróia, ao tucupi, que é Belém – tenta mais uma vez chegar à sua Ítaca ideal. Ele que sempre usou da astúcia de Ulysses em seus textos jornalísticos premiados, encabeça uma ação de cidadania como tantas outras já realizadas por aqui: desta feita Dutra levanta a voz pelo Tapajós: não o sonho de estado, mas o rio castigado.
Quer “passar a limpo” o belo rio maltratado (https://goo.gl/Y7fHDE), como fez há 27 anos em grandes reportagens sobre a utilização de mercúrio nos garimpos do Tapajós, que lhe renderam prêmios nacionais, mas acima de tudo serviram para que todos percebessem o crime que aqui era cometido.
À época, a desastrosa gestão do presidente Collor (argh!) aliada a outros fatores econômicos, acabaram dando fim à sangria de um dos mais belos rios da Amazônia com o fim da garimpagem em seus afluentes. As águas que já começavam a ganhar a tonalidade do Amazonas parecem ter se recuperado nos últimos anos. Só que agora o pesadelo parece esta voltando.
Todos estão sendo convocados por Dutra a assinarem um manifesto, pedindo que sejam feitos estudos para nos informar porque as águas mudaram de cor, como ele mesmo constata em uma série de fotos que vem fazendo há anos (https://goo.gl/Wful2P).
O manifesto pode até parecer uma investida brancaleônica (https://goo.gl/7iaudv), mas pode se transformar numa grande onda através da internet e realmente alcançar seus objetivos.
Mas afinal, porque os santarenos que por aqui vivem parecem não se indignar com o que acontece ao seu redor? Por quanto tempo continuaremos vendo nossos gestores jogando nossa Pérola aos porcos? E não falo só de má gestão da coleta de lixo ou da conservação de ruas e logradouros.
Falo do planejamento macroeconômico da região que continua seguindo “a diretriz da ditadura” cinquenta anos depois, segundo outro jornalista-Ulysses de Santarém, o sociólogo Lúcio Flávio Pinto, que não cansa de falar sobre o tema (https://goo.gl/uc1ZwU), denunciando a implantação de projetos faraônicos que tão-somente constituirão o que ele chama de “terceiro Brasil” aqui na Amazônia, para “fornecer matérias primas e insumos básicos para os dois Brasis postados acima, na pirâmide hierárquica, e para o mundo”.
Desenvolvimentistas versus ambientalistas
Há alguns anos, Santarém viu se proliferarem grupos ecológicos e movimentos ambientalistas surgidos a partir da militância de religiosos da igreja católica como resposta aos projetos desenvolvimentistas traçados em pranchetas e maquetes, criadas por iluminados que tentam transformar Santarém num grande centro de desenvolvimento.
Esses movimentos, legítimos, encontram barreiras na sociedade local que acredita que Santarém é a terra do futuro e que é precisa trazer desenvolvimento para cá a todo custo.
E aí surge um mondrongo como aquela famigerada esteira para exportação de grãos, fincada às margens do nosso rio por uma multinacional. Batalhas se travaram em solo Santarém e na Justiça há sete anos entre representantes de produtores de soja e ambientalistas, por causa da falta de um estudo mais aprofundado antes da implantação do projeto.
E chegamos até à ameaças de morte contra religiosos (https://goo.gl/GDiiJE)! Ninguém se desarma para debater o tema e a gente acaba se sentindo como se Santarém fosse a casa da mãe Joana (https://goo.gl/SBhtL5).
Mas como me disse recentemente, em um documentário, o batalhador solitário e pesquisador quase-pessimista Cristóvam Sena: “Santarém sempre foi e sempre será um eterno entreposto comercial”, por conta de sua localização geográfica. Nem um dos vários ciclos econômicos da região conseguiu mudar essa realidade.
Aliás, o Governo do Estado já trabalha para tornar essa nossa condição sine qua non em realidade mais concreta (https://goo.gl/CIWB47).
A prova de que seremos sempre um entreposto comercial é exatamente o surgimento de tantos projetos imobiliários pela cidade, que parecem indicar que além de entreposto seremos uma espécie de cidade-dormitório para abrigar a leva de profissionais que chegam à cidade em busca de tantos “Eldorados” regionais, representados pelos projetos de extração mineral ou de construção de barragens como a de Altamira (Belo Monte) ou as do Tapajós.
O imbróglio Sisa/Buriti
E entre os projetos imobiliários que florescem na cidade, juntamente com grandes lojas de departamentos e shoppings, há o emblemático caso da área da Sisa/Buriti que ameaça uma extensa área de proteção ambiental em torno do lago do Juá. Em dezembro passado, completou um ano da polêmica em torno da liberação do loteamento, uma das mais nefastas heranças deixadas pelo governo Everaldo Martins, ops, Maria do Carmo Martins, em conluio com a família Corrêa, dos irmãos Marcelo e Maurício Corrêa, descendentes do Barão do Tapajós (família com mais de 150 anos de influência na política local).
Os irmãos Corrêa venderam parte da empresa Sisa (proprietária do terreno de 1.200 hectares) a um ex-sócio de Jader Barbalho, Moisés Carvalho dono da Buriti Empreendimentos (de Redenção – PA) e que age neste negócio em 9 estados e 25 cidades implementando mega-empreendimentos imobiliários.
Marcelo Corrêa licenciou a grande área de forma fatiada pulando por cima de leis estaduais (recentemente a Justiça Estadual reviu essa situação: https://goo.gl/r9C5fx) apesar de manter cotas na empresa já que é herdeiro da parte que era de seu pai, o falecido empresário Paulo Corrêa.
Para o azar dos negociantes, os Martins saíram da prefeitura e o prefeito Alexandre Von e seu secretário de meio-ambiente, Podalyro Neto, iniciaram uma guerra para desfazer o negócio, municiados pelo Movimento Salve o Juá (https://goo.gl/8Y8rIe), que acompanha passo a passo a movimentação nos bastidores através das redes sociais.
Surgiu até um certo compromisso de convencer Simão Jatene a desapropriar a área para a construção de um Centro de Convenções ou de um Parque Botânico, em conjunto com a UFOPA.
Mas, recentemente, o secretário estadual de meio Ambiente, José Colares, começou a mostrar que tudo não passava de jogo de cena. Começou a falar em propor um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta e liberar a área. E o prefeito de Santarém ao que parece vai capitular (https://goo.gl/g2MCrZ).
Fala-se em multas e outras punições, mas tudo indica que o empreendimento vai finalmente sair do papel, senão surgir nenhum outro fato novo.
Novos portos, novas obras
O processo de desenvolvimento não para. A cidade precisa confirmar sua condição de grande entreposto comercial, corredor de exportação de grãos. Enquanto produtores do centro-oeste reclamam da demora do asfaltamento da BR-163, no trecho do Pará (https://goo.gl/vgLCv6), ambientalistas denunciam que é um perigo asfaltar a estrada (https://goo.gl/itWuBU) e os chineses querem transformá-la em trilhos (https://goo.gl/rMZ6v6).
E agora, já se fala no projeto intermodal do governo Von, que pode impactar severamente outra área de Santarém: o lago do Maicá ou o rio Ituqui (https://goo.gl/K5ftec).
E haja maquete, e haja sonho…
O tal “desenvolvimento sustentável” tão propalado pelos políticos da nova geração (entre eles Alexandre Von), ainda não convence a todos. Mas a grande maioria da população acaba sendo favorável a esses projetos, vendidos pelo marketing oficial como redenção para a abertura de novas vagas de emprego.
Enquanto isso, rios, lagos e florestas que poderiam servir de manancial para projetos ecoturísticos, por exemplo, sofrem impacto como o do rio Tapajós, que acaba precisando de uma mobilização como a proposta pelo jornalista Manuel Dutra, para não deixar de ser um cartão-postal.
E a Pérola continua jogada aos porcos do consumo…
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* É jornalista. Escreve todas as semanas neste blog.