Jeso Carneiro

O caso do barco Abaré

Foto: Manuel Dutra
Abaré I. Foto: Manuel Dutra
O barco Abaré, pertencente à ONG holandesa Terre des Hommens

por Manuel Dutra (*)

Caro Caetano Scannavino Filho,

Li as tuas explicações sobre a decisão da entidade holandesa Terre des Hommes de retirar o barco Abaré da região, interrompendo um programa de atendimento à saúde de populações ribeirinhas. Um fato assim não constitui surpresa, pois existe, sobretudo na Europa há bastante tempo, e tu sabes, a tendência de encerrar os programas de assistência social ao Brasil.

Há 20 anos eu constatei isso em Amsterdam, cobrindo uma reunião de um certo Tribunal Internacional da Água. Em conversas de corredor, ouvi de holandeses e de outros europeus que o Brasil não necessitava mais desse tipo de ajuda, pois o País já não figurava como uma nação pobre, e que a tendência era desviar as ajudas para países africanos, por exemplo.

Passado esse tempo todo, o Brasil é apregoado como a 6ª maior economia do mundo, com um volume de riquezas superior ao da Holanda e de outros países ricos. Para eles, soa estranho ajudar um país assim. Mas a questão que fica é: o Brasil, há muito tempo, não é mais um país pobre, no entanto continua profundamente desigual.

E, me parece, a desigualdade na distribuição da riqueza não é parte do programa de ONGs nem de sociedades estrangeiras. É atribuição nossa, da vergonha que nós brasileiros devemos ter em organizar os frutos de tanta riqueza que continua beneficiando apenas os ricos, justamente os que não precisam do Abaré e coisas semelhantes.

É muito difícil aceitar que a “sexta maior economia do mundo” mantenha na indigência largas camadas de sua população, entre os quais os ribeirinhos da Amazônia. Até agora, para esta gente, pouco importa se a macroeconomia brasileira superou a Inglaterra, a Itália e não sei mais quem. Importa é que essa massa humana secularmente relegada se torne cidadãos.

Cabe ao Brasil, às suas instituições, cuidar da saúde dos pobres, sejam ribeirinhos ou sertanejos. Creio que as ONGs, como o Saúde e Alegria, darão contribuição ainda maior, articulando-se fortemente para conseguir recursos nacionais, afinal vocês, que trabalham em organizações não governamentais, podem estar onde os poderes públicos municipal, estadual e federal só estão em véspera de eleição.

Sinais dos tempos! Positivos sinais.

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* Santareno, é jornalista, professor doutor e blogueiro.

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