Jeso Carneiro

“Terras caídas” ameaçam a orla

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por David Marinho (*)

É triste imaginar que nossa Pérola do Tapajós, materializada na linda cidade de Santarém, venha por força da natureza que lhe foi tão generosa dando-lhe tanta beleza vir em algumas décadas perder sua orla.

Santarém, que inspira poetas e compositores em poesias e que encantam turistas do Brasil e do mundo pelo charme de sua orla e praias, na figura romântica da “donzela” disputada por dois grandes rios – Amazonas e Tapajós -, possa ser vítima natural desse confronto de forças hídricas arrasadoras.

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Olhando imagem de satélite da região dos lagos e várzeas, próximo a Santarém, vemos que o rio Tapajós até Itaituba é uma grande represa natural contida por uma frágil restinga na formação geológica de um “septo divisor” de água, transversal ao seu curso.

Inspeções batimétricas identificam sua calha primitiva em talvegue no centro da área hoje expandida. O seu antagonista rio Amazonas passa paralelo a essa restinga, formada pela sedimentação areno-argilo-siltosa do carreamento dos caudalosos rios que, no encontro e equilíbrio das forças desses rios há centenas de anos, formaram essa porção de “teso de várzea”.

Um delta, delimitado entre o canal do Jari, que funciona como sangradouro do rio Amazonas para o Tapajós até a poética Ponta Negra. Que se caracteriza como proteção natural para Santarém em seus níveis fluviométricos, como os “recifes” de quebra-mar em algumas cidades litorâneas do Brasil.

Com o fenômeno amazônico das “terras caídas”, carreadas pelo fluxo do rio Amazonas, geologicamente tido como rio novo, que conseqüentemente formam as também ditas “terras acrescidas”, surgindo ilhas no rio como a “Ilha do Meio” em frente à Santarém próxima à Ponta Negra.

A formação sedimentar dessas ilhas bloqueia a passagem livre do rio Amazonas, elevando seu nível hidrológico histórico, forçando sua correnteza contra os barrancos da sua margem direita que aceleram o fenômeno de “terras caídas”, com derrocamentos como ocorridos na Comunidade de Aninduba e outras, causando temor e prejuízos aos moradores daquelas áreas. Tudo num processo cíclico dinâmico irreversível.

Se esse fenômeno continuar nessa proporção, logo essa restinga desaparecerá totalmente por desmoronamentos intermitentes na margem direita do rio Amazonas que escoando livre desse obstáculo e bloqueado no seu canal por novas ilhas, tenha seu fluxo alterado redirecionando seu grande volume de água de encontro à orla de Santarém e ao fluxo do rio Tapajós, pressionando também a desembocadura do rio Arapiuns.

A soma dessas três forças convergentes e aglutinadas em suas fozes, elevarão os níveis dos três rios nesse “ponto chave” formando uma grande “baia” com perigo à navegação, inundando várias comunidades de várzea e as primeiras ruas de Santarém, acredito até a Rua 24 de Outubro, transformando Santarém na “Veneza da Amazônia”.

Assim como o desaparecimento da paradisíaca Ilha do Amor em Alter do Chão, que já sofre rebaixamento de nível pelo pisoteio humano, fato que seria um desastre para nós santarenos, pois o rio Amazonas pela sua força hídrica adentrará no Tapajós até a Ponta do Cururu, transferindo o “Encontro das Águas” para este local e na foz do rio Arapiuns. E com as construções das hidrelétricas previstas à montante do rio Tapajós, só agravará essa situação.

Em frente à praia de Ponta de Pedras, existem resquícios de uma ilha chamada de Ponta Grande, formada com material carreado do rio Amazonas pelo canal do Jari, que já foi maior inclusive com vegetação de porte, onde se criava gado bovino, e hoje desapareceu pela ação da natureza.

Autoridades no assunto deveriam tomar medidas preventivas frente à possibilidade desse fenômeno desastroso, elaborando um estudo criterioso e científico com modelos matemáticos, para que medidas preventivas sejam tomadas contra esse eventual desastre natural, evitando-se o pior, para conservação da integridade geográfica da área urbana de Santarém.

Uma das medidas a tomar, seria a remoção de algumas ilhas, para desobstruir a calha natural do rio Amazonas por meio de detonações ou dragagem na época da cheia, para que a força do fluxo de suas águas ajude nesse desmonte e carreamento do material, antes que as formações dessas ilhas aumentem por sedimentação e a vegetação típica desses biomas se prolifere, tornando-se impossível removê-las.

Não quero aqui fazer nenhuma “profecia apocalíptica”, mas sinalizar um alerta para as conseqüências cíclicas da natureza.

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* Santareno, é gestor ambiental. Escreve regularmente neste blog.

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