por Helvecio Santos (*)
Geralmente comportamo-nos como se a festa estivesse prestes a acabar e cada um quisesse pegar o maior pedaço do bolo. Seja por ignorância ou desinteresse, uma cidade pra se viver nunca foi prioridade dos munícipes e muito menos dos governantes. Sempre houve uma relação utilitária, onde o interesse individual é o que conta.
Os alcaides por sua vez fazem obras “pra inglês ver”, satisfazendo seu “ego”, adoradores que são de placas com seus nomes em busca de uma eternidade que acaba na primeira enchente ou na estação de chuva. O melhor exemplo é a tão celebrada orla, obra de péssima qualidade, hoje toda remendada e caindo aos pedaços. De um lado e d’outro é um depósito de lixo a céu aberto! O fedor de esgoto é insuportável e os carregadores atropelam as pessoas acreditando que ali é lugar de carga e descarga como o poder público permite crer.
— ARTIGOS RELACIONADOS
Some-se a isso, o terrível cheiro de fritura e o “sonzão dos carrão” que é um atentado à saúde. A orla é o supra-sumo da falta de amor à cidade!
Santarém sempre foi tratada como cidade pra se ganhar dinheiro e basta uma análise superficial e desprovida de falsa sensibilidade para admitirmos axiomática a afirmação. Fosse um relacionamento afetivo diria que Santarém é uma amante onde só o prazer conta. Respeito e cuidado, naturais em uma relação de amor, passam ao largo. Não acham?
Cantamos músicas maravilhosas, fazemos poesias lindas, choramos quando estamos longe, mas fica só nisso. Comportamo-nos como se a coisa pública “privada” fosse! Jogamos lixo no terreno baldio mais próximo e quando o rato aparece, a culpa é da Saúde Pública! Do ônibus, do carro de passeio ou mesmo a pé jogamos garrafas pets na rua e ai de quem reclamar. Logo é xingado!
Jogamos sacos plásticos, garrafas pets e combustol no leito do rio com uma naturalidade que beira o irracional. Comemos nos bancos das praças e lá deixamos restos de comida, garfos, facas de plástico e, para o convescote ficar completo, deixamos também o guardanapo e a marmitex.
No Mirante, onde só a vista vale a pena, não é recomendável olhar para o chão! Ali é possível encontrar, além de garrafas, restos de comida, papel, “lixo” menos nobre, além de há muito necessitar de obras de conservação, assim como todo bem público, às vezes até os recém inaugurados. Nessa demonstração dantesca de falta de civilidade os comerciantes não poderiam ficar de fora e contribuem fortemente para o “lixão”! Jogam na rua restos de embalagem e toda sorte de lixo. Lógico! Não em frente à sua loja mas, como todos fazem o mesmo, no final é lixo por toda parte.
Não bastasse, a qualquer hora, seja dia ou noite, fazem movimento de carga e descarga com veículos leves ou pesados, em carrinhos de mão ou estivadores e, “inteligentemente”, fazem das calçadas extensão das lojas expondo mercadorias e obrigando os pedestres, seus fregueses em potencial, disputarem espaço na rua com os carros.
A ACES – Associação Comercial e Empresarial de Santarém, deveria fazer seus membros darem exemplos de civilização. Seria um bom começo e melhoraria muito nossa cidade, não acham? À vista dessa breve descrição, alguém duvida que Santarém é uma cidade mal amada, buscada somente como meio pra se ganhar dinheiro, pra ser usada e nada mais?
Famílias ficaram ricas, ou mais ricas. Políticos ficaram ricos, ou mais ricos. Uns ficaram, outros se foram, outros chegaram e a cada pedaço da bela natureza que desaparece, outro pedaço é buscado para o ritual cruel com a certeza que terá o mesmo fim. Foi-se a Coroa de Areia, as praias em frente à cidade, a Vera Paz, o Laguinho, o Irurá! A bola da vez é Alter do Chão e a destruição ou melhor, desamor, já se nota na diferença de cor entre a areia da praia do Cajueiro e a areia da Ilha do Amor.
Pelo andar da carruagem a saga destruidora brevemente estará avançando sobre Ponta de Pedras, Pindobal, Aramanaí, Ponta Grande e, ulálá! Que bom! Há muita beleza e muita disposição!
Santarém sofreu com o ciclo do ouro onde o gás tóxico expelido nas “queimas” deixou muita gente doente. Ficamos com os problemas e nossa riqueza se foi… Santarém sofreu com o ciclo da exploração de madeira e o pó da serração deixou muita gente doente. Ficamos com os problemas e nossa riqueza se foi… Santarém sofre com o ciclo da soja. Nossa riqueza passa sobre nossas cabeças num gafanhoto de aço e o desmatamento de grandes áreas para o plantio causa migração do caboclo rumo à sede do município, fomentando o crescimento de bolsões de pobreza (favelas) no entorno.
Um dia, a exemplo dos outros ciclos, os “empresários” irão embora e ficaremos com os problemas… Na verdade somos politicamente mal educados e essa é a razão de permitirmos e também mantermos uma péssima relação com a cidade que nos abriga. Não cuidamos do nosso chão e está mais do que na hora de mudarmos! Não podemos passar o resto da vida reclamando dos políticos quando a cidade depende de nós e, é bom lembrar, somos nós que elegemos os políticos.
Seja Governo do Mutirão, Cidade da Gente, o nome não interessa! O que precisamos mesmo é uma cidade de gente, uma CIDADE PRA SE VIVER, uma cidade onde cada um esteja comprometido com o todo e assim cada um cuide do todo e o poder público cuide estruturalmente. Devemos privilegiar a construção de ciclovias que sirvam toda a cidade, a criação de áreas de lazer, o ajardinamento e nivelamento das calçadas, a arborização das ruas e praças, a acessibilidade em todas as esquinas e em estabelecimentos públicos e particulares etc etc etc, tudo isso cuidado e acarinhado pelo cidadão e mantido pelo poder público.
Uma cidade onde as lixeiras sejam utilizadas e não depredadas e o lixo armazenado em lugar adequado para coleta. Uma cidade onde o cidadão respeite e seja respeitado, onde oferecer lugar ou ajuda aos mais velhos, seja onde for, não cause espanto e seja uma prática rotineira, normal.
Uma cidade com um trânsito civilizado onde a prioridade, não importa a cor do sinal, seja sempre o pedestre. Afinal, o ser humano e não o veículo foi criado à imagem e semelhança de Deus. Uma cidade onde o zelo e o respeito sejam demonstrações permanentes de amor. Uma cidade pra se viver, pra ser amada e não pra ser utilizada e descartada!
E quando cantarmos “Minha terra tão querida” que seja do fundo do coração e, se longe da Terra Mãe, não haja lágrimas, mas somente júbilo. Como diz o belíssimo livro “E a Vida Continua…”, psicografado por Chico Xavier, “Onde o amor respira equilíbrio, não há dor de consciência e não existe dor de consciência sem culpa”.
Acredito na educação como mola mestra do desenvolvimento e se quisermos ter uma cidade pra se viver, a educação deve priorizar este objetivo. Em 1970 tínhamos basicamente 4 ou 5 médicos e uns 4 ou 5 advogados. Hoje, graças a excelentes centros de ensino como Dom Amando, Santa Clara, Batista e Estadual, temos muitos médicos, advogados, dentistas, engenheiros e outros mais. Esse era o desafio de então.
Hoje o desafio é outro e não é “privilégio” de Santarém, mas da maioria das cidades brasileiras. É urgente que as escolas ofereçam mais do que formação voltada para a produção, para o sucesso pessoal, para a busca de resultados numéricos.
Penso que é necessário priorizar uma grade escolar básica com matérias como organização social e política, afim de que o futuro cidadão entenda como funciona o Estado e perceba que o voto tem conseqüência. Também é necessário focar matérias que explicitem o que é viver em sociedade, o significado de cidadania, afim de que cuidar do chão onde se vive seja mandamento. No panorama atual onde o Estado do Tapajós se torna um sonho quase real, é urgente formarmos cuidadores!
Santarém pede socorro!
– – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –
* Santareno, é advogado e economista. Reside no Rio de Janeiro e escreve regularmente neste blog.