
A bioeconomia está na moda, como diziam os antigos, e, certamente, foi um grande feito do jovial e dinâmico governador do Pará ter impetrado esforços hercúleos para trazer a COP-30 para Belém, apesar dos inúmeros entraves e preconceito nacional e mundial contra à nossa maravilhosa capital, umas das vinte cidades mais importantes em gastronomia, junto com Paris.
A “Cidade das Mangueiras” foi atacada de todas as formas, e imputada como uma cidade sem saneamento, sem rede hoteleira suficiente, fora inúmeras outras críticas, muitas vezes, feitas por quem nunca esteve em Belém. Mas esta é uma realidade de várias cidades brasileiras.
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Observe-se o maravilhoso Rio de Janeiro e a sua violência extrema, problemas de saneamento diversos nas suas numerosas favelas e bairros periféricos. Mas o governador foi ferrenho e também o governo federal e a COP-30 virá com todo o seu legado.
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Certamente haverá um grande avanço na bioeconomia, nas discussões sobre a floresta em pé, desenvolvimento sustentável, discussões sobre o clima. Evento grandioso com ênfase na Amazônia. Nada mais justo que seja em uma grande metrópole da Amazônia. E divulga-se, aos quatro ventos, com muito recurso aplicado na mídia, o que se está implementando de infraestrutura.
Recentemente, houve o NEOSUMITT COP-30, onde o governador Helder Barbalho falou sobre o seu ambicioso plano de criar o Vale Bioamazônico de Tecnologia, claramente inspirado pelo Vale do Silício dos Estados Unidos (https://neofeed.com.br/neosummit-cop30/o-plano-de-helder-barbalho-para-criar-o-vale-bioamazonico-de-tecnologia/).
O governador, por vídeo conferência, falou bonito “(…) Acreditamos que a biotecnologia pode representar a solução para a Amazônia e para os povos que vivem aqui (…)”, afirmou o governador, no último dia 10 de setembro.
E ainda disse: “precisamos fazer com que a floresta viva valha mais do que a floresta morta”. Frase perfeita, a “floresta em pé” vale mais do que a aquela destruída pela exploração predatória não sustentável, como na exploração ilegal dos garimpos em terras indígenas ou madeira extraída ilegalmente das florestas amazônicas.
A frase do governador tem também outro significado, quando diz “a bioeconomia pode representar a solução para os povos que vivem aqui”. Os pesquisadores, os empreendedores do oeste do Pará, sêniores e jovens fundadores dos startups do oeste do Pará, das várias cidades do Baixo Amazonas, todos nós somos “povos que vivem aqui”.
Ao observar os grandes empreendimentos que estão sendo feitos para desenvolver a bioeconomia no Pará, noto pouca representatividade de empreendedores e empresas do interior do estado, representantes legítimos dos “povos que vivem aqui”.
Por exemplo, está praticamente pronto o Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia, no Porto Futuro II. Esse grande empreendimento conta com Centros de Inovação e Sociobioeconomia. A estrutura visa a integração entre os saberes tradicionais e a ciência, o que é muito importante.
No entanto, está bem claro que as empresas que lá estão, no momento, são de Belém. Falta mais oportunidades para participação da ciência e empreendedorismo do interior do estado. Por exemplo, Santarém já se destaca em inovação possuindo vários empreendedores brilhantes, com excelentes modelos de negócios.
O Sebrae Nacional reconheceu isso ao implementar o Oka Hub, a incubadora da Floresta, em Belterra, onde dez empresas foram selecionadas: Amazbiotech, Cacauaré, Deveras Amazônia, MAD, Mahá Biocosméticos, Neuroprotect, Soul da Mata, Tapajó, Uirapurú, Yara Couro.
Empreendedores jovens, e não tão jovens como este autor que vos escreve, com ideias brilhantes e escaláveis avançam seus empreendimentos no Oka Hub. Como diz o magnífico slogan do Sebrae, do Oka Hub, “No meio da maior floresta tropical do mundo, nós criamos um lar para ideias revolucionárias”.
Essas ideias revolucionárias e inúmeras outras nos recantos mais longínquos desse estado precisam ser ouvidas e ter representatividade nos empreendimentos de bioeconomia do estado.
Nos seus primórdios, segundo estudos arqueológicos, Santarém já foi uma meca religiosa para onde várias tribos se encaminhavam para adorar seus deuses (https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2025/05/santarem-no-para-era-uma-meca-amazonica-indigena-antes-da-chegada-dos-europeus.shtml). Talvez esses cantos ainda ecoem no longínquo universo, mas Santarém está se transformando em uma Meca da ciência e da inovação. Diversos cientistas e empreendedores começam a transformar a realidade Amazônica. Essa é a mensagem dos povos que aqui vivem e devem ser ouvidos e representados.
A nossa fundação de pesquisa (Fapespa) também precisa ser melhorada. É comum editais que são aprovados e não são pagos. Chega a sair até no diário oficial do estado, mas a subvenção não chega aos projetos. Por exemplo, vários empreendedores do Startup Pará 2020 não receberam o recurso da Fapespa. O edital foi unilateralmente cancelado por um erro incorrigível, mas os empreendedores não podem ser punidos por este erro.
Estes empreendedores ainda aguardam o pagamento, agora na justiça. E os procuradores da Fapespa tentam de tudo para embargar os sonhos desses empreendedores, inclusive o meu. Adoro a cultura e tem que ser incentivada, mas dar milhões para os botos de Alter do Chão e negar 80 mil para cada empreendedor do Startup Pará não parece coerente.
Estamos atrás do Amazonas e do Amapá. Nestes estados, e com apoio da Suframa, uma única startup do Amapá conseguiu 8 milhões de reais para dois projetos. Fiquei feliz pelos amigos do Amapá, mas ao mesmo tempo triste por pensar o quanto estamos atrás destes estados em relação às oportunidades em bioecnomia. Algo ter que ser feito para mudar isso.
As vozes dos povos que aqui vivem pedem passagem, oportunidades e representatividade. Queremos que o Vale Bioamazônico de Bioeconomia seja um sucesso, mas com a participação de cientistas e empreendedores do interior do Pará. Nem só de “Cidade das Mangueiras” vive o Pará.
Walace Gomes Leal é neurocientista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFOPA. Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular (UFPA); Programa de Pós-Graduação em Fisiologia e Bioquímica (UFPA). Rede Bionorte (UFOPA). Escreve regularmente no JC.
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