Do médico Erik Jennings Simões, sobre o post Funai abandona índios Zo’e, denuncia TV:
Caro Jeso,
As imagens publicadas pela TV Atalaia e outros sites da internet correspondem à saída de 139 índios Zoés do seu território em direção a Oriximiná, no final de setembro deste ano. Esta saída, em massa, chamou muito a atenção da com unidade local, regional e das instituições nacionais que cuidam dos índios Zoés.
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Quais os motivos? Como fizeram? Quais as explicações antropológicas para tal atitude? Muito já sabemos e muito ainda está sendo discutido em Brasília e em próprio território Zoé.
Uma coisa é certa: os Zoés não foram para Oriximiná em busca de saúde. Eles não estavam doentes, ao contrário, andaram pela mata mais de 150 kilômetros subindo morros e vencendo a floresta. Eles chegaram até 65 km de Oriximiná em linha reta, querendo: roupas, motor, rabeta, rede e espingarda. Aliás, a saúde FÍSICA dos Zoés vai muito bem.
As ações de saúde têm como diretrizes o tripé: respeito à cultura, trabalho voluntariado e ação na própria área indígena. Com essas diretrizes e ainda um equilíbrio (frágil) entre meio ambiente e cultura, temos conseguido os seguintes indicadores:
Taxa de mortalidade de 11,7 por 1000 nascidos vivos. Só para se ter uma idéia a taxa do Nordeste é em média de 30 (ou seja, em cada 1000 crianças que nascem vivas trinta crianças morrem antes de completar um ano de vida) e em Santarém é de 21! Nos Zoés tivemos apenas 01 (um) óbito em menor de 1 ano nos últimos 10 anos. Neste mesmo período, tivemos 85 nascimentos.
Temos então um crescimento populacional de 75 pessoas. A população cresceu de 177 pessoas no ano de 2000 para 254 em 2010. (maio). Não temos registro de diabetes, hipertensão arterial e doenças sexualmente transmissíveis.
Temos uma unidade hospitalar, na própria área, onde são realizadas cirurgias de pequena e média complexidade, inclusive já realizamos colecistectomia (retirada de vesícula) via laparoscópica (sem abrir a barriga) e cirurgia para catarata. Trabalhamos com a visão de levar a saúde até os índios e não trazê-los até a saúde da cidade.
Vários outros índices e taxas e características da assistência a saúde aos Zoés vão estar publicadas no nosso site paju.net.br, daqui a dois dias. Os dados demonstram, e inclusive foram apresentados em reunião com a Organização das Nações Unidas (ONU) em Brasília em junho deste ano, que a saúde física vai bem. Antropologicamente isso não é a mesma coisa. Na parte de saúde, o projeto dos Zoés atualmente é considerado modelo para outros povos.
Minha função é coordenar a equipe, principalmente os médicos voluntários, que podemos contar a qualquer momento, dentre eles: Alan Soares (radiologista), Bruno moura (radiologista), Fábio Tozzi (cirurgião vascular), Moacir Borelli (patologista), Alberto Tolentino (cirurgião geral), Ronaldo Guimaraes (cirurgião geral), Rogério Borges (cirurgião geral), Emmanuel Silva (ortopedista), Eduardo Freire (ortopedista), Waldemar Ribeiro (oftalmologista) dentre outros radicados em São Paulo.
Mas os Zoés, como um povo indígena de baixo contato (não é considerado isolado) não “querem só” isso! A questão é muito, muito mais complexa e estamos discutindo isso com um grupo de especialista em várias áreas para entendermos e propormos mudanças nas diretrizes antropológicas para com este povo. Não é tempo, e nem me considerado a melhor pessoa (embora tenha minha visão de saúde antropológica), para aqui fazermos considerações a respeito da saúde antropológica, e não somente física dos zoés, pois tem muito a ser dito.
Alguns pontos já foram colocados pelo Tibério. A maneira como a TV e alguns sites está explorando a questão interessa mais a missionários fundamentalistas que querem ganhar a alma dos Zoés e a outros interesses econômicos escusos. Os Zoés são pessoas maravilhosas que necessitam de mais respeito ao se tratar da questão.
Quero dizer, que apesar de meu vínculo ser com a FUNASA e não FUNAI, sempre segui as diretrizes da Funai na relação de saúde, principalmente discutindo com a pessoa que mais sabe sobre o povo Zoé no momento que é João Lobato (Funai). Porém, reconhecemos que tem muito a ser discutido e muitas falhas, mas que não inviabilizam o já conquistado. Não dá para discutir a questão com visão limitada de branco que só pensa na política local de pronto-socorro e Santarém.
A questão é muito mais complexa, e todos têm um papel neste contexto. Até porque, se formos fazer algum paralelo, as pessoas da cidade vão descobri, com vergonha, que nos Zoés a mortalidade infantil é menor que na da cidade, que nos zoés falta roupa, televisão, celular… Mas não falta dipirona, antibiótico e muito menos médico.
Nota: Jeso estou a sua disposição para esclarecimentos mais técnicos e detalhados.
