Jeso Carneiro

Pastor de Belém protocola pedido de afastamento do nº 1 da Comieadepa por fala racista; leia o documento

Pastor de Belém protocola pedido de afastamento do nº 1 da Comieadepa por fala racista
Pastor Océlio no evento realizado em Itaituba no final de semana passado. Foto: reprodução

Uma representação ético-disciplinar com pedido de afastamento cautelar do cargo foi protocolada contra o pastor Océlio Nauar, presidente da Mesa Diretora da Convenção Interestadual de Ministros e Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Pará (Comieadepa) e pastor da Assembleia de Deus em Tucuruí, sudeste paraense.

A ação, protocolada pelo pastor Erivaldo Monteiro Marques, de Belém, nesta quinta-feira (14), visa apurar o discurso proferido por Océlio na semana passada (dia 9), durante congresso feminino evangélico na cidade de Itaituba, no oeste do Pará.

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No centro da controvérsia, está a declaração do nº 1 da Comieadepa a um público feminino, incluindo fiéis, adolescentes e jovens, que gerou acusações de racismo e sexismo, além de forte repercussão negativa nas redes sociais.

Mestre em teologia, o pastor afirmou: “Quando você for casar, escolha com quem for casar. Se você escolher uma branquinha, tem mais despesa, é mais caro. Escolhe uma morena que gasta menos. As branquinhas começam a ter um negócio aqui, tem que comprar mais creme, vai ficando cara. Mas, o amor é cego”.

Transmissão ao vivo

A representação citou uma versão similar: “Digo para os jovens hoje se você vai se casar, escolha com quem você vai casar, se você for escolher uma branquinha vai ter mais despesa, porque é mais cara, escolhe uma morena que é gasta menos, as branquinhas começa a ter um negocinho aqui, tem que comprar mais um creme, mais não sei o que, vai ficando caro, mas o amor é cego….”.

O discurso foi transmitido ao vivo, gravado e amplamente divulgado em vídeo nas redes sociais. Internautas e membros religiosos manifestaram revolta, classificando a postura do líder religioso como “lamentável” e cobrando retratação. A repercussão alcançou escala estadual e nacional.

Defesa: frase descontextualizada

A equipe do pastor Océlio Nauar o defendeu dizendo que a frase foi “tirada de contexto” e se referia a um problema de pele de sua esposa, que é branca e que teve um tratamento caro. Além disso, alegou que “um grupo movido por intenções políticas infamou esse corte para prejudicar a boa imagem do pastor”.

Após o incidente, o pastor desativou os comentários em suas publicações mais recentes no Instagram. A representação, no entanto, argumenta que, ao invés de reconhecer o ilícito ético, Océlio Naur se deslocou às redes sociais para alegar “perseguição”, o que é visto como um mecanismo de vitimização do ofensor e revitimização da comunidade atingida.

Reconstrução e transição

Océlio Nauar assumiu a presidência da Comieadepa em abril deste ano (dia 10), sucedendo o pastor Ritter Marques, que renunciou ao cargo após a divulgação de um vídeo de conteúdo íntimo que viralizou nas redes sociais.

Na ocasião, Océlio ocupava o cargo de 1º vice-presidente, e assumiu a liderança da entidade em um “momento de reconstrução e transição”, com o compromisso de manter a unidade da igreja e fortalecer a fé da comunidade, prometendo uma gestão “marcada por transparência, diálogo e restauração da confiança”.

A representação aponta que o discurso do pastor contribuiu para aprofundar a crise de imagem e confiança que a convenção já enfrentava.

Quem é

Nascido em Tucuruí, Pará, Océlio Nauar tem 66 anos e é casado com Áurea Warly. Sua formação acadêmica inclui graduação em teologia pela Faculdade de Educação Teológica de Lorena (1990) e em filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (1998).

Possui especializações em administração escolar (1999) e filosofia contemporânea (2000), além de mestrado em teologia (1999). Antes de sua carreira pastoral, qualificou-se em cursos técnicos profissionalizantes nas décadas de 1970 e 1980.

Atualmente, além de presidente da Comieadepa, é professor titular da Faculdade de Teologia, Filosofia e Ciências Humanas Gamaliel, da qual também é proprietário. Em 2019, esteve em Brasília participando de um culto promovido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, a quem entregou placas de homenagem.

Violação de princípios bíblicos

A representação apresentada por Erivaldo Monteiro Marques argumenta que a conduta de Nauar se enquadra em atos atentatórios ao decoro ministerial, violando princípios bíblicos de igualdade, amor ao próximo e respeito à dignidade humana.

O documento cita diversas infrações ético-disciplinares baseadas no Estatuto Social (ES), Regimento Interno (RI) e Código de Ética e Disciplina (CED) da Comieadepa.

Entre as violações apontadas, estão:

Outras violações

Também é mencionada a “desobediência deliberada aos princípios contidos na Bíblia Sagrada, Estatuto Social, Regimento Interno e Código de Ética e Disciplina” (ES, Art. 19, I), e “conduta desonrosa… capaz de causar escândalo e afronta à ética, à moral e aos bons costumes” (ES, Art. 19, III).

Além de “usar de violência em atos ou expressões que prejudiquem o bom conceito da IEAD, do ministério e da COMIEADEPA” (ES, Art. 19, III).

Diante da gravidade e repercussão do caso, a representação pede o afastamento cautelar/suspensão preventiva do pastor Océlio Nauar de todas as funções diretivas até o julgamento final.

O pedido se baseia no Regimento Interno (artigo 28), que prevê o afastamento de membros da Mesa Diretora durante o processo disciplinar, e no Estatuto Social (artigo 54, IV), que autoriza a suspensão preventiva em caso de conduta que acarrete repercussão prejudicial ao ministério, à igreja e à convenção.

Preservação urgente da credibilidade

A representação contra Océlio Nauar enfatiza a independência das instâncias disciplinar e criminal, afirmando que a apuração interna é urgente para preservar a credibilidade institucional, independentemente de eventual investigação penal.

No mérito, a representação requer que o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da Comieadepa julgue procedente a acusação e aplique as penalidades previstas no artigo 21 do Estatuto Social, que incluem advertência, suspensão ou destituição/exclusão.

Adicionalmente, são solicitadas obrigações acessórias de caráter pedagógico e reparatório, como uma retratação pública formal perante a comunidade ofendida, um compromisso de não repetição, e a participação em um programa obrigatório de formação em letramento racial e de gênero e ética ministerial.

Por fim, a representação sugere o encaminhamento de cópias dos autos ao Ministério Público para conhecimento e providências, diante da possível tipicidade em relação à Lei 7.716/89 (Lei do Racismo).

Raiz de inclusão e reparação

A representação também contextualiza que a tradição pentecostal, da qual a Assembleia de Deus faz parte, “nasceu como movimento de inclusão e reparação”, destacando o avanço na Rua Azusa (Los Angeles, 1906), que rompeu barreiras de segregação e reconheceu o protagonismo de mulheres negras.

As falas do pastor Nauar, de teor “sexista e racializado”, são apresentadas como destoantes desse legado e violam “os deveres ministeriais e afrontam os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade”.

Leia e baixe a íntegra da representação.

Pastor Océlio Nauar e o ex-presidente Bolsonaro: homenagem em 2019. Foto: reprodução

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