Jeso Carneiro

Ex-reitora da UFOPA: as razões da saída

Há cerca de 2 semanas, a professora doutora Raimunda Monteiro (foto)entregou o cargo de vice-reitora da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará). Até então era a santarena em cargo mais elevado na instituição.

Nesta entrevista ao blog, ela revela em detalhes as razões que a levaram a deixar o posto de nº 2 da universidade, criada no final do governo Lula II. Não só isso: faz uma análise do atual momento da UFOPA e traça o perfil do reitor Seixas Lourenço.

Por que senhora decidiu deixar o cargo de vice-reitora da UFOPA?
Raimunda Monteiro – Os motivos estão expressos na mensagem a comunidade acadêmica que divulguei em abril. Sou entusiasta da nossa universidade, mas esperei que a sua implantação seguisse, desde o primeiro momento uma concepção de gestão moderna, marcada pelo diálogo interno e com articulação mais ampla com os diversos segmentos da sociedade regional. Na minha concepção, este diálogo acataria as contribuições locais para o aperfeiçoamento do projeto pensado em Brasília, potencializando o que há de mais importante nesta iniciativa: a disposição do Governo Federal em fortalecer o ensino superior, a pesquisa e a extensão na Amazônia. A formação de capital social em nossa região, fundamental para que possamos influenciar nos destinos da Amazônia. Essa é uma missão central desta universidade. Uma gestão conturbada pela falta de diálogo, consome muita energia da comunidade numa agenda negativa e contribui para a desagregação em vez de catalizar forças para um objetivo comum. Minha função de vice-reitora, numa equipe de maioria formada a partir do círculo de relações do reitor, não teve a força política suficiente para influenciar no modelo de gestão. Apresentei propostas de planejamento institucional (mesmo para um período pro-tempore é útil para orientar os esforços coletivos e abrigar as diversas contribuições das unidades acadêmicas e administrativas); fiz gestões pela criação do Consun – Conselho Superior Universitário desde o ano passado, por considerar que estamos tomando decisões que vão influenciar na vida da universidade por muitos anos, mas essas idéias não foram consideradas pertinentes. As coisas funcionam com base na vontade dos titulares, é assim que funcionam as instituições. Daí fiz o cálculo da minha própria energia e vi que, neste momento, ela pode ser mais útil para outros esforços dentro da universidade, onde eu possa contribuir melhor.

Por que a decisão de sair só agora agora e não no momento em que lançou a mensagem à academia?
Raimunda Monteiro – Porque minha saída, assim como a minha indicação, não é algo pessoal, não depende só de mim. Em funções públicas, somos conduzidos pela vontade de muita gente. Minha saída não é consenso entre muitos colegas e tive que respeitar um tempo de convencimento, em que foi possível ver que, meu cargo de vice-reitora não era suficiente para influenciar na direção da universidade. Acreditei que algumas mudanças também pudessem acontecer, mas no decorrer desses dois meses, ficou claro que são matrizes de pensamento diferentes e, que o ministro da Educação, com base nas avaliações institucionais a que tem acesso, está satisfeito com os resultados alcançados. Neste caso, não cabe mais somente a mim cobrar as adequações e sim, à comunidade universitária, no seu processo de tomada de consciência e de construção de consensos sobre o perfil de universidade que deseja. Eu acredito que haverá sim, melhoras, mesmo na transição pro-tempore. Há um conjunto expressivo de pessoas atuando de forma muito séria na administração e em todas as esferas da universidade. Mas, quero contribuir sem a tensão de ocupar um cargo de destaque relegado a uma condição marginal na estrutura de gestão.

A senhora deixa o cargo decepcionada com quem? Com o reitor Seixas Lourenço, por exemplo?
Raimunda Monteiro – Com a experiência acumulada na gestão pública e nos movimentos sociais como protagonista e como acadêmica, não me cabe alimentar decepções. Trata-se de concepções políticas sobre a sociedade, a universidade e a gestão pública. O Reitor, que ocupou cargos de destaque ao longo de 30 anos, desenvolveu a sua forma de pensar e conduzir projetos como este. Sou de outra geração, de outra trajetória e formada com uma visão diferenciada de como gerenciar políticas públicas. Isso pode ser conferido nos órgãos por onde passei, onde também deixei marca de competência e diálogo com os públicos diretamente interessados nas políticas que gerenciei. Tenho grande respeito pela pessoa do Reitor Seixas Lourenço. Quando ele foi Secretário de Coordenação da Amazônia no MMA, coordenei sob sua gestão, um programa de capacitação de assistência técnica para a promoção do extrativismo na Amazônia, no CNPTIBAMA. Tivemos o apoio dele para executar recursos destinados pela então ministra Marina Silva.

Cobra-se transparência, democracia já na UFOPA. Ainda não é cedo, considerando que o reitor é pro tempore e a universidade ainda está em fase de implantação?
Raimunda Monteiro – Não podemos registrar na história da UFOPA, uma fase anti-democrática e outra democrática. Estamos no século XXI e o Brasil venceu essa questão de ser ou não democrático há quase trinta anos. A democracia é um valor inegociável, principalmente em se tratando de instituições de ensino superior, movidas pela liberdade das idéias, do conhecimento e da cidadania política. Justamente por termos a possibilidade de criar uma nova universidade, temos a oportunidade de fundá-la orientada por métodos democráticos, com ampla participação dos docentes, dos estudantes e dos técnicos administrativos. Estamos implantando rotinas acadêmicas e administrativas que envolvem o trabalho e a vida de toda uma comunidade. Considerando que herdamos servidores e estudantes de duas universidades consolidadas e que, hoje temos uma maioria de colegas que vieram de outros estados, com suas próprias experiências, contribuições e expectativas, poderíamos utilizar as instâncias colegiadas de decisão ( que são inerentes a administração das universidades) como um instrumento de decisão compartilhada. O artigo 56 da LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação, institui que “as instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.” Somos gestores, mas também somos educadores. Seria de bom tom aliar esses papéis e dar um bom exemplo de eficiência técnica, acadêmica e política, implantando uma universidade inovadora no interior da Amazônia, com forte referencial em princípios como este da lei maior da Educação no Brasil.

Até que ponto a política partidária está atrapalhando o, digamos, amadurecimento da UFOPA nesses seus primeiros passos?
Raimunda Monteiro – É cedo para tirar conclusões sobre esses fatores, pois eles não estão explícitos nem na nomeação do Reitor e sua equipe e são pouco relevantes nos movimentos de oposição existentes. A universidade é um projeto da sociedade e deve estar acima dos interesses partidários. Por isso muitos ficaram incomodados com a presença de políticos emblemáticos em várias reuniões que a Comissão de Implantação realizou para a apresentar o projeto entre 2008 e 2009. Porém, não podemos esquecer que a universidade depende dos políticos para articular projetos do interesse da educação, da ciência e da tecnologia, principalmente em nível federal. Tudo na vida social depende da política aqui e em qualquer lugar no mundo. Por isso, a universidade deve ter uma postura independente de partidos, mas inteligentemente articulada no mundo político.

A sua passagem por cargos públicos – MMA, Ideflor e agora UFOPA – sempre foram meteóricas. Isso revela inapetência sua a cargos públicos?
Raimunda Monteiro – Não penso assim, pois somente no MMA fiquei de 1997 a 2004, assumindo diferentes cargos e funções na gestão dentro de uma mesma linha: gestão de projetos e fundos voltados para apoiar iniciativas de desenvolvimento sustentável na Amazônia, Mata Atlântica e em nível nacional quando coordenei o Fundo Nacional de Meio Ambiente. A mudança de cadeiras se deu mais por contigências de mudanças de governo ou para atender questões familiares, quando os cargos exigiram que ficasse longe da minha família. Tenho um carma de ser convidada para assumir funções em organismos em processo de readequação de rumos ou em fase de implantação. Sou orgulhosa de ter redirecionado a ação do PDA-Projetos Demonstrativos do PPG7, aproximando o programa das políticas públicas nos estados; de ter reformado o FNMA-Fundo Nacional do Meio Ambiente, aproximando o fundo das regiões mais carentes do país, especialmente da Amazônia; de ter liderado a equipe que criou o IDEFLOR-Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará e, em dois anos e meio, poder voltar para a Universidade, deixando o Instituto caminhar com suas próprias pernas. O que não tenho é apego a cargos. Procuro manter uma postura de educadora. Quando entro, já estou pensando em quem vai dar continuidade ao trabalho quando tiver que assumir outras tarefas.

A senhora descarta a possibilidade de vir a ser candidata à reitora da UFOPA quando o processo democrático-eleitoral da instituição for aberto?
Raimunda Monteiro – O dia de amanhã trará suas próprias preocupações, como manda o conselho cristão. Não ficarei refém desta agenda. Quero a liberdade de pensar e produzir academicamente sem a perturbação de especulações. Meu foco é melhorar minha produtividade acadêmica para atender melhor a meus alunos, minha família, aliando satisfação espiritual e profissional.

Quais os projetos que pretendem se dedicar a partir de agora?
Raimunda Monteiro – Organizar minhas publicações, pois tenho um acervo de conhecimento e materiais que precisam tomar forma de textos científicos para o diálogo com meus pares. Também um mergulho na pesquisa e no debate do desenvolvimento regional, minha afinidade intelectual.

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