
A educação civiliza, não a força. A discussão sobre a operação no complexo do Alemão deve ser historicizada e sociologizada. A expansão do tráfico na cidade do Rio de Janeiro pode ser compreendida, dentre outras coisas, à luz do desmonte do projeto trabalhista para a educação – Centros Integrados de Educação Pública, os famosos CIEPs – inspirados na perspectiva de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro sobre a formação integral das crianças.
O debate entre Leonel Brizola e o neoliberal Fernando Henrique Cardoso, acerca dos CIEPs, na década de 90, é simbólico e ilustrativo disso; enquanto FHC referia-se aos CIEPs como “gastos”, “caros” ao Estado, Brizola defendia, em oposição ao tucano, a visão humanitária de que “caro”, na verdade, é a ignorância, a pobreza, e a desigualdade social.
Infelizmente, seu sucessor, Darcy Ribeiro, perdeu as eleições, em 1986, e, com isso, sob o desmonte das políticas públicas trabalhistas determinado por Moreira Franco, o tráfico passou a ser o ponto de referência para a sociabilidade das crianças no lugar dos “brizolões” – em outras palavras, venceu o projeto das classes dominantes para as classes sociais dominadas.
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Algumas razões, com efeito, podem nos ajudar a refletir sobre o fenômeno sociológico da violência. Existe uma relação dialética entre o domínio territorial, por parte do tráfico e das milícias, e seus representantes no Estado, que mantém a violência como meio para a reprodução das estruturas de poder na sociedade carioca. Assim como na Amazônia o domínio territorial de prefeitos e vereadores sustenta a elite política no Congresso e a mantém como fronteira agrícola para o capital.
Em suma, a violência é condicionada, nesse contexto e do ponto de vista histórico-estrutural, por uma relação social chamada clientelismo – um circuito fechado que se retroalimenta com sangue de trabalhadores e trabalhadoras – seja os policiais ou jovens que entram para o mundo do tráfico – ambos são vítimas do pacto de poder selado entre os estratos sociais dominantes para a manutenção da rentabilidade de seus negócios.
Ademais, parafraseando a discussão do estruturalismo e do funcionalismo francês, existe uma FUNÇÃO SOCIAL no controle social, por parte do Estado. Enquanto a operação realizada na Faria Lima, bairro de luxo de São Paulo, foi feita sem um único disparo de arma de fogo, considerada um sucesso do ponto de vista da segurança pública, a operação no Complexo do Alemão foi feita aos custos do terror que vitimou policiais, bandidos e civis sem, no entanto, prender o chefe da facção – considerada um fracasso pelo ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel.
Portanto, pode-se dizer que para os ricos e seus bairros, predomina a biopolítica e o direito restitutivo, e para os trabalhadores nas favelas o direito penal/punitivista combinado com uma necropolítica. Essa lógica colonial, todavia, é fracassada e deve ser superada.
O Brasil é uma das maiores economia do sistema-mundo, mas também uma das mais desiguais. Possui uma centralização e concentração de capital, tanto na economia formal – nas mãos dos banqueiros, dos latifundiários e dos industriais – quanto na economia informal – nas mãos, por exemplo, do tráfico – que atuam em simbiose; o caso da Faria Lima escancarou isso para o Brasil.
No mais, atividades criminosas, especulação financeira, indústria e grande agricultura são, enquanto modo de produção capitalista, negócios rentáveis que matam a mesma força de trabalho que exploram – muda a forma mas a essência é a mesma.
Portanto, só a educação civiliza. Como lembra Darcy Ribeiro: “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. Defender a força, contra a educação, implica na defesa da perspectiva do FHC contra Darcy e Brizola. Nessa disputa fico com os últimos e ao lado da classe trabalhadora.

∎ Marlon Kauã Silva Cardoso é sociólogo. Com formação em Ciências Sociais (UEPA), fez mestrado em Sociologia (UFPA/PPGSA) e, atualmente, é doutorando em Sociologia (UFPA/PPGSA).
∎ Os artigos publicados com assinatura não traduzem, necessariamente, a opinião do JC. A publicação deles obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros, prioritariamente, e de refletir as diversas tendências do pensamentos contemporâneo.
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