O valor das águas e o Dia do Índio

Publicado em por em Artigos, povos indígenas

por Jackson Fernando Rêgo Matos (*)

A pressa e a sede do progresso, que fechou os olhos e o ouvido aos gritos dos povos dos rios e das florestas do Xingu, ameaça agora um dos bens mais preciosos para todos os seres vivos que dependem dos ecossistemas formados no coração da Amazônia, ápice da evolução biológica: as águas do Tapajós com seu imenso aquífero de Alter do Chão.

Símbolo de cidades como Santarém, a paisagem que identifica e caracteriza a expressão cênica de um povo pode vim a se transformar em um local degradado devido a falta de critérios, respeito às leis do Brasil, sensibilidade e diálogo entre os avanços da Ciência e clamor da sabedoria popular, que pede para serem ouvidas e possam decidir e opinar sobre o seu próprio futuro e da impressionante paisagem que tem se destacado na mídia nacional e internacional recentemente. O Tapajós pede socorro.

Entre os critérios para a proteção de áreas, está a demanda por paisagens naturais e a garantia da qualidade de habitats para a fauna e a flora que compõe nossa rica biodiversidade. A ordenação territorial e a inclusão das populações tradicionais que necessita de espaços ambientais adequados para a sua integridade e necessidades de qualidade para uma vida saudável são condições mais do que reclamadas localmente e é um imperativo para a garantia das diferenças e das diversidades.

Para a conservação da natureza, a própria vida das comunidades são de extrema importância. Atualmente, vimos a influência midiática que escolhe cenários a serem definidos como patrimônios da humanidade e isto causa um efeito positivo no turismo e na auto-estima da população.

Quando se respeita as aspirações do povo, os espaços ganham soberania e contribuem na preservação de territórios e na conscientização da população para a proteção da fauna e da flora, transformando em locais cotidiano de exercício da cidadania e de forte atrativo às atividades de turismo.

Aqui no Tapajós, a construção de hidrelétricas, além da estupidez de poucos insensatos, mostra novamente o descaso como os filhos e filhas da Amazônia são tratados, em especial os indígenas, caboclos e ribeirinhos que certamente são os mais originais e legítimos, mais que poucas possibilidades têm de expressarem suas opiniões às imposições de quem manda.

No embate dos interesses sobre a questão, é preciso considerar a sabedoria do rio, dos povos amazônicos e também do homem urbano que tem suas necessidades e busca na natureza, a inspiração para reabilitar e renovar suas forças e religação com o sagrado que há em todos nós.

Assim, deixar que o rio siga seu curso natural é a política mais sensata diante das mudanças climáticas que se observa e hoje já existem alternativas de geração de energia de alta qualidade sendo colocadas em práticas em vários países. A hora é de definirmos, conjuntamente, as mudanças que nos farão responsáveis por nosso destino e a questão ambiental oferece uma gama de alternativas viáveis e almejadas pela opinião pública, podendo gerar empregos verdes e renda através da conservação aliado a tecnologias de ponta que podemos começar a dominar.

A construção das hidrelétricas esquece a capacidade de renovação e a consciência de que a água é um bem sagrada que precisa ser bem gerida. Esquece nosso poeta, compositor Ruy Barata que canta esse rio é minha vida e as composições de Sebastião Tapajós, melhor intérprete de nossa natureza. Esquece a M’boia que devora homem que é mal e protege o que é de bem.

Perder o Tapajós é perder a possibilidade do povo simples contemplar o marulhar do rio, sentir o banzeiro, ver o pôr-do-sol e ouvir o retumbar das águas. Preservá-lo é dar a possibilidade de impregnarmos, sem mais palavras, pela cultura que forma as lendas, as crenças e nossa identidade e nos Amazonar-mos.

Cuidar do rio é deixar que o da construção de uma sociedade equilibrada, respeitando os limites do crescimento e prender a encantar o mundo, com o exemplo de dar a todas as pessoas, o direito constitucional a um meio ambiente sadio.

Que este Dia do Índio seja um grito que ecoe. Salvemos, todos juntos, todos os rios da Amazônia. Salve Tapajós, de um dos rios mais belo do mundo.

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* Santareno, é professor doutor da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará).


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12 Responses to O valor das águas e o Dia do Índio

  • Parabéns ao professor Jackson pelo olhar romântico sobre as águas e os povos indígenas. Entre o pragmático e o poético, fico com a sensibilidade da poesia, pois, ajuda a forjar um sentimento em prol de um desenvolvimento sustentável. Respeitando as diferenças e as particularidades do povo que habita a nossa Amazônia. Temos alternativas de sobrevivência para que o nosso povo não viva na miséria, e a natureza não seja dilapidada irresponsavelmente. O que não temos é políticas públicas voltadas para esse interesse.

  • Mais uma: com relação aos “indígenas, caboclos e ribeirinhos que certamente são os mais originais e legítimos” (eu também sou, minha família está aqui há mais de 300 anos), cito abaixo, na íntegra a revista Veja:

    Segundo a reportagem da revista Veja, os boraris viviam em Alter do Chão, a praia mais badalada do Pará. Com pouco mais 200 pessoas, a etnia assimilou a cultura dos brancos de tal forma que desapareceu no século XVIII. Inexplicavelmente, os índios extintos, por obra e graça de Frei Florêncio, surgiram na região, no ano de 2005, com direito inclusive a ter um cacique, Odair José, nascido e criado em Belém do Pará, porém, incorporado em cacique Borari. “Em 2005, Florêncio Vaz, frade fundador do Grupo Consciência Indígena, persuadiu 47 famílias caboclas a proclamar sua ascendência borari. Frei Florêncio ensinou-lhes costumes e coreografias indígenas”, segundo publicado pela revista Veja.

    A matéria destaca, ainda, que o auto-intitulado “cacique” Odair José, de 28 anos, reclamou do fato de VEJA tê-lo visitado sem anúncio prévio. “A gente se prepara para receber a imprensa”, disse. Seu vizinho Graciano Souza Filho afirma que “ele se pinta e se fantasia de índio para enganar os visitantes”. Basílio dos Santos, tio do “cacique”, corrobora essa versão: “Não tem índio aqui. Os bisavôs do índio “pirata” Odair José, na verdade nasceram em Belém”.

    A matéria da revista de circulação nacional destaca, ainda, que os falsos índios boraris querem uma área de 800 quilômetros quadrados para apenas 47 famílias. É bem maior, por exemplo, do que o futuro reservatório da hidrelétrica de Belo Monte, que terá 500 quilômetros quadrados e beneficiará mais de 20 milhões de brasileiros com energia de matriz limpa. O problema é que, se a reserva dos falsos índios, liderados pelo igualmente falso cacique Borari Odair José, for mesmo criada, pode causar a perda do emprego de mais de 800 pessoas, nas empresas instaladas na região.

    1. PUTZ….

      A Revista VEJA….

      Cachoeira, Demóstenes, Marconi Perillo, Policarpo, Civita….

      O crime organizado da mídia.

      Tiberio Alloggio

  • A discussão deve transcender qual a fonte de energia a ser utilizada pois, com certeza, quando o potencial hídrico estiver esgotado, virão argumentos irrefutáveis em favor do “bem estar” dos povos, ainda que todos dele não desfrutem, mas o próprio modelo de “civilização”.

    Os povos tradicionais, nativos e quilombolas residentes na região amazônica não são contemplados com os benefícios da energia ali gerada. Há um vazio energético na região, basta consultar os mapas disponibilizados pela ONS – Operador Nacional do Sistema. Pior que isso, a parca energia disponibilizada tem o maior custo dentre as regiões do Brasil, o que pode ser constatado através do documento “Indicadores de Competitividade na Indústria Brasileira”, emitido pelo CNI – Confederação Nacional da Indústria.
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    Tomando-se como exemplo a usina hidrelétrica de Tucuruí, foram construídos milhares de quilômetros de linhas de transmissão de energia elétrica para conectá-la ao SIN – Sistema Integrado Nacional, mas nenhum para energizar as cidades e comunidades da margem esquerda do Rio Amazonas, a região chamada Calha Norte.
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    A Compensação Financeira, rateada entre os Estados e Municípios afetados na área de produção da energia, corresponde a 6% do faturamento calculado pela TAR – Tarifa Atualizada de Referência, enquanto que os Estados consumidores recebem mais de 30% através do ICMS.
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    Enquanto os povos da Amazônia são taxados de egoístas por sua restrição à construção das usinas, Estados como São Paulo e Paraná se dão ao luxo de rejeitar novos aproveitamentos hidrelétricos nestes Estados baseados nos mesmos argumentos que negam àqueles.
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    Há um preceito financeiro que estabelece que não se pode gastar mais do que se recebe. Isto também deve ser seguido com relação à energia. O modelo desenvolvimentista está baseado puramente no crescimento, não na estabilidade sustentável. Há um limite e, quanto mais cedo a ele nos adaptarmos, se oportunidade ainda houver, menos traumático será.

    1. Concordo! Mas, eu, juntamente com mais 19 milhões de habitantes da Amazônia Legal, também faço parte dos “povos” da floresta, precisamos todos de energia. Se não há outro jeito… Agora, temos que nos guiar por nossas próprias interpretações de fatos, não pela massiva propaganda das ONGs filiadas a tudo o que seja do contra.

      1. Chegamos a um dos pontos importantes da discussão: a quem servirá a energia produzida, não só em Jirau e Santo Antônio, mas também em Monte Belo? Aos mesmos a quem serve a energia de Tucuruí? Não vai mudar nada, aprender é não cometer repetidamente os mesmos erros.
        Ouso propor que, antes de se instalar as redes de transmissão de energia em direção ao Sul e Sudeste, que a façam aqui para a Amazônia; também, que o ICMS seja cobrado no Estado de origem, e não do consumo (observe-se que é assim com os royalties do petróleo); ainda, que fosse estabelecido um zoneamento industrial para a Amazônia, para onde a energia aqui gerada seria dirigida, destinada às indústrias com intenso consumo de energia elétrica; mais, a implantação de instituições de ensino profissional técnico, complementarmente às instituições de ensino superior já existentes, acompanhado de prioridade de contratação de amazônidas para os empregos gerados pelas empresas que aqui se estabelecessem. A energia que sobrasse, se sobrasse, seria direcionada a outras regiões do país.
        Não nos esqueçamos que o consumo puro e simples (a maioria dos produtos “civilizados” são absolutamente dispensáveis, enquanto parte da população não tem o básico indispensável, como já foi dito em outros comentários aqui), num modelo de economia que tem sempre que crescer, nos levará, um dia, às bordas da “placa de Petri”.
        Como disse Daniel Quinn em “Ismael”, a humanidade saltou do décimo andar e, na queda, ao passar pelo primeiro andar diz “até qui tudo bem”.
        Em discussão …

  • PARABENS AO JOÃO RENATO PELA LUCIDEZ DE SEU COMENTÁRIO. PERFEITO, CLARO E INCONTESTÁVEL. O PROGRESSO QUE TODOS NÓS FAZEMOS USO VEM DA PRODUÇÃO DE ENERGIA, O RESTO É “ROMANTISMO BARATO”.

  • Ps: é dito pelas ONGs que há umas 20 mil pessoas na área que será inundadas pela usina de Belo Monte (eu discordo), mas supondo que realmente exista o tal número, não é nada comparado às necessidades de quase 200 milhões de brasileiros que carecem de energia. Quanto aquelas (?) 20 mil pessoas, com certeza não morrerão afogadas pela barragem e terão muito mais benefícios, e imediatos, que as demais.

  • Com todo respeito ao ilustre acadêmico, a romantização da natureza selvagem, intocável, sem aproveitamento de importantes recursos que podem ser colocados a serviço do Homem, é enorme desserviço à Humanidade.
    Todos apreciamos a poesia. Também me atrevo com algumas rimas. Mas em algumas questões, temos que ser pragmáticos, realistas e agir para benefício de todo o povo, mesmo com algum incômodo de alguns.
    Ainda mais que o aproveitamento da energia disponível pode ser realizado sem prejuízo da sustentabilidade e perfeita compensação de transtornos eventuais de pequenas comunidades que serão beneficiadas e compensadas pelas necessárias mudanças.
    A alternativa, se queremos desenvolvimento, seria a proliferação de usinas atômicas, cujos riscos são imensos e os prejuízos seculares, ou termoelétricas, com a geração de micropartículas e gases de efeito estufa.
    Ou então, permaneceremos no presente estado em que a maior parte da Humanidade vive submetida à ignorância, miséria e indignidade.

  • A força da natureza, por ela mesmo, no Japão destruiu muito mais que isso e causou dor, perda e prejuízos incalculáveis . Agora, o homem, que tem que sobreviver, fará uso desta força da natureza para gerar progresso, energia e riquezas. É dito que 400.000 hectares serão inundados, isto corresponde a 400.000 campos de futebol. NUNCA vi ou ouvi alguém reclamando de campos de futebol no mundo; tenho certeza que todo ano alguns milhares são construídos no planeta. Seguindo esta lógica e já que um dia a Terra morrerá quando o Sol apagar ou se sofrer uma nova glaciação ou se for destruída por um asteroide ou se…, de que adianta privar a humanidade do conforto, do aquecimento, dos benefícios da tecnologia… A Amazônia já foi um mar, não haverá problemas grandiosos se um pedaço da área voltar a ser alagada, não mais que 0,012% de TODA. A natureza está mais bem protegida hoje de que 30 anos atrás quando se dizia que no ano 2000 todos teriam que usar máscaras de oxigênio devido à poluição. Para eu publicar este comentário, neste blog, precisei fazer uso da eletricidade que vem das hidrelétricas. Mas, se preferem a nuclear… fazer o que!

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