
Uma representação foi protocolada na Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Alepa (Assembleia Legislativa do Estado do Pará) nesta terça-feira (19) solicitando a averiguação de possíveis violações a direitos de minorias atribuídas ao pastor Océlio Nauar, da igreja evangélica Assembleia de Deus.
O documento é assinado por Edmilson Furtado da Costa. Que pede à CDH que se pronuncie sobre falas de cunho racista e sexista proferidas pelo líder religioso durante um culto em Itaituba, no oeste do Pará, realizado no início deste mês (dia 9).
As declarações investigadas ocorreram em um culto na cidade de Itaituba e foram dirigidas um público feminino, incluindo fiéis, adolescentes e jovens.
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O pastor teria afirmado, conforme o texto da representação: “Digo para os jovens hoje se você vai se casar, escolha com quem você vai casar, se você for escolher uma branquinha vai ter mais despesa, porque é mais cara, escolhe uma morena que é gasta menos, as branquinhas começam a ter um negocinho aqui, tem que comprar mais um creme, mais não sei o que, vai ficando caro, mas o amor é cego…”.
Repercussão nacional
O episódio foi gravado e amplamente divulgado em redes sociais, gerando forte repercussão e, segundo o documento, atingindo a honra e a dignidade de mulheres negras, além de reforçar estereótipos.
Em sua defesa, a equipe do pastor Océlio Nauar alegou que a frase foi “tirada de contexto” e que se referia a um problema de pele de sua esposa, que é branca e teve um tratamento caro. A defesa também afirmou que “um grupo movido por intenções políticas infamou esse corte para prejudicar a boa imagem do pastor”.
A representação entregue à Alepa, no entanto, aponta que, em vez de reconhecer um “ilícito ético”, Océlio Nauar teria alegado “perseguição”, o que é visto como um “mecanismo de vitimização do ofensor e revitimização da comunidade atingida”.
Afronta a tratados internacionais
A representação formalizada perante a Alepa argumenta que a fala proferida reforça estigmas raciais e de gênero, configurando prática discriminatória, e se enquadra no fenômeno do “racismo recreativo e estrutural”, onde preconceitos são naturalizados como “piadas”.
O documento alega que a conduta viola princípios fundamentais da Constituição Federal, como o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), o objetivo de promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e outras discriminações (artigo 3º, IV) e a previsão de punição para discriminações que atentem contra direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, XLI).
Além disso, afrontaria tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ONU, 1965).
A representação cita ainda a decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 82.424/RS (caso Ellwanger), que firmou o entendimento de que a liberdade de expressão não ampara discursos de ódio, racistas ou discriminatórios, mesmo que veiculados sob a forma de piada.
A CDH: histórico
A Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Alepa, que foi instituída em 1985 e teve seu nome alterado para Comissão de Direitos Humanos, Defesa do Consumidor, dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Mulher, da Juventude, da Pessoa Idosa e Minorias em decorrência do novo Regimento Interno da Casa, possui competência regimental e constitucional para apreciar matérias que envolvam violações de direitos fundamentais e denúncias de discriminação racial, étnica e de gênero.
Presidida pelo deputado estadual Carlos Bordalo (PT), a comissão tem como competências “receber, examinar e encaminhar denúncias de violações de direitos humanos a autoridades competentes”, bem como “promover diligências, audiências públicas e acompanhar investigações de interesse da sociedade” e “exercer função fiscalizadora sobre políticas públicas de promoção da igualdade racial, de gênero e de proteção das minorias”.
Audiência pública
O autor da representação solicita à CDH a abertura de um procedimento de averiguação sobre o caso, a realização de uma audiência pública com representantes da sociedade civil, movimentos sociais e o representado.
E mais: a expedição de recomendações aos órgãos competentes (Ministério Público, Defensoria Pública, SEJUDH/PA), o acompanhamento das investigações criminais já instauradas e o encaminhamento de um relatório circunstanciado ao plenário da Alepa e a outros órgãos de direitos humanos.
Paralelamente, o Ministério Público do Pará, por meio da Promotoria de Justiça Criminal de Itaituba, já instaurou um procedimento para apurar as declarações do pastor Océlio Nauar, com os promotores Diego Lima Azevedo e Mayanna Santiago à frente do caso.
A atuação do MPPA fundamenta-se no artigo 127 da Constituição Federal e em instrumentos internacionais como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Ministério Público do Maranhão
Adicionalmente, o pastor Erivaldo Monteiro Marques, de Belém, protocolou em 14 de agosto uma representação ético-disciplinar com pedido de afastamento cautelar do cargo contra Océlio Nauar, argumentando que a conduta se enquadra em atos atentatórios ao decoro ministerial. Uma “notícia-crime” (denúncia) contra o pastor também foi protocolada no Ministério Público do Maranhão, na cidade de Açailândia.
Apesar das investigações e representações, o pastor Océlio Nauar foi ovacionado em 19 de agosto de 2025 na sede da Convenção Interestadual de Ministros e Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Pará (Comieadepa), em Belém.
Ele foi carregado por pastores em sua entrada e aplaudido por um grupo de homens. Océlio Nauar assumiu a presidência da Comieadepa em abril de 2025, sucedendo o pastor Ritter Marques. O mestre em teologia é candidato à reeleição.
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