Elegância do comportamento

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por Helvecio Santos (*)

Há tempos recebi de uma amiga um texto com o título acima. Não lembro do autor, razão de não lhe dar o devido crédito, e não sei se era uma crítica ou um elogio, mas lembro do que se tratava. Em resumo, posso dizer que discorria sobre o que, em priscas eras, chamávamos de cavalheirismo, coisa tão escassa nos dias de hoje.

O texto veio-me à mente a propósito de uma luta, quase inglória, que tenho acompanhado no Blog do Jeso.

São diversos pleitos da lavra do Sr. Antenor Giovannini, com o objetivo de melhorar, mesmo que minimamente, as condições de vida em nossa cidade, e chamou minha atenção a sua desesperada luta com sugestões para disciplinar o trânsito, notadamente no cruzamento da Rua São Sebastião com Travessa dos Mártires, onde, de acordo com sua denúncia, faz falta uma sinaleira, eis que os motoristas, motociclistas e até ciclistas não respeitam a faixa de pedestre e o guarda de trânsito, que ali deveria permanecer, toma “doril” por volta do meio dia.

Assim, os pedestres ficam ao Deus dará, arriscando-se no trânsito em meio aos veículos. Os idosos, coitados, torram ao sol até que uma alma caridosa respeite a faixa e lhes dê condições de cruzar a via.

Imediatamente à denúncia, também no dito Blog, um cidadão “baixa o pau” no Sr. Antenor, dizendo que este prega, mas não faz, eis que se portou inadequadamente com ele em uma situação no trânsito.

O Sr. Antenor prontamente explicou o porquê de sua irritação, reconheceu o erro e, em seguida, pediu desculpas ao motorista autor da reclamação.
Pelo pouco que conheço, não poderia esperar outra coisa que não as desculpas públicas do caríssimo Antenor e, não sei se encaixaria na definição do texto original, mas para mim isso é ELEGÂNCIA DO COMPORTAMENTO o que, penso, vai muito além.

Elegância do comportamento é a elegância natural, sem obrigação de parecer natural. É a elegância gravada no ânimo e que nos acompanha desde o primeiro bom dia até o bocejo solitário que anuncia o fim da jornada e que a cama está logo ali.

Vai além do uso correto do garfo e da faca, aflora nas pessoas que elogiam sem o “no entanto” da crítica covarde e traiçoeira, do risinho escondido de escárnio, inimigo da saudável gargalhada compartilhada.

Está presente naqueles que não usam o colonialismo francês qualificador das pessoas, cuja importância é dada pelo insuportável: “Você é de que família”?

Sobrenome, marcas de grife, perfumes importados, freqüência ao cabeleireiro, nariz empinado não validam a elegância do gesto.

Elegância do comportamento está presente nos que descruzam os braços e fazem para os outros o que querem que lhes façam, no exemplo positivo de ir ao encontro do outro e não no negativista “não faça para os outros o que não queres que lhe façam”. Também está presente nos que oferecem abraços em pencas na chegada e cestos de flores de beijos na despedida.

É elegante quem oferece o lugar na condução, respeita o sinal de trânsito, oferece ajuda aos mais velhos, o ombro amigo aos despossuídos de vista e o braço amigo com seu músculo abarrotado de amizade ao cadeirante, esteja este cansado ou não.

É muito elegante não ter preconceito! Não discriminar é um grande traço de elegância. É deselegante tanto a discriminação explícita quanto a velada. Assim, é deselegante falar em “língua negra” referindo-se às línguas de água podre, tão comuns em frente à nossa cidade. Negro é raça e não cor e a raça negra já nos deu irmãos como José do Patrocínio, Felipe Camarão, Machado de Assis, Martin Luther King, Charlie Parker, Bispo Desmond Tutu, Nelson Mandela, entre outros.

“Humor negro” nem pensar! Também é deselegante dizer que não se deve “judiar”, tanto os animais quanto as pessoas, eis que assim como nós, nem todos os judeus são maus. É muito deselegante o preconceito sexual, eis que as pessoas são fundamentalmente espírito, eterno e ligado à Grande Estrela que nos criou e, creiam, espírito não tem sexo. Espírito se nutre de amor. O corpo, que tem na sexualidade uma opção, nada mais é do que parte da matéria que nos cerca e para ela voltará um dia.

É possível detectar elegância nos que são pontuais, que não esperam platéia para sua chegada, nos que não “furam” compromissos nem filas, nos que ensinam aos filhos que sim é sim e não é não, sem ensiná-los a mentir no “diz que eu não estou”.

Elegante é quem cumpre o que promete, não fala alto e ouve mais a voz da consciência que o “sonzão” em altos brados. É deselegante ser espaçoso demais!

É elegante não jogar lixo na rua, qualquer lixo, aí incluído o “tiro ao alvo” com lata vazia de cerveja da janela do ônibus, do carro ou caminhando. É muito elegante não estacionar o carro sobre a calçada em desrespeito aos pedestres, aos cadeirantes e aos nossos irmãozinhos que ainda usam fraldas e carrinhos movidos a amor.

É muito elegante abrir a porta do carro como no primeiro dia, puxar a cadeira no restaurante, escolher e sugerir o vinho, fazer os pedidos ao garçom, esperar a acompanhante começar a comer e só cruzar os talheres após esta fazê-lo, pagar a conta e contar contos ao por do sol.
E que dizer dos que reconhecem seus erros como fez o caríssimo Antenor? Esse lado gente, como tudo na vida, precisa ser exercitado sob risco de enferrujar.

ELEGÂNCIA DO COMPORTAMENTO, dá pra notar, é algo que não tem nada a ver com modelar-se em academia ou usar roupas de grifes caras, com carros de luxo ou fartas doses de whisky. É, simplesmente, repito, o que antes chamávamos de cavalheirismo, artigo tão escasso por estar fora de moda nos dias de hoje.

Ah! Ia esquecendo, é muito elegante agradecer e, melhor, não paga imposto! Obrigado, caro Antenor!

P.S.: dedico estes escritos à vovó Ana, ao vovô José, à mamãe e ao papai que me ensinaram os primeiros passos nesse exercício diário de ser aprendiz de gente elegante.

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* Santareno, é advogado e economista residente no Rio de Janeiro. Escreve regularmente neste blog.


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7 Responses to Elegância do comportamento

  • Caro Jeso –

    Amigo Helvécio – amigo falando bem de amigo. Agradecemos de coração. O texto é cristalino e reflete o que poderiamos exercer no nosso dia a dia .
    Ás vezes acordamos com o pé esquerdo, porém, não se justificam descarregar em terceiros nossos problemas e anseios, por isso o pedido sincero de desculpas pelo incidente. Realmente o que ocorreu não faz parte do cotidiano e da personalidade.
    Aproveito brilhante texto para reforçar para alguns que nossas criticas expostas em rabiscos pelos blogs, pelos jornais referente aos problemas de nossa cidade, externam nossa vontade que ela seja tal qual outras milhares de municípios e não com problemas tão básicos.
    Alguns sugerem que deixemos a cidade pelo fato dessas críticas. Talvez tenha que expressar de maneira mais veemente que amo Santarém de paixão por receber a mim e outras centenas de forasteiros pelo RG e não pelo CPF de braços e coração aberto. Tenho orgulho de ter feito amigos que se tornaram a família que aqui não tenho já que a mama (ainda viva com 86 anos) meus netos, e meus outros filhos moram distantes. Tenho orgulho de ter encontrado a Dani com a Yasmim e ela ter me dado esse anjo mocorongo e que mora comigo desde o nascimento chamado Giovana. Quero que ela se orgulhe tal qual todos o santarenos para que tenhamos uma cidade mais limpa, mais planejada, mais urbanizada. Apenas isso. Queremos que nossa cidade tenha uma hidroviária onde possa receber e deixar retornar nossos parentes, amigos, fornecedores, enfim pessoas de uma maneira mais digna e humana do que apresentamos hoje numa “coisa” que temos na Praça Tiradentes,onde aqueles trabalhadores braçais se tornam escravos ao terem que andar 100/200mts com pesados fardos para atingirem os barcos ou a orla. Porque isso?
    Uma cidade que possua calçadas onde a acessibilidade seja para todos sem distinção;. Que tenhamos um Código de Postura atuante para impedir que galhos e restos de arvores sejam podados e jogados no meio da rua para que alguém da Prefeitura recolha. Um trânsito mais
    educado com ações efetivas dos responsáveis em atuar para que essa educação exista de verdade. Enfim , caro Jeso e Helvécio, apenas possa agradecer de ter esses amigos e outros tantos que aqui pude fazer, espero que entendam quando existem criticas e acenos para melhoria dessa cidade abençoada por Deus e pelo manto sagrado de Nossa Senhora.

    Forte abraço

    Antenor Pereira Giovannini

  • Travessa dos Mártires. Dos mártires. Mártires do trânsito. Das incompetências. Irresponsabilidades. Da educação. Dos atestados de pobreza: motocicletas.

  • Caro Hélvécio,

    Excelente texto. O que você cita anda tão escasso que nos assustamos quando alguém possui a sensibilidade de expor em um comentário tão elegantemente escrito.
    Que tal comessássemos a exercitar esse comportamento aqui no blog.

    Grande abraço.

  • Namastê, nobre Helvécio. Excelente texto. Se me permites acrescentaria ao texto, como um comportamento deselegante, a falta de cuidado para nossa casa comum, Gaia.
    Abraços azulinos.

  • Prezado Helvécio Santos, gostaria de fazer uma correção, se não estou enganado. O perímetro, que o sr. Antenor se refere, é na avenida Rui Barbosa, esquina com a travessa dos Mártires. A faixa de pedestre em frente a agência do Banco do Brasil. Parabéns pelo artigo.

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