Eu vi: assassinato de Elinaldo Barbosa

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Do jornalista santareno Manuel Dutra, a propósito da nota Há 43 anos, Elinaldo Barbosa era assassinado:

Caro Sidney, cheguei à Prefeitura de Santarém cerca de 20 minutos após o assassinato do prefeito Elinaldo Barbosa. Era um sábado, ali pelas 10 horas da manhã.

Elinaldo Barbosa, ex-prefeito de Santarém
Elinaldo Barbosa, ex-prefeito de Santarém

Eu estava em Santarém depois de trancar minha matrícula na Universidade Católica de Pernambuco, a Unicap, em virtude das ameaças dos militares após a decretação do AI-5. Estava trabalhando como correspondente de O Liberal e também na Rádio Rural.

Quando entrei na antessala do gabinete, o corpo de Elinaldo estava no chão, de peito pra cima, braços abertos, camisa meio desabotoada mostrando o peito perfurado pelas balas. Os tiros deflagrados por Frazão foram dentro do gabinete, atingindo também a parede atrás da mesa usada pelo prefeito.

Mesmo atingido mortalmente, Elinaldo ainda conseguiu forças para levantar e sair do gabinete, indo cair da sala de espera, entre mesas e cadeiras.

Quando cheguei, o Frazão já tinha se refugiado na casa dos padres seculares, na rua ao lado direito da igreja de S. Sebastião. Estava na casa o padre Daniel, que conversava com Frazão sobre a necessidade de negociar com a polícia, do lado de fora, para ele se entregar.

Ocorre que a guarnição da PM, naquele momento, era comandada por um oficial que era amigo de infância de Elinaldo, se não me engano, e estava possesso de ódio. Cerca de 40 minutos a uma hora depois de entrar na casa do padre, ficou acertado que Frazão se entregaria, saindo pela porta que dava para o quintal da casa do sacerdote. Eu estava na frente da casa, que estava cercada. Foi quando todos ouvimos um único disparo, que foi mortal para Frazão. A bala atingiu a região do umbigo, e o corpo dele ficou horas no chão, no quintal do religioso.

Foi um ato de extrema covardia daquele oficial, pois, por intermediação do padre, o oficial da PM tinha aceitado que Frazão iria se entregar. Ele já tinha, inclusive, entregue a arma do crime. Mas, na hora da saída, o oficial sacou a arma e o matou.

O episódio todo deveu-se às mudanças na política local, desde que Elias Pinto tinha sido eleito prefeito e depois retirado do cargo pelos vereadores e por tropa mandada de Belém pelo coronel Alacid Nunes, governador, resultando na morte de outras pessoas e no baleamento do brigadeiro Haroldo Veloso. Frazão era correligionário e amicíssimo de Elias Pinto e tinha sido posto em disponibilidade (uma meia demissão) por Elinaldo, que ocupou a prefeitura em meio a toda a confusão da cassação violenta de Elias.

Como administrador do mercado central da cidade, Frazão se sentia desprestigiado e, naquele sábado, foi ao gabinete ajustar contas com o prefeito Elinaldo, a quem acusava de havê-lo humilhado. Se houve conversa entre ambos dentro do gabinete, ninguém sabe, ou se sabe, até agora não falou. Geralmente aos sábados apenas o prefeito e poucas pessoas iam à prefeitura.

A morte de Elinaldo foi a gota d’água para o município de Santarém ser decretado como área de segurança nacional pelo governo militar, que mandou o capital Elmano de Moura Melo como interventor. Dessa forma, o crime de Frazão não foi um crime comum, mas um crime que se insere naquele quadro de anarquia que tomou conta da política de Santarém desde a eleição de Elias, no ano anterior.

Para se ter uma idéia, após a retirada de Elias Pinto, foram prefeitos, em curto espaço de tempo, os vereadores João Menezes, Oti Santos, Fábio Lima e Elinaldo.

Estas informações eu as tenho de cabeça, não consultei as reportagens que publiquei no Liberal e na Rádio Rural, na época. Se alguém tem informações mais precisas, pode corrigir o que aqui escrevo.


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18 Responses to Eu vi: assassinato de Elinaldo Barbosa

  • Olá Paulo Cidmil! Meu pai, Claudionor Viana David me contou que ele estava despachando com o prefeito Elinaldo, padrinho de minha irmã, na hora do atentado. Tinha 9 anos e lembro do meu pai em casa em estado de choque.

  • Legal gosto de assuntos ligados a histórias de Santarém parabéns aos caros amigos que passamos manter a história de nosso município

  • a nossa cidade tem muitas historias onde deveria ser estuda nas escolas pq so historias do Brasil

  • Valeu Dutra.

    Devo ter faltado em todas as aulas de história de Santarém, não lembro de falarmos da história de Santarém no colégio, faz parte do programa escolar?
    Alguém sabe ou também não lembra?
    Os Milicos protegeram o Raimundo Hércules ou o crime prescreveu na justiça?

    Telma

  • Dutra,

    Já li aqui mesmo no Blog a publicação do Cidmil, pensei em ter a tua visão, como jornalista na época sobre o Ubaldo dentro desse episódio.
    Obrigada,

    Telma

    1. Telma, eu vivia fora de Santarém nessa época e muita coisa não lembro. Presenciei a morte do Elinaldo quase por acaso, porque tinha trancado matrícula na universidade e estava em Santarém dando um tempo para as artimanhas dos milicos daquela época.

  • Dutra, Frazão não foi afastado da administração do mercado por Elinaldo. Seu afastamento se deu por atentar contra a vida de um peixeiro no período anterior. Frazão, por ter proximidade com Elinaldo queria retomar a administração do Mercado, Elinaldo lhe disse que o manteria com os mesmos vencimentos mas que não o nomearia mas como administrador.
    Frazão era um homem comprovadamente desequilibrado mentalmente e foi instigado de forma continua e sistemática contra Elinaldo com o argumento de que Elinaldo o estava humilhando.
    Após o golpe que cassou Elias Pinto a Prefeitura foi ocupada por Gerônimo Diniz (9 meses) e Elinaldo (5 meses e meio). os outros ficaram apenas um breve período de transição.
    O militar que matou Frazão nunca foi amigo de infância de Elinaldo e ainda esta vivo, mora no bairro do Maracanã, talvez vc consiga entrevistá-lo, ele não gosta de abordar esse assunto.
    Esse período 66 a 69 foi determinante na história política de Santarém. Inicia-se com a não aceitação da derrota imposta por Elias Pinto a Ubaldo Correa e oligarquias local e prossegue com uma sucessão de tramas e traições que extrapolam os limites do município e envolvem os caciques do Estado Passarinho e Alacid e os interesses do militares com sua política de integração da Amazônia e perseguição aos que eles chamavam de guerrilheiros.
    Obrigado pela lembrança e por essa foto que nem a familia de Elinaldo tem.

  • Posso estar enganado Dutra, mas o Oti Santos não era dessa época. Acho até que ainda era um adolescente…

    Naquela época o vice-prefeito eleito presidia a Câmara (era Joaquim Martins) e também foi cassado. Assim, a sucessão era feita pelos secretários da mesa. À medida que desistiam da função, um subsequente era nomeado.

    Quem foi prefeito à época em substituição ao Elias Pinto foram os vereadores Jerônimo Diniz, depois Fábio Lima. Ronan Liberal assumiu a presidência da Câmara e por pouco ocupa também essa função. Por último, os vereadores elegeram Elinaldo Barbosa como novo secretário da Câmara, assumindo em seguida o mandato. O vereador João Menezes também figurou na direção da câmara, mas não se se chegou a assumir a prefeitura.

    Minhas lembranças são do meu TCC, sob tua orientação, em que tive contato com os jornais da época (pode ser lido neste link: https://goo.gl/tIH2w.

    Deves ter confundido com a situação em que o Oti foi prefeito “tampinha” de Santarém, em 1984, substituindo Ronan Liberal, até o governador Jader Barbalho nomear o prefeito “tampão”, Adelerme Maués Cavalcante, que ficaria no cargo até a eleição de 1985, quando foi vencedor Ronaldo Campos. Oti nesse momento era presidente da Câmara.

    Com relação à morte de Elinaldo Barbosa, seu sobrinho, o Paulo Cidmil já relatou vários fatos estranhos aqui mesmo no blog. Há uma teoria de conspiração sobre o caso, tentando provar que a morte de Elinaldo tinha exatamente o objetivo de acabar a celeuma sobre a cassação de Elias Pinto, para a imposição de uma área de segurança nacional, com interventor.

    É um fato a ser estudado ainda.

  • Dutra, olá!

    Qual a participação política do Ubaldo Correa nessa história? e você lembra o nome do policial que covardemente assassinou o Frazão?
    O ensino médio em Santarém, explora bem parte da história de Santarém, está no programa de história, alguem sabe?

    Abraços,
    Telma

    1. Não sei se o ensino médio tem algo sobre a história de Santarém.
      Seria interessante saber como as escolas do Município e do Estado estão tratando a história de Santarém. É uma pena que não tenhamos curso de graduação em História em nossas universidades.
      Nem ao menos uma ESPECIALIZAÇÃO em História da Amazônia,,,
      Fica a dica…

      1. Padre Sidney esta enganado, temos cursos de História sim…agora a História de Santarém esta sendo bem mal tratada, pelo fato de até mesmo os patrimônios(casas, palácio,praças,hospitais e outros) estarem sendo destruídos. Patrimônios esses que são a verdadeira História, que seriam repassadas a olhos nus aos nossos filhos, neto. Fiz um trabalho de campo com alguns desses(patrimônios) achei incrível como essa cidade é rica em cultura e arte( residenciais) ainda tem muita coisa a se fazer o que esta faltando é um bom projeto para a exploração de tudo isso.

    2. Telma,

      escreveste “Qual a participação política do Ubaldo Correa nessa história?”

      Eu também me faço a mesma pergunta, depois de ler a carta do Apolinário no blog do Cidmil…

      Na época eu tinha apenas 8 anos, ou pouco mais, mas lembro de tudo como se fosse hoje. Eu morava ao lado da prefeitura.

      Saudaçoes
      RT

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