
* O município é o 1º do Brasil a integrar o programa
por Caetano Scannavino (*)
A partir da parceria de quase 20 anos entre as ONGs brasileira (Projeto Saude e Alegria/PSA) e alemã (Lateinamerika Zentrum/LAZ) surgiu a oportunidade de aproximar o município de Santarém do Programa “50 Cooperações Municipais para o Clima”, entre regiões da Alemanha e do Sul Global (Ásia, África, Oceania e América Latina).
Esse programa foi idealizado durante a XI Conferência Federal dos Municípios e Iniciativas da Alemanha, realizada em 2009 na cidade de Munique. Na ocasião, foi dada a partida para a meta de até 2015 se construir 50 parcerias municipais de longo prazo em prol do clima e do desenvolvimento sustentável, envolvendo cooperações bilaterais entre cidades, províncias e regiões.
Essas parcerias tem como objetivos o intercambio de práticas, estratégias e políticas voltadas para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, a transferência do know-how existente e a geração de conhecimentos adicionais, assim como a mobilização de recursos e o desenvolvimento de ações concretas relacionadas ao tema, de modo a somar esforços no enfrentamento dos desafios decorrentes do aquecimento global.
— ARTIGOS RELACIONADOS
O programa prevê recursos para a realização de eventos (encontros, oficinas, etc), o apoio ao fortalecimento das instancias municipais com o envolvimento da sociedade civil, a capacitação e financiamento para assessorias especializadas, estudos, pesquisas e publicações, abrindo inclusive oportunidades que possam vir a demandar projetos de ação direta nas áreas afins (adequações infraestruturais para grandes enchentes/estiagens, gestão territorial, urbanização, saneamento, energias renováveis, dejetos sólidos, reflorestamento, apoio às comunidades rurais, produção agropecuária, florestal e familiar sustentáveis, etc).
Em 2011, o programa iniciou sua fase piloto com parcerias entre municípios da Alemanha e de Gana, Tanzânia e África do Sul. Desde então, vem ampliando de forma continuada e já conta com 14 parcerias latino-americanas.
As conversações entre os alemães e a Prefeitura de Santarém começaram em agosto, envolvendo a cooperação bilateral com a região de Rhein-Sieg, próxima de Bonn, capital federal. A parceria foi efetivada durante o Workshop Internacional “50 Cooperações Municipais para o Clima / América Latina”, ocorrido na Costa Rica entre os dias 26, 27 e 28 de novembro último.
O evento contou com a presença de representantes alemães e latino-americanos (Prefeituras, Universidades, Instituições Publicas e ONGs), já com a participação de Rhein-Sieg e Santarém através da secretária de Governo, Socorro Pena, da professora Raimunda Monteiro (UFOPA), e das organizações parceiras LAZ (Christina Hoffmann) e PSA (Caetano Scannavino).
Um memorando de entendimento entre as prefeituras já havia sido assinado, e com isto Santarém passou a ser o primeiro município brasileiro a integrar o programa, em uma cooperação que reflete o principio da responsabilidade compartilhada, embora diferenciada, com respeito as especificidades de cada um, abrindo perspectivas para uma aliança contínua e construtiva entre as regiões e respectivos atores da sociedade civil.
Cabe lembrar ainda que, no caso de Santarém, a oportunidade surgiu em um período de mudança de governo. No entanto, os gestores de nossa região demonstraram maturidade ao tratar um tema de tamanha relevância acima dos interesses político-partidários, com o assunto sendo encaminhado durante o processo de transição e o memorando assinado pelos atual e futuro prefeitos de nossa cidade.
A oportunidade está lançada, cabendo a nossa municipalidade aproveitá-la da melhor forma possível, podendo contar desde já com nosso apoio.
Ponto para Santarém!
– – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –
* É coordenador da ONG Projeto Saúde e Alegria, com sede em Santarém.
Pensei em fazer uma reflexao mais detida a respeito deste evento em que participamos na Costa Rica. Mas, com tempo escasso, farei um comentário expandido sobre o que mais me chamou a atenção naquele país. Mais precisamente sobre a idéia de um país ou de um território político assumir um projeto de longo curso com uma elevada cumplicidade de sua sociedade.
A Costa Rica é um pais pequeno, com 51.100 km2, o dobro de Santarém, do tamanho de Altamira e está situado numa região geologicamente instável da América Central, entre o Pacífico e o Caribe. Se limita ao sul com o Panamá e ao Norte com a Nicarágua.
Qual é seu diferencial, em tempos em que se importa tanto com ”quem faz a diferença”? A Costa Rica lidera alguns rankings que se destacam no ideário da sustentabilidade, uma das principais utopias do século XXI. Se desmilitarizou ainda em 1948, manteve sua cobertura vegetal em torno de 50% quando a maioria dos países nesse período passaram pela dinâmica de substituição de suas florestas (no caso deles, também tropical) por plantações em larga escala e por pecuária e se tornou numa potência turística e uma referência nos estudos de sistemas sustentáveis para a agricultura e florestas.
Hoje a Costa Rica figura em 1º lugar o Indice de Desempeho Ambiental, na América Latina e 3º. lugar o mundo; é 1º. lugar a America Latina também, em Liberdade de Imprensa Mundial, Grau de Democracia, Competitividade Turística e Índice de Satisfação de Vida.
A qualidade de vida pode ser medida pelos seguintes índices: taxas de natalidade e de mortalidade, respectivamente, de 18,32%o e 4,36%o. A esperança média de vida é de 77,02 anos(https://voyagesphotosmanu.com/populacao_costa_rica.html). O IDH- Índice do Desenvolvimento Humano do país é dos melhores da América Latina: 0,832, comparado a países de primeiro mundo.
Porém, o mais instigante é o projeto ambicioso de se tornar o primeiro pais a zerar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Ambicioso? Mais: o projeto é atingir essa meta em 2021, quando o país completa duzentos anos de independência da colonização espanhola.
No evento das cidades parceiras para diminuir impactos sobre o clima, a delegação do Rio de Janeiro, liderada pelo Secretário de Meio Ambiente, Nelson Moreira Franco, questionou duramente a meta da Costa Rica, aludindo o fato de que os países detentores de maior desenvolvimento tecnológico talvez não consigam reduzir suas taxas, tomando como exemplo cidades como Londres e Rio de Janeiro. A redução das emissões pelo setor de transporteé a meta mais complicada para todos, seguida da gestão de resíduos sólidos e expansão do uso de energias renováveis.
O representante do Ministério do Meio Ambiente da Costa Rica afirmou que o pais caminha nesta direção há 30 anos, tem 50% de suas florestas conservadas, pagamento de serviços ambientais para que seus agricultores não ampliem suas áreas desmatadas ( a lei brasileira sobre esta medida tramita ha mais de seis anos) e, principalmente, faz um trabalho exemplar de mobilização social em prol da meta nacional.
O Carbono Neutral, a identidade pública da sua meta, é um instrumento poderoso de conscientização e engajamento socialem torno do qual, governo e sociedade utilizam métricas para calcular emissões desde atividades industriais, da administração pública, dos serviços, até dos lares. Na Costa Rica, a unidade mínimana escala de planejamento da redução de emissões de GEEs são os lares.
Conselhos Municipais e regionais ramificam a política nacional e se combinam em ações mitigatórias e de adaptação que envolve desde o monitoramento do clima (sujeito a terremotos todos os dias, erupções vulcânicas, inundações, entre outros contratempos),a certificação das empresas do setor industrial e de serviços até a certificação das propriedades rurais e dos lares.
A delegação brasileira de Santarém ficou um pouco desconfortável com os termos como a delegação do Rio de Janeiro manifestou seu ceticismo quanto a capacidade do país alcançar a meta de Carbono Neutral em apenas nove anos. Tendo transitado pelo interior do país por uns 250 Km de San Jose, a capital, nos sentidos Leste e Norte, pudemos ver na paisagem, no comportamento das pessoas e no esforço das empresas, que o Projeto carbono Neutral da Costa Rica está incorporado na sociedade.
Os sinais são claros na concepção paisagística das propriedades rurais, todas ajardinadas, separadas por cercas vivas e tutoradas por árvores, ao lado de extensos canaviais ecafezais, vários módulos de plantios de plantas ornamentais, cercas formadas por papoulas – sob a neblina e o vento, as cores de alguns desses plantios me lembraram quadros de Van Gogh e de Gauguin. Este último inspirou sua obra que deu um toque de luz à pintura européia no final do século XIX, quando esteve no pais vizinho, o Panamá.
Consciente de seu capital natural, a Costa Rica estruturou um projeto de desenvolvimento em torno de serviços: serviços ambientais e de turismo por onde se alinha a sua economia, com a cumplicidade e engajamento de sua sociedade. Desta forma,na minha busca ingênua, paciente e esperançosa de buscar referências para o futuro de regiões tropicais como a nossa, vi na estratégia costariquenha um caso que merece nossa atenção.
Santarém e os demais municípios do Oeste do Pará , nesses confins de uma Amazônia – vista como patrimônio mundial pelo senso comum das pessoas fora do Brasil e como a eterna despensa onde se busca recursos naturais para suprir a demanda energética da elevação do PIB nacional – pode se planejar e ter um projeto de longo curso também. Um projeto centrado no seu capital natural, sobre o qual possa exercer alguma governança sobre os usos e exercer protagonismo e relevância como economia forjada nas condições locais e no desenvolvimento nacional.
Nós também podemos ousar aprimorar nossa região um jardim para receber adequadamente nossos visitantes e ao mesmo tempo, ganhar dinheiro com o uso inteligente do nosso patrimônio natural. É isso que voltei pensando da Costa Rica.