Viagens à minha varanda

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por Célio Simões (*)

Consolidou-se um costume de quem mora em Belém que tende a se tornar irreversível. Não há feriado “imprensado”, feriadão, Semana Santa, semana da pátria, carnaval, final de ano ou folga de qualquer outro tipo que não provoque verdadeiro êxodo para os balneários ou cidades praianas, perto ou a média distância de Belém.

Nas férias escolares de dezembro e janeiro, é difícil resistir aos apelos das crianças pelo contato com a natureza. Em julho então nem se fala. Tudo em nome da badalação, do banho nas praias, da descontração, da fuga da rotina que nos impõe o dia a dia de uma cidade grande.

A capital paraense não dispõe de praias. No máximo de orlas, que se consagram à medida que se tornam janelas para o Rio Guamá ou a Baía de Guajará que a banham com suas águas agitadas e barrentas. O sucesso da Estação das Docas, uma espécie melhorada de Porto Madero de Buenos Ayres, deve-se em grande parte ao binômio beleza e conforto. Os espaços são amplos, os restaurantes são excelentes e para o turista, a vista é espetacular.

Independente de poder aquisitivo, a turma se vira como pode. A uma hora de viagem de carro, estão os recantos mágicos das ilhas de Outeiro e Mosqueiro, infelizmente relegadas a segundo plano pela administração municipal. Mosqueiro já foi, no passado, reduto das famílias tradicionais e abastadas, privilégio de poucos que chegavam no navio “Presidente Vargas” para a delícia do banho em suas águas tépidas. Com a construção da ponte e as linhas regulares de ônibus, a coisa desandou.

No entorno de Belém existem 39 ilhas paradisíacas, a maioria só acessível de barco, sendo Cajutuba e Cotijuba as mais conhecidas. Nelas, tudo convida à paz e faz lembrar a modorrenta vida nas pequenas cidades do interior.

A chamada “região do Salgado”, que constitui o litoral paraense que vai até o município de Viseu, nos limites com o Maranhão, chega-se depois de uma viagem de três horas por rodovia federal e estadual. Suas praias são todas banhadas pelo Atlântico, a começar por Ajuruteua, em Bragança, até as do Atalaia, Maçarico, Corvinas e da Marieta, na bela Salinópolis, que todos preferem chamar de Salinas.

Salinas dista de Belém 220 km. É o que há de melhor, noves fora as praias do Curumú em Óbidos e a de Alter do Chão em Santarém, esta última duas vezes arrolada entre as dez mais belas praias de água doce do mundo, pelo respeitado periódico inglês The Guardian. Com Alter do Chão nada se compara. É o caribe brasileiro. Simplesmente linda. Pena que de Belém para lá só de avião, passagem cara, quase uma hora de voo.

O jeito é ir em busca de outros paraísos. E Salinas é o meu predileto. De julho ao início de dezembro, o verão chega com força trazendo um vento furioso e muito sol; a cidade vira uma festa de cores, de sons, de sabores. Tem para todos os gostos. Restaurantes que servem iguarias de dar água na boca. Camarão rosa, caranguejo, filhotes, pescadas, ciobas, corvinas, enchovas nada falta para o deleite gastronômico dos veranistas. Amigos por toda parte. E à noite, na orla do Maçarico, a lua vem conversar intimamente com a gente, ofuscando os olhos dos batedores de papo reunidos nas cadeiras de praia ao longo do calçadão. E haja vento assanhando a verde peruca dos coqueiros.

Já no segundo dia, se você não se protegeu dos raios solares, não tem escapatória. A pele escarlate acusa os efeitos do sol, o ardume ameaça não deixar você dormir. Quando é assim, nem faço questão de ir à praia no dia seguinte. Mesmo porque, ainda que não queira, lá vivo em permanente contato com ela.

Por pura sorte, bem atrás do prédio onde fica meu apartamento, dele separado apenas por uma nesga de vegetação de mangue, corre o mágico Rio Arapepó, e entre este e o infindável oceano Atlântico, uma extensão de praia com rarefeitas casas, que me faz lembrar a Ponta Negra santarena que ao maestro Isoca tanto inspirou, aonde vêm exibir-se garças, guarás, nuvens de maçaricos, paturis dando voos rasantes, rápidas lanchas, endiabradas motonáuticas e pescadores em suas ubás de olho no alimento da família.

A esse quadro privilegiado e deslumbrante, pintado pela mão divina, na enchente ou na vazante, do rio tenho pleno acesso visual com um simples passeio pela minha varanda, a melhor viagem que faço quando não quero ou não posso ir às praias. Basta ficar por lá, balançando numa rede curtida, lutando para que o vento não me arrebate das mãos o inseparável livro cuja leitura me transporta devagar até o merecido cochilo, sono leve dos justos que me faz flutuar nas asas do acalanto.

Dizem que alegria de pobre dura pouco. Começo a dar razão para quem pensa assim, pois neste ano aconteceu o imponderável. O Síndico inventou de dar uma repaginada em todo o prédio, prevista para acabar somente em junho de 2013. Lá se foi o meu verão. Essa não! Pensei em reclamar no Ibama, no Procon, na Prefeitura; ameacei até escrever uma carta para o Ministro Joaquim Barbosa. O homem é fogo! Não transige com ninguém, é correto, inflexível, não tolera injustiças. Tenho certeza que ficaria solidário comigo. Mas passado o ímpeto, acabei desistindo. Seu tempo está todo comprometido com o mensalão.

E tome vinte parcelas de taxa extra além da taxa condominial. Afora a garfada no orçamento, a iniciativa me obstou por completo de desfrutar as delícias salinenses em sua melhor época, os meses de setembro e outubro, pois não há herói que aguente a poeira em suspensão, o barulho e a bagunça que a tal reforma está impondo aos raros condôminos que se submetem àquela autêntica tortura.

Conformado, esperarei o próximo ano, lembrando aqui de bem longe a maravilha que estou momentaneamente perdendo. Não tenho espírito vingativo. Guardar ressentimentos é como tomar veneno, esperando que o outro morra. Mas a minha involuntária desforra já se consolidou. Candidato a vereador nas eleições municipais, o tal síndico teve somente 52 votos e não ficou nem na quinta suplência.

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* É membro da Academia Paraense de Jornalismo. Reside em Belém e escreve regularmente neste blog.


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Advogado e escritor, nasceu em Óbidos. É membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas e do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Reside em Belém e escreve regularmente neste blog.

4 Responses to Viagens à minha varanda

  • MORAR EM BELÉM É UM PRESENTE DE DEUS !!!!!! MUITO OBRIGADO SENHOR PELA OPORTUNIDADE DE SER PARAENSE !!!!

  • Parabéns pelo texto, como belenense, não há como não lembrar da minha infância e adolescência, de como o verão era esperado e eu ficava feliz de estar na multidão, quanto mais pessoas, melhor..

    Incrível como mudamos com a maturidade…rsrs hoje, gosto de ir para Belém em julho e de ficar em Belém, aproveitando tudo q a capital pode oferecer, sem a loucura do trânsito, das filas ou da violência pois, quase todos estão nas praias, pq p elas, certeza q so irei fora de época….rsrs

    Embora vc não tenha citado, Algodoal é uma das praias mais lindas q já fui. Por fim, acredito q cada praia é singular em sua beleza e, em termos de Pará, somos felizes por termos belíssimas praias de mar e de rio.
    Att.

    Heliana Aguiar

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