O luto das mulheres: um corpo, um alvo, o medo. Por Luanna Silva

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O luto das mulheres: um corpo, um alvo, o medo Por Luanna Silva
Julieta Hernández, um mulher, um corpo, um alvo, o medo. Foto: Reprodução

Quando vi Julieta e sua bicicleta, eu também era ela. Pensei no que levaria na minha própria viagem e por onde iria. Ela fez com que uma aventura daquela de repente também fosse uma possibilidade. Abriu as portas do meu pensamento e da minha vontade, eu também me senti capaz e um pouco dona daquele feito. Eu era ela!

Rodar um país todo em uma jornada particular de cultura, amor e cuidado, pedalando em sua bike: Eis ali na minha frente um retrato inspirador, um feito pra ficar na história, eu comecei a me sentir capaz e instigada a fazer o que eu quisesse. Na sua escolha sobre uma vida sob sua bicicleta, eu me senti contemplada e livre pra criar e viver.

Alguns dias depois, senti muito medo, e eu também era ela. Senti o mundo violento e a injustiça que a levou. Toda mulher sabe o que ela passou, também foi com a gente. Naquela rede, um homem não viu a Julieta e sua história, viu apenas uma mulher.

Uma mulher, um alvo, um corpo que existia para cuidar dele e satisfazê-lo. Um corpo com um nome. Um corpo sem valor, que ele poderia atravessar sem temer. Era uma mulher, um corpo. O nome dela era Julieta, mas poderia ser Luanna, Bruna, Daniela. Uma mulher, um corpo.

A morte de Julieta nos escancarou a posição de vulnerabilidade que por vezes esquecemos que estamos. Em teoria, nos víamos mais fortes, seguras, protegidas. Mas a realidade caiu como uma pedra em nosso colo, nos mostrando que ainda não é possível nos sentir assim.

Assim como através dela sentimos a arte, o amor, a dedicação, força e superação, também sentimos o medo. Toda mulher sabe que medo é esse, assim como a solidão daquele momento. Sabemos o que é temer pela própria vida sem ter feito nada, sabemos como é a sensação de estar nas mãos de alguém, ainda que não se tenha chegado nem perto de passar por isso. Sabemos que poderia ser qualquer uma de nós.

Na última sexta-feira nos reunimos em nome dela e em nosso nome também, porque morremos todas naquele dia.

É muito fácil se transportar para o momento de sua morte e isso é o que mais nos aterroriza e fragiliza. No dia de sua chegada em casa, com sua família, mesmo sem estar junto, saberíamos como é, finalmente estar em segurança. Só que agora só sabemos a sensação de não estar mais aqui.

Luanna Silva

Mora em Santarém, onde se fez e concluiu o curso superior em Psicologia. Escreve regularmente no JC. Ela pode ser encontrada no…

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