Elegia para Alfonso Jimenez

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* Cultura santarena no Theatro da Paz e em Porto Alegre

por Vicente Malheiros (*)

Os fotógrafos santarenos, nascidos aqui ou não – como Apolônio Fona, Bernardo Keuffer, Vidal Bemerguy, Alfonso Jimenez e outros – tiveram participação destacada na vida cultural de nossa cidade e para além dos limites do Estado, conforme revelam os registros que deixaram para a história e para a sociedade. São imagens que a memória deve conservar e preservar.

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Depois do extraordinário sucesso da “Semana de Santarém” no Theatro da Paz, em Belém, a convite do maestro Waldemar Henrique, em 1972, um grupo de artistas santarenos se apresentou em Porto Alegre (1973), a convite da VARIG, e em Santarém para o presidente da República Emílio Garrastazu Médici, no Hotel Tropical (1974).

Em todas essas ocasiões, a participação do fotógrafo Alfonso Jimenez – peruano de nascimento, mas santareno de coração e tradição – foi sempre destacada e importante. Ele era discreto, alegre, bom papo e eficiente.

A “Semana de Santarém” se realizou no Theatro da Paz, sob os auspícios do Governo do Estado do Pará (Fernando Guilhon) e da Universidade Federal do Pará, em outubro de 1972. Participei ativamente como compositor, cantor, violonista e pianista.

O evento, que contou com a presença de três dezenas de artistas santarenos (amostras de cerâmica tapajoara, artesanato, pintura, poesia, fotografias e música), foi encerrado com um concerto da Orquestra e do Madrigal da Universidade Federal do Pará, que interpretaram diversas composições de Wilson Fonseca (a Abertura Sinfônica “Centenário de Santarém”, o canto amazônico “Quando canta o uirapuru” – letra de Emir Bemerguy – e o canto triunfal “Be-lém Belém”, cuja letra é do próprio Isoca, em parceria com seus filhos José Wilson e Vicente) e, ainda, a peça “Acalanto”, de minha autoria, com arranjo orquestral de Wilson Fonseca.

Sobre a “Semana de Santarém”, há importante registro, inclusive com as programações respectivas e o noticiário da imprensa, no livro Meu Baú Mocorongo (p. 339-357, volume 1), de Wilson Fonseca, impresso por RR Donnelley Moore (SP) e editado pelo Governo do Estado do Pará (Secretaria Especial de Promoção Social, Secretaria Executiva de Cultura e Secretaria Executiva de Educação), parte do Projeto Nossos Autores, coordenado pelo Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares (SIEBE), lançado em Santarém (PA), em 17.11.2006.

Em homenagem a Alfonso Jimenez, vou procurar reproduzir trechos do que escrevi, em outra ocasião, sobre alguns fatos curiosos de nossa viagem e apresentação na capital gaúcha, na década de 70 do século passado, quando foi exibida uma amostragem da arte e da cultura de Santarém (músicas, poesias e fotografias).

Um grupo de artistas santarenos – Wilson Fonseca (maestro, compositor, poeta e pianista), Emir Bemerguy (poeta), Edenmar da Costa Machado (Machadinho, cantor e violonista), Antônio Waughan (cantor), Vicente Fonseca (compositor e pianista), Laudelino Silva (compositor e cavaquinista), Moacir Santos (compositor e violonista) e Alfonso Gimenez (fotógrafo) – foi convidado especial da VARIG para participar de uma programação de arte levada a efeito em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no dia 8 de dezembro de 1973, por ocasião da 30ª Assembléia Geral Ordinária do Colégio “Rubem Berta”.

No regresso, ao transitar por Belém, Wilson Fonseca concedeu entrevista no jornal “O Liberal”, publicada em sua edição de 19 de dezembro de 1973. Fonte: Wilson Fonseca, Meu Baú Mocorongo, 6º volume, p. 1.439 e 1.521.

Em abril de 1973, eu ingressava na magistratura trabalhista, como Suplente de Juiz Presidente da Junta de Conciliação e Julgamento de Santarém (atual Vara do Trabalho). Tinha apenas 25 anos de idade. Portanto, era o mais jovem da turma.
Naquele ano foi inaugurado o Hotel Tropical de Santarém, administrado pelo Grupo VARIG. Na inauguração do requintado hotel, houve apresentação de músicas santarenas. Realmente, um sucesso.

Imediatamente, a VARIG formulou um convite para um concerto de músicas santarenas, poesias e apresentação de fotografias e slides em Porto Alegre, sede da empresa.

E lá fomos nós para as terras gaúchas.

Viajamos de Santarém para Porto Alegre, com escalas em Belém e pernoite no Rio de Janeiro, com todas as despesas pagas pela VARIG.

No embarque em Santarém, houve logo um problema com o violonista Moacir Santos, pois ele não dispunha de qualquer documento. Na condição de magistrado, fui obrigado a interferir e me responsabilizar pelo seu embarque.

Mas outros fatos curiosos aconteceram ainda naquela viagem.

Quando viajávamos de Belém para o Rio de Janeiro, o Laudelino Silva “confundiu” a toalhinha úmida, distribuída pelas comissárias para limpar as mãos e o rosto, e, pensando que se tratava de “tapioquinha”, lascou uma mordida para “provar” um pedaço do apetitoso “alimento”… Foi uma gozação geral.

Ao chegarmos no aeroporto “Santos Dumont”, no Rio de Janeiro, para pernoitar, o Laudelino apanhou uma mala, imaginando que fosse sua. Então, apareceu um “gringo” tentando explicar-lhe que a mala não era do Laudelino, mas do gringo. Instalou-se uma breve discussão. O Laudelino falava que “esses gringos vêm para o Brasil para roubar a gente” etc. (é claro que o “gringo” não entendia patavina). Afinal, verificou-se, com a ajuda de funcionários do aeroporto, que a mala era realmente do “gringo” e não do Laudelino. Bastou conferir a papeleta de despacho de bagagem… Daí em diante, a turma passou a chamar o Laudelino de “ladrão de mala”… (de brincadeira, claro). Mas ele pegava “corda”.

Saindo do aeroporto, deveríamos ir para dois hotéis. No primeiro grupo, o catarinense Laudelino – que logo avisou que conhecia o Rio de Janeiro – fez sinal para apanhar um táxi. Entrou no veículo e deu o lugar de destino: “Hotel Santos Dumont”. Acontece que o hotel ficava logo do outro lado da praça, em frente ao aeroporto. Portanto, a “bandeirada” do táxi nem chegaria a mexer… O motorista quase expulsou os mocorongos do veículo e sugeriu que eles carregassem as malas e fossem a pé para o hotel ali pertinho… O impasse terminou com um acordo entre os passageiros e o motorista sobre o preço da corrida…

Outro grupo foi para o Hotel Glória, no Rio. E ali tivemos a grata surpresa da visita do meu primo Miguel Augusto Fonseca de Campos, que morava na capital carioca. Ele, então, nos levou (Isoca, Emir, Moacir e eu) para passear na “Cidade Maravilhosa”, naquela noite.

Fomos ao Corcovado. Mas aí houve um impasse. O Moacir sofre de “vertigem das alturas”, de modo que ele não conseguia subir as escadas, quando chegamos próximo ao Cristo Redentor. Ficava muito tonto. Moacir tinha vindo lá de Santarém, numa longa viagem, mas – depois de subir o morro, no bondinho terrestre – ficou com medo de subir as escadas para poder ver mais de perto a famosa imagem do Cristo Redentor. Ele quase vomitou e não tinha onde esconder a cabeça de tanta tontura. Parecia uma avestruz ou, quem sabe, mais um “mocorongo” (no sentido pejorativo)… Esse gênio do violão foi ao Rio e ficou no meio do caminho para chegar perto do Redentor.

No embarque do Rio de Janeiro para Porto Alegre, mais um problema. Não queriam deixar o Moacir seguir viagem, pois, como disse, ele não tinha qualquer documento. Não adiantava falar que ele tinha embarcado em Santarém. Aí eu tive que, mais vez, interferir, como magistrado, para me responsabilizar por ele. Só que dessa vez, houve um atraso de mais de uma hora. E quando o nosso grupo entrou no avião, fomos vaiados pelos passageiros que estavam dentro da aeronave todo aquele tempo, aguardando o embarque do Moacir… E era um vôo internacional, pois a aeronave seguiria depois para Buenos Ayres. Que vexame…

Enfim, chegamos a Porto Alegre.

O concerto dos artistas de Santarém foi um sucesso. Até o Isoca e o Emir cantaram. Eu creio que tenho uma foto que retrata este momento. A casa estava lotada e a platéia nos aplaudiu demoradamente. Houve também uma apresentação de duas mocinhas, que dançaram e cantaram músicas típicas do folclore gaúcho. Elas aparecem numa das fotos, com o grupo de santarenos, o dirigente da VARIG e sua esposa.

No final do concerto, a platéia pediu que apresentássemos músicas de carimbó. O Antônio Waughan (acostumado a cantar em conjuntos de baile) não se fez de rogado. Eu fui para o piano, o Machadinho e o Moacir, no violão, o Laudelino no cavaquinho, e os outros na percussão improvisada ou ajudando no canto. O concerto virou uma festa. Todos dançaram empolgados com o ritmo contagiante do carimbó paraense.

Era 8 de dezembro, dia da Festa de N. S. da Conceição, Padroeira de Santarém e também de Porto Alegre.

Foi realmente um momento de glória para a música santarena, brilhando no extremo sul do país.

Poucos dias depois, na passagem de ano 1973/1974, eu sofri uma parada cardíaca em pleno Réveillon, no Centro Recreativo, em Santarém. Fui salvo pelo médico Dr. Góes, já falecido.

Em fevereiro de 1974, já recuperado do problema de saúde, participei das apresentações musicais (seresta tipicamente santarena, piano e coral), no Hotel Tropical, em Santarém, em homenagem ao Presidente da República, General Emílio Garrastazu Médici, que veio a nossa cidade para a inauguração do novo Porto Fluvial da Pérola do Tapajós, com a presença do Governador do Estado do Pará (Fernando Guilhon) e do Prefeito Municipal de Santarém (Oswaldo Aliverti) – que se tornaram grandes amigos de Isoca – e outras autoridades. Confira no “Meu Baú Mocorongo”, inclusive com ilustrações fotográficas (1º Volume, páginas 127/137).

O tio Dororó (Wilde Fonseca) não foi a Porto Alegre, embora tenha participado das homenagens ao Presidente da República, no início de 1974, no Hotel Tropical.

Uma fotografia é o registro de um breve momento. Um instantâneo. Mas é o retrato de um segundo que se eterniza, de uma pessoa humana, em carne, osso e alma, que construiu a vida da família e da sociedade, que realizou obras – às vezes invisíveis aos olhos de alguns – e que idealizou projetos e sonhos, com a experiência do passado, no seu tempo presente e para o tempo futuro.

O retrato de nossas vidas são as obras que, a cada dia, construímos no tempo ontem, no tempo hoje e no tempo amanhã. Isso é a história. Isso é a vida. Isso é o tempo. O tempo e a foto revelados pela máquina de Alfonso Jimenez, na trajetória de ontem, de hoje e para sempre. Na galeria da eternidade. História e cultura santarena. Que ele continua fotografando, em preto e branco, no colorido do infinito. Como no Rio Grande, em porto alegre. Como no Theatro. Em paz.

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* Santareno, é magistrado, professor e compositor. Reside em Belém.


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6 Responses to Elegia para Alfonso Jimenez

  • Bonito texto com lindas lembranças do meu padrinho Laudelino.
    Quanto ao Alfonso, lembro que quando nos encontrávamos e parávamos para conversar ele se despedia assim: “Vamos a tabarro poderozito”… Vou sentir saudade dele.
    Agora a pergunta que não quer calar: E o acervo fotográfico do “Poderoso”, vai ficar com quem? O ICBS seria o caminho natural.

    1. Primeiramente..Obrigada Jeso, por esta homenagem ao nosso amado Pai.

      E qto a pergunta que “não quer calar” ..exponho em primeira mão, que tal acervo já se encontra devidamente embalado e este será levado a São Paulo [fato que já estava em andamento antes de sua partida] a especialistas em digitalização fotográfica, onde cada negativo será devidamente tratado, reenviado, datado cronologicamente e assim então, receber os MERECIDOS CRÉDITOS que em mtos trabalhos nunca vi meu pai receber.. Nós, filhas e companheira de nosso pai.. em oportuno tempo, de forma bem direcionada e analisada.. levaremos em exposição um dos melhores trabalhos fotográficos q Santarém já terá visto.. Especulações a parte.. peço, em nome da família..que este seja um momento de reflexão.. tanto qto a questoes sociais, no caso da DENGUE como em relação a assuntos particulares..bem como, o qto a vida é efêmera..e só depois q partimos que percebem o nosso real valor.. Meu pai não nos deixou riqueza material.. porem, nos deixou o que olhos nenhum viram..a não ser os dele..atraves de uma simples lente fotográfica..
      Em nome de toda família.. Rosy Jimenez e Irmãs

      1. À família,minhas condolências. Ao senhor Afonso, q descanse em paz. Sempre o admirei muito, meus pais só tiravam fotos com ele, nem pensar outro fotógrafo, e portanto cresci o admirando de longe…e de longe percebia a falta de “méritos” a seu trabalho e o sacrifício de sua vida…como o fazem atualmente também com Laurimar Leal,que foi internado com urgência esta semana no Hospital Público e já está em casa sem assistência nenhuma…E de novo, de longe, seu Afonso morto, fico vendo toda essa rasgação de seda(sem deméritos). Pq não o fizeram quando vivo?…Santarém tem dessas…è Professora Helena, Laurimar Leal,entre outros,q muito fizeram pela cidade…ficam à míngua,às vezes até passando necessidades,mas só se tornam visíveis quando morrem. Pena!

  • Meu caro Vicente: creio que, no primeiro parágrafo, você quis se referia ao Apolônio Fona (e não Apolinário). Sei disso porque minha sogra é filha dele. No mais, é sempre um prazer ler suas crônicas.

    1. Prezado Ismaelino:
      Tens razão. Realmente cometi um equívoco de digitação. Trata-se de APOLÔNIO, e não de Apolinário.
      Obrigado pela oportuna corrigenda.
      Bem que o Jeso poderia logo CORRIGIR (olá, Jeso!…).
      Bom domingo.
      Abraços,
      Vicente.

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