por Orivaldo Fonseca (*)
Partindo do fim: fecha-se a cortina, apagam-se as luzes, mas a plateia, incrédula de que o espetáculo tenha acabado, continua esperançosa de um bis. Mas o artista já se fora, e, aos poucos, dispersa-se o público. “E a vida o que é? Diga lá, meu irmão”.
A vida é este espetáculo em que, todos os dias, bilhões de artistas anônimos mostram sua arte e ensinam que o mundo ainda é um bom lugar para se viver. A vida é esse show em que, todos os dias, milhões de protagonistas dizem sua última fala, cantam sua última ária, tocam seu último solo. A vida é esse palco onde, mais cedo ou mais tarde, um ídolo nosso nos deixa no escuro, sem rumo, sem saída… sem bis.
Partindo do fim, quero lhes apresentar um homem pela sua saída dos palcos. Ele não estampará manchetes de noticiários, não provocará comoção de milhões de admiradores, não motivará criação de aplicativos em iPhones, iPads, iPorranenhuma. Com vocês, então, um artista que soube fazer da vida um eterno espetáculo de otimismo, humor e generosidade.
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Edmundo Nascimento, o Seu Edmundo (não adianta procurar no Google, sua arte era para poucos), foi um desses brasileiros que percorreram o caminho que o Brasil lhe deu, como a água que vai rasgando o chão até encontrar um lugar onde se possa acalmar.
Saiu de sua cearense Monsenhor Tabosa, rasgando chão até o planalto central brasileiro, da secura nordestina para a secura de Brasília e, daí, para a secura úmida do oeste paraense em Itaituba… o faroeste itaitubense. Sem lei, sem água, sem eletricidade.
Se era sem lei, pouco importava; Edmundo nunca andou à margem dela. Quanto a não ter água nem eletricidade, resolveu tirar leite das pedras. Montou uma fábrica de gelo como a mostrar que, se falta, você cria. E tudo numa serenidade que parecia um deboche aos problemas, que não eram poucos.
E tudo com um humor cáustico e inteligente muito próprio dos cearenses. E tudo com uma dignidade que me faz verter esta saudade e este desapontamento por não ter aproveitado como deveria a sua companhia amável. Mas a vida tem ciclos, e, sem saber, o artista estava fechando o seu.
De volta a Brasília para festejar os cem anos do pai, com a maioria das pessoas queridas por perto, em um encontro que jamais houvera, Edmundo não se dava conta de que pisava seu último palco, e a plateia não imaginava que seria o último número. Como o personagem da canção Assentamento, de Chico Buarque, que diz “Zanza daqui, zanza pra acolá, fim de feira, periferia afora. A cidade não mora mais em mim. Francisco, Serafim, vamos embora”, Edmundo queria voltar para a Itaituba que o acolheu e que ele acolheu tão bem.
“Mas a vida o que é? Diga lá, meu irmão”. Os planos da vida eram outros, e não há ensaio para a cena final. Quinta-feira, 3 de novembro de 2011, último dia de espetáculo, ainda cabia uma fala cômica como a mitigar a tragédia. O artista jazia em um leito de hospital quando grita um “Ai, meu Deus!”. A filha que o acompanhava no momento acorre para saber o que se passava. Ele: “Nada, não, só estou testando a voz”.
Horas depois, da voz pouco se ouvia. Cumprimentou cada um que lhe assistia e fechou-se em sim. Silêncio! Ele voltará! É só mais uma peça! Silêncio! Fecha-se a cortina, apagam-se as luzes, mas a plateia, incrédula de que o espetáculo tenha acabado, continua esperançosa de um bis. Silêncio!
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É poeta, cantor e compositor, paraense de Belém, controlador de voo e parceiro musical do santareno Zé Maria Pinto. Escreve regularmente neste blog.
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Ficha limpa, mãos limpas e câncer.
Outra bela matéria….parabens!
Obrigado pela publicação, meu amigo Jeso.