Em diversas ocasiões, li reportagens e assisti documentários que retratavam a brilhante carreira do violonista Sebastião Tapajós, reconhecido no Brasil e em vários países do mundo.
Como passei parte da minha infância e juventude na cidade de Alenquer, ouvi muitas histórias sobre a naturalidade do Sebastião. Em minhas pesquisas sobre a história da cidade, encontrei uma reportagem escrita por Aldo Arrais em que ele jura e “prova”, com relatos registrados em cartório, que Sebastião Tapajós nasceu em Alenquer, na Fazenda Primavera, região de várzea.
Em todas as biografias e reportagens que li e assisti, sempre foi informado que Sebastião Tapajós é natural de Santarém e grande orgulho da cidade. De fato, isso me intrigava e até entristecia. Afinal, Sebastião Tapajós renegava suas origens ximangas ou era mais um capricho de Santarém querer dar-lhe cidadania?
Cheguei a escrever um artigo criticando a postura do músico Sebastião Pena Marcião que havia escolhido a palavra Tapajós como sobrenome artístico, fato que na realidade foi uma dona de Cartório que oficializou esta honraria, dando o nome Sebastião Tapajós Pena Macião.
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Como pesquisador da história de Alenquer, esperava um dia ter a oportunidade de confrontá-lo, de perguntar se ele havia realmente nascido em Santarém ou Alenquer, até que um dia essa oportunidade chegou.
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O encontro só foi possível por intermédio do professor Jackson Rêgo Matos, então presidente do Instituto Sebastião Tapajós (IST) e meu confrade no Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTap). Em uma das reuniões do nosso instituto, em 2018, comentei com ele meu desejo de conhecer o famoso músico, ele então me garantiu que assim que fosse possível me levaria até o Sebastião.
Um domingo de manhã, eu estava em Santarém quando o telefone celular tocou. Era o Jackson. Perguntou se eu tinha algum compromisso para o horário da tarde, respondi que não. Foi então que veio o convite: “Hoje à tarde vamos na casa do Sebastião Tapajós”.
No horário combinado, nas proximidades do bosque municipal, lá estava eu esperando a carona. O professor Jackson chegou em seu carro e partimos rumo a casa do Sebastião. No trajeto conversamos sobre vários assuntos, algumas piadas e coisas engraçadas.
Chegamos a praia de Pajuçara, adentramos em um portão e estacionamos o carro no amplo terreno da propriedade, ao fundo uma bela residência de alvenaria com varandas e uma vista privilegiada do rio, onde se via a ponta da praia de Arariá e, por entre as árvores, o infinito do Tapajós, uma piscina natural de 23 km de largura, como disse-nos Sebastião Tapajós.
Quando nos aproximamos da residência, o Sebastião Tapajós veio nos receber logo na porta, em tom descontraído e com ar de riso o professor Jackson foi logo avisando:
– Eu trouxe esse caboclo de Alenquer que veio te entrevistar. Ele quer esclarecer uma polêmica. Tu nasceste em Alenquer ou dentro de um barco a caminho de Santarém?
Sebastião olhou para mim, olhou para o Jackson e não respondeu. Ficou em silêncio e nos convidou para entrar.
Logo percebi que os dois eram amigos o suficiente para tirarem brincadeiras, mas senti que o tema era um pouco incômodo. Entramos na residência e fomos acomodados em belas poltronas confortáveis, localizadas em uma ampla sala, cujas paredes estavam repletas de cartazes, discos e fotos que contavam a carreira do ilustre morador do local.
Sebastião pegou um violão e engatou uma conversa com o Jackson, eu apenas observava, entre um papo e outro uma canção era apresentada, conversaram sobre música, sobre o instituto e muitos outros projetos.
Algum tempo depois, Tânia Macião, esposa do Sebastião, chamou-nos para um lanche. Nos deslocamos da sala até a cozinha e sentamos em volta da mesa farta, com muitas opções para um lanche da tarde. Enquanto lanchávamos, Sebastião se dirigiu a mim, perguntou quem eu era, o que fazia da vida.
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Respondi que era professor, residia em Alenquer e tinha um jornal sobre a história da cidade. Aproveitei e perguntei sobre a família dele, falou que seus pais eram de Alenquer e que um irmão, Mina Marcião, ainda residia na cidade.
Perguntei por que ele não tinha uma ligação maior com Alenquer, ao que a esposa dele respondeu de forma ríspida: “Alenquer não gosta do Sebastião Tapajós”. Nesse momento dei o assunto por encerrado.
Retornamos para a sala e a conversa entre Sebastião e Jackson foi retomada. Depois o Jackson fez questão de dizer que havia me levado lá para atender um desejo meu de conhecer o músico. Foi então que recebi um pouco mais de atenção. Sebastião levantou-se e mostrou-me alguns de seus discos, cartazes de apresentações na Alemanha, no Japão e em diversas partes do mundo.
Percebi que o clima era favorável e lancei a bendita pergunta: “Mas o senhor nasceu na fazenda dos seus pais, em Alenquer, ou no barco a caminha de Santarém?” com voz baixa e muito sereno, ele respondeu:
– Olha, eu nasci no rio Surubiú, dentro de um barco. Minha mãe sentiu as dores do parto e decidiu ter o filho em Santarém, mas eu nasci antes que ela chegasse ao destino, alguns dias depois meu pai me registrou em um cartório de Santarém.
Decidi insistir mais um pouco e provoquei: “Mas há relatos que essa história do parto no rio foi criada para justificar sua naturalidade santarena e que na verdade o senhor nasceu em Alenquer”.
Então ele respondeu:
– A história do parto dentro do barco foi contada para mim por minha mãe, será que alguém pode saber mais do ela sobre o assunto?
Nesse momento eu realmente considerei a pendenga encerrada, conversamos ainda sobre outras coisas e percebi que não havia razão alguma em insistir ou exigir que Sebastião Tapajós reconhecesse ou assumisse sua naturalidade ximanga.
Foi em Santarém que ele cresceu e teve as primeiras oportunidades no ramo musical, foi Santarém que sempre o valorizou como músico de sucesso, foi Santarém que sempre fez questão de gritar ao quatro cantos “Sebastião Tapajós é nosso patrimônio”.
E foi assim que conheci pessoalmente o famoso músico. Entendi sua trajetória artística e compreendi a razão do sobrenome adotivo Tapajós, que o fez amazônida e universal, mas com raízes fincada nas profundezas do rio, que certamente lhe deu o dom da viagem musical, junto ao seu violão.
** Com contribuições de Jackson Rêgo Matos – ALAS/IHAGTap/IST
— * Wildson Queiroz é pedagogo, historiador e exerce atualmente o cargo de secretário municipal de Cultura de Alenquer. Escreve regularmente neste blog.
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Conclusão: o famoso Sebastião Tapajós, poderia muito bem ser Sebastião Surubiú.