Que ninguém goste mais de Santarém do que Emir

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por Everaldo Martins Filho (*)

O pescador aguarda pacientemente o peixe. Que a linha trisque, morda o anzol; a presa, a colheita. O poeta procura a palavra. Que se traduza, ilustre, descreva. Amiúde, uma letra.

O pescador tem a nobreza. E uma maleta de instrumentos de pescaria. E de alimentos para isca. Esses falsos, às vezes plásticos, outras metálicos. Ou verdadeiros, como minhoca, massa de pão em bolotas. Carne crua, farofa. Para enganar quem beliscar.

O poeta é amigo do livro e estuda a literatura, a língua. Fruta, galho, folha brasileira; de raiz portuguesa, a árvore. Tem a gramática na prateleira e o dicionário na algibeira. Mas é imenso o poeta, de delicadeza. É sensível, uma realeza. Porque torna terno e eterno a singeleza, o que nem se percebe logo que é belo.

Escreveu no jornal, em O Liberal, anos e anos, coluna dominical. Colaborador. O pescador tem o mar ou o lago, o rio e seu braço, e o infinito garimpo de águas e artes, coisas e louças. Antes do tucunaré, da piracaia. Assar peixe na praia, pescar.

O poeta tem a mãe, dona Didó, e o pai, Seu Vidal. Tem irmãos e irmãs. Tem a sua amada Berenice, odontologista, como ele. E os filhos, as filhas, e as queridas que lhe e os adotaram, como filhas, afilhadas, sobrinhas, amigas que uma vez vieram passar férias e ficaram.

O dr Emir e a Dra Beré. Tem ainda a pena, o poeta, um caderno, a máquina datilográfica. Ou quem sabe um notebook até. Mas gosta também do violão, de suas rimas, sua composição. Uma letra, quantas músicas?

Muitas. Quando lhe vem a inspiração, que não para. Porque amor, amizade, paixão, romance, opinião, não acaba.  Curiosidade, conhecimento, ciência, aventura na infância, na juventude, não falta.

Salve Maestro Isoca, Dororó, Miguel Campos e Dom Tiago! Salve a fé do dr Emir, dentista, poeta e pescador, além de seresteiro, contador de causos, sempre de bom humor. Na hora de partir, acho que volta pra sua Belterra de criança, de Bemerguy, a família, a seringa, o Aramanaí. Da estrada oito, da vila mensalista, dos norte-americanos, da torcida pro ABC ou pro União, antigos times de Belterra, do coração. Como o São Francisco, de Santarém, pra quem fez o hino azulino, o Leão.

Lá vai o poeta. Guarda-chuva na mão, por prevenção. Mais fácil sandália alpargatas do que sapato. Camisa pra fora, nada de cinto não. E se pudesse, ao invés de calça, short ou calção. Sai da Floriano Peixoto, endereço de décadas, caminha pra esquerda. Direto pra igreja. Vai rezar na missa, dar a comunhão, na Matriz. Ouvir sermão.
É um homem feliz.

Ou pega à direita, sobe a serra da fortaleza, desce. E atravessa a praça do Barão e de São Sebastião. Vai pegar avium com o tio Lili. Em frente da casa dos pais, na rua do Imperador, no tempo da cheia.

Com um puçá, vai pescar. Depois embarca na montaria, na catraia. Pega o remo. É piloto, o pescador. E trovador, o remador. Navega o poeta. Canoa à vela, no rumo do céu. De Nossa Senhora da Conceição, de Jesus, do Pai. Porque se o mano Emir não estiver no paraíso, diz Ércio Bemerguy (diz isso ou quase isso) estamos todos os humanos fritos. O poeta pescou a eternidade. Paz, enfim. Adeus!

E não se esqueça de dizer o recado, ministro da palavra e da eucaristia. Dos seus, pra Deus. ELE vai ouvi-lo.

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* Santareno, é médico, cantor e compositor. É secretário municipal na gestão da prefeita Maria do Carmo, sua irmã.


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15 Responses to Que ninguém goste mais de Santarém do que Emir

  • Parabéns ao Everaldinho,

    O texto revela toda uma sensibilidade com o nosso saudoso Professor Emir! E é puro deleite!

  • Me surpreendeu o belo texto (poema em prosa), escrito pelo Everaldo. Momento de lucidez, de poesia, de rara beleza, constratam com a imagem de homem sisudo, que se criou. O belo texto, traz a discrição de um poeta, que acreditava nomque fazia, que amou santarem como ninguem, que fez desta terra, sua terra de seus cantos e versos. O que surpreende é ver a beleza das palavras do Everaldo, dignas de louvor. Mas o texto fala muito bem do poeta, descreve-o com uma genialidade brilhante.

  • Romeiro a cidade perde um carrasco, retoma seu poeta e ganha o Romeiro da Discódia. Na poesia e para o Emir Bermeguy não tsm espaço para a crueldade. Procure outro momento.
    Aprenda ninguem é totalmente mau, a sua postura e de alguns agora revela que vocês não são totalmente do bem.

    Everaldo, muito nobre seu texto e sua atitude. É só isso que cabe agoa.

  • Mano Everaldinho,

    Seu texto sobre o poeta, de quem fui aluno no Dom Amando, também me tocou, profundamente. Dentro da noite veloz de Floripa-Ilha, na ilharga do Natal, a densidade de seu poema em prosa em homenagem ao doutor Emir Bemerguy cala fundo n’alma primitiva… É um desses textos que precisamos guardar na memória – e reler de vem em quando só para se comover, simples assim.

    Um beijo imenso no teu coração, meu amigo de tantas serestas, inúmeras canções, inesquecíveis momentos e boa prosa (pão e poesia, tipicamente mocorongos).

    Com todo meu afeto e admiração,

    Samuca

  • Parabéns Everaldinho.
    Homenagem justa neste Natal ao pai de nosso colega Emirzinho.
    Há muito tempo não falo com vocês: Do Carmo, Lito, Emilia. Um abraço à todos.
    J.

  • Fui o portador desse belo texto, que nos emocionou à todos, criado e enviado pelo Everaldo, por mensagem de celular, de Brasilia, no dia seguinte da morte do poeta. Reforço aqui as palavras de minha irmã Lila, multiplicando os agradecimentos por todo apoio dado à nossa mãe, pela prefeita Maria do Carmo e pelo Everaldo. Que Nossa Senhora da Conceição possa abençoar e retribuir em bênçãos e graças.

  • Parabéns Everaldo! Li sentimento via arte poética. Emir sempre lutou por seus conceitos. Ele fugia da mentira. Fazia o que expressava. Como poucos, a verdade dele era a pura verdade…

  • Que bom q está terminando o ano. ASSIM Santarém ganha mais um poeta e se livra de um carrasco. porque deixar a cidade acabada e suja abandonada como o poderoso secretario Everaldo esta deixando não parece amor pela terra querida. Assim terá mais tempo pra escrever mais pois parece ter talento pra escrita o que não posso dizer o mesmo pra areas do governo em que manda o poderoso Dr. porque deixar de pagar a coleta de lixo, deixar de recapear a Tome de Souza, não concluir a Mendonça e nem a Marechal como dizia nas placas me parece uma trapalhada muito grande.
    Como diria a tirinha de humor sobre o mundo cruel, quando chegar a hora de deixar o governo diria: já vai tarde!

    1. Quando chegar a hora do Dr. Everaldo “deixar o governo”…, ele poderá olhar para trás e pensar: NÓS encurtamos os caminhos da cidade, hoje se pode atravessa-la de ponta à ponta no asfalto por ruas nunca antes transitáveis, NÓS demos praças para o povo sentar e ter seu lazer, NÓS demos dignidade à educação, NÓS levamos cidadania aqueles que não a tinham; apesar de ter faltado, apenas, mais qualidade e acabamento (concordo contigo). E olha que eu não sou fã do PT e votei em outro partido nessas últimas eleições. Valeu prefeita Maria Do Carmo!

  • Everaldo,

    Em nome da minha mãe e de meus irmãos, agradecemos as (belas)palavras e todo o apoio dado quando da morte do poeta. Nas suas palavras, nos versos dele, no coração da gente, ele permanecerá. Um abraço

  • Caro Everaldinho,

    Bravíssimo!

    Você descreveu o Emir com perfeição.

    Emir é parceiro musical de três gerações da família Fonseca, desde meu avô José Agostinho da Fonseca (1886-1945).

    Wilson Fonseca – Maestro Isoca (1912-2002) escreveu mais de cem obras musicais com letras dele, inclusive inúmeros hinos, canções etc. É dele a letra do poema sinfônico “América 500 anos” (último movimento), executado, em meados deste ano, pela Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, sob a regência de José Agostinho da Fonseca Júnior, meu sobrinho, em Belém (Theatro da Paz) e em Santarém (Igreja do Santíssimo). Em breve, será publicado o CD com essa e outras músicas de Isoca, ainda em comemoração ao centenário de nascimento do mais assíduo parceiro musical de Emir.

    Com textos poéticos do grande poeta Emir eu compus 15 músicas, inclusive a marcha-rancho “Praça da Matriz” (que ganhou uma placa na própria Praça, por iniciativa das Faculdades Integradas do Tapajós – FIT) e a canção “Saudade Perfumada” (que eu subintitulei de “Elegia à Telminha”), que inspirou o nome do recente e excelente blog do Emir Bemerguy Filho, na Internet.

    Veja as nossas parcerias musicais com Emir:

    1. “Queixumes do Fim” (samba lento)
    2. “Missa Popular” (7 partes)
    3. “Hino do Coral de Santarém” (música: Vicente Fonseca e Wilson Fonseca)
    4. “Praça da Matriz” (marcha-rancho)
    5. “Jóia de Deus” (samba lento)
    6. “Lenda da Vitória-Régia” (canção – samba)
    7. “Hino das Olimpíadas do Colégio ‘Dom Amando’”
    8. “Lenda da Mãe D’Água” (toada moderna – samba lento)
    9. “Eliane (II)” (valsa)
    10. “Tempos de Criança” (samba-enredo)
    11. “Hino ao Centenário do Theatro da Paz”
    12. “Saudade Perfumada” (Elegia para Telminha) – canção
    13. “Quinze Anos” (valsa)
    14. “Hino da Academia de Letras e Artes de Santarém” (letra: Vicente Fonseca e Emir Bemerguy. Música: Vicente Fonseca)
    15. “Cidadela de Bravos” (hino-marcha)

    Salve o grande Emir, poeta-pescador, pescador-poeta!

    Recado ao Emirzinho: eu guardo, nas minhas relíquias, um “bilhete” do próprio punho do teu pai Emir fazendo comentários extraordinariamente bem humorados sobre as nossas parcerias musicais… Se desejares, posso te enviar, por e-mail esse material. Do “velho” Isoca, tenho diversas correspondências do próprio punho. Isso é história!…

    Abraço,

    Vicente Malheiros da Fonseca.

  • É uma pena Everaldo, que vc não não tenha aprendido os maiores exemplos do Poeta, a humildade e a preocupação com o bem estar dos seus semelhantes.

  • Everaldo parabéns, em poucas palavras você descreveu o inesquecível poeta, compositor e um cidadão maravilhado com sua terra querida.

  • Brilhante,EVERALDO! Quando deixar a casinha rosada, na Mendonça, venha nos deleitar com suas poesias ,músicas e textos bem elaborados, tem cacoete para tal.

  • Caro Everaldinho,
    Muito obrigado por este belo artigo sobre o mano Emir que, esteja certo, gostava muito de você, de seus saudosos pais – Everaldo e Selma -, de seu irmão Carlos; de suas irmãs Maria e Emilia, enfim, de todos os membros da sua querida e honrada família. Albanira e eu, bem como os nossos filhos, ficamos emocionados ao lermos o que você escreveu. Receba um forte abraço e votos de que o Natal seja pra você pleno de alegria e, em 2013, a felicidade seja constante. ERCIO BEMERGUY

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