O Brasil para se tornar a nova Roma de Darcy Ribeiro precisa derrubar o PL das terras raras. Por Marlon Kauã Cardoso

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O Brasil para se tornar a nova Roma de Darcy Ribeiro precisa derrubar o PL das terras raras. Por Marlon Kauã Cardoso

Darcy Ribeiro, em seu livro O povo Brasileiro, defende a vocação do Brasil para se tornar a mais nova potência da economia mundial, isto é, uma nova Roma.

O deputado federal Glauber Braga (PSOL), nos alertou, no dia 18 de setembro de 2025, em suas redes sociais para, após a votação da PEC da Blindagem e da pauta da anistia aos golpistas do 08 de janeiro, a tentativa do Congresso em passar o PL (Projeto de Lei) 2780/2024 – na seção do dia 17 de setembro de 2025 – um conjunto de normas que estimulam financeiramente, com isenções fiscais e tributais, a exploração, por parte do capital estrangeiro, as terras raras brasileiras.

Trata-se, em essência, da entrega de nossas riquezas nacionais ao imperialismo estadunidense de modo a aprofundar as dinâmicas de acumulação do capitalismo dependente.

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Como lembrado por Caio Prado Júnior (1), a essência da formação histórica da economia brasileira é constituída por uma economia de exportação. Em um primeiro momento, o açúcar e o tabaco; depois o algodão e o ouro, e, em seguida o café, foram as principais mercadorias exportadas, do período colonial ao século XX.

Assim, o Brasil e suas bases materiais, pela sua herança colonial, pode ser interpretados à luz da metáfora sociológica do “proletariado externo”, de Darcy Ribeiro, que enfatiza o caráter histórico-estrutural da economia de exportação do país vis-à-vis o mercado mundial: “Tais bases se definiram com claridade com a implantação dos primeiros engenhos açucareiros que, vinculado  os antigos núcleos extrativistas ao mercado  mundial, viabilizavam sua existência na condição socioeconômica de um ‘proletariado externo’, estruturado como uma colônia mercantil-escravista da metrópole portuguesa” (2).

O Brasil, como grande parte dos países latino-americanos, é um país especializado na exportação de commodities, isto é, mercadorias em estado bruto sem refino industrial interno.

Como observado em meados do século XX, pela CEPAL (3), essa condição de dependência acaba, por outro lado, produzindo o subdesenvolvimento através da deterioração dos termos de troca – exportar não manufaturados e importar manufaturados – que reflete-se na balança comercial como troca desigual entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos: “O equilíbrio entre oferta e procura dos produtos coloniais obtinha-se , do lado desta última, quando se atingia a saturação do mercado, e do lado da oferta quando se ocupavam todos os fatores de produção – mão-de-obra e terras – disponíveis para produzir o artigo em questão.

Em tais condições era inevitável que os produtos coloniais apresentassem uma tendência, a longo prazo, à baixa de seus preços”(4).

Obviamente, contudo, que a deterioração dos termos de troca é apenas um sintoma aparente da relação de dependência do Brasil à economia mundo que só podem ser explicados quando se leva em consideração o trabalho como fonte de valor e a relação dialética entre subdesenvolvimento e desenvolvimento – observação presente apenas na teoria da dependência marxista: “Por dependência nos referimos a uma situação na qual a economia de certos países é condicionada pelo desenvolvimento e pela expansão de outra economia à qual está subordinada. A relação de independência entre duas ou mais economias, e entre estas e o comércio internacional, assume a forma de dependência quando alguns países (os dominantes) pode se expandir e ser auto-sustentáveis, quanto outros (depedentes) só podem fazê-lo como um reflexo daquela expansão, o que pode ser um efeito positivo e negativo sobre seu desenvolvimento imediato” (5).

Do ângulo da técnica, com efeito, na realidade latino-americana predomina uma forma histórica de indústria dependente.

Trata-se de uma industrialização realizada e determinada pelo capitalismo dependente em simbiose com o capitalismo mundial: “Portanto, embora todo o processo de modernização do setor exportador e dos setores complementares a este se realize em função dos interesses hegemônicos da metrópole capitalista e dos setores oligárquicos minerador, latifundiário e comercial exportador […], a estrutura interna adquire um relativo dinamismo próprio, resultante do desenvolvimentismo da indústria e que funciona segundo leis específicas do novo modelo de capitalismo dependente” (6).

Como colocado pela teoria da dependência, a industrialização latino-americana, na cadeia global de valor, é responsável apenas pelas etapas inferiores, ao passo que a industrialização nos países do centro do capitalismo mundial é avançada e responsável pelos processos finais de produção da mercadoria: “A industrialização latino-americana corresponde assim a uma nova divisão internacional do trabalho, em cujo marco são transferidas para os países dependentes etapas inferiores da produção industrial (observe-se que a siderurgia, que corresponde a um sinal distintivo da economia industrial clássica, generalizou-se a tal ponto que os países como Brasil já exportam aço), sendo reservadas para os centros imperialistas as etapas mais avançadas (como a produção de computadores e a indústria eletrônica pesada em geral, a exploração de novas fontes de energia, como a de origem nuclear etc.) e o monopólio da tecnologia” (7).

Assim, a industrialização no Brasil, como em grande parte da América Latina, é apenas uma maneira de modernizar a economia de exportação.

É o caso da mineração no país, que, à exemplo da Amazônia, exporta minério bruto (commodities) para serem processados na China, na União Europeia e nos Estados Unidos (8): “Salientamos que a característica mais marcante do Brasil no comércio internacional é a sua condição de exportador de commodities minerais, principalmente de bens primários, e sua relativa dependência de importação de bens minerais manufaturados” (9).

Nesse sentido, o Brasil, no capitalismo mundial, configura-se como mero exportador de minerais críticos para serem industrializados nos países do centro da divisão internacional do trabalho.

Atualmente, a produção beneficiada de Lítio no Brasil está localizada em Minas Gerais sendo realizado pelas seguintes empresas: “Companhia Brasileira de Lítio (CBL): (1991) Vale do Jequitinhonha: Araçuaí/MG e Itinga/MG. Produção de concentrado de espodumênio e produção de carbonato de lítio grau bateria/grau técnico e hidróxido de lìtio grau técnico. Parte da produção de concentrados da CBL se destina à venda direta (mercado doméstico e exportação), e parte é enviada à planta de produção de compostos químicos da própria empresa, em Divisa Alegre/MG. AMG BRASIL S.A: (2018) Nazareno-MG. Produção de concentrado de espodumênio. Sigma Mineração S.A (Araçuaí/MG) registrou sua primeira produção BRUTA (apenas Run of Mine da frente de lavra) em dezembro de 2022. O ‘start’ da planta de beneficiamento de concentrados de lítio ocorreu no segundo trimestre/2023” (10).

Por outro lado, empresas de capital estrangeiro aumentaram seus interesses pelas terras raras brasileiras, sendo que algumas já estão na fase de pesquisa mineral, são elas: “Spark Energy (aquisição da Talisma Venture partners – Projeto Pão de Açucar/MG e Ursa Menor/CE). Solis (projeto Jaguar e Borborema). Atlas Lithium (antiga BMIX – Projeto Minas Gerais). Lithium Ionic/MG Lit (Projeto Salinas – Neolit Minerals e Projeto Itinga). Xplore (projeto Energia/MG e Paraíba/PB). Gold Mountain (JV com Mars Mines – Projeto Salinas 3). Latin Resources (Projeto Colina). Oceana Lithium (Solonópole/CE). St Antony (JV com Foxfire). Deep Rock Minerals (Esperança Lithium, BHBC EXPLORAÇÃO MINERAL LTDA. e RTB GEOLOGIA E MINERAÇÃO LTDA). Sie Metals (50% da Foxfire). Vatic Resources” (11).

Dessa forma, o PL 2780/2024, de autoria do deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG), busca, sobretudo, entregar as reservas contendo minerais críticos às empresas do capital estrangeiro, especialmente às norte americanas, o que acabará aprofundando a dependência técnica do país.

O lítio, da mesma forma que outros minerais críticos, é motivo de disputas pelo seu uso, enquanto matéria prima, para a fabricação de chips, atualmente sob o controle dos Estados Unidos, essenciais na transição para a energia elétrica.

O PL 2780/2024, é, dessa maneira, uma tentativa política de flexibilizar as normas legais para a extração do lítio em solo nacional, atendendo aos interesses do capitalismo mundial.

Em seu art. 16, o projeto de lei isenta essas empresas do imposto de renda os royalties pago ao exterior: “Não incidirá o imposto de renda na fonte sobre os rendimentos pagos ou creditados a empresa domiciliada no exterior, pela contraprestação pelo uso de marca, patente ou licença de tecnologia ou processo empregado na transformação, no todo ou em parte, de minerais críticos ou minerais estratégicos no Brasil” (12).

No art. 17, o PL estimula o financiamento às pesquisas das minerados estrangeiras: “A Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 27. O gozo dos benefícios fiscais e da subvenção de que tratam os arts. 17 a 21 desta Lei fica é também aplicável às pessoas jurídicas que desenvolvam de projetos de pesquisa, lavra ou transformação de minerais críticos ou de minerais estratégicos’” (13).

O art. 18, do PL, coloca a mineração em um programa para a suspensão de Pis e Cofins: “O Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura – Reidi passa a ser aplicado ao setor mineral para fins de estímulo à lavra e transformação de minerais críticos e minerais estratégicos, bem como da cadeia de produção relacionada à transformação dos minerais críticos e minerais estratégicos, conforme regulamento. Parágrafo único. A Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, passará a vigorar com a seguinte alteração: ‘Art. 2º É beneficiária do Reidi a pessoa jurídica que tenha projeto aprovado para implantação de obras de infraestrutura nos setores de transportes, portos, energia, saneamento básico, irrigação, lavra e transformação de minerais críticos e minerais estratégicos, e respectiva cadeia de produção relacionada à transformação dos minerais críticos e minerais estratégicos’” (14).

O art. 19, por sua vez, cria um regime especial de importação e exportação, estimulando a importação de minérios manufaturados e a exportação de minérios brutos: “Fica instituído o regime aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa, lavra e transformação de minerais críticos e minerais estratégicos, e respectiva cadeia de produção, nos termos de regulamento” (15).

Dessa forma, o PL 2780/2024, ao flexibilizar as normas jurídicas para a extração de terras raras em detrimento dos interesses do imperialismo estadunidense, impede que o Brasil obtenha, para o seu desenvolvimento nacional, “rendas tecnológicas”, para usar uma categoria do marxista Ernest Mandel. Estas rendas tecnológicas passam a ser concentradas e centralizadas, na forma de capital, em países como China, EUA e os países membros da União Europeia: “no contexto do da história do capitalismo, a força decisiva por detrás da redução do tempo de rotação do capital fixo é incontestavelmente o fato de que a fonte principal de superlucros reside agora nas ‘rendas tecnológicas’ ou no diferencial da produtividade entre firmas e ramos da indústria. A busca sistemática e contínua de inovações tecnológicas e dos superlucros correspondentes torna-se o padrão característico das empresas do capitalismo tardio” (16).

No mais, o PL 2780/2024, é uma proposta contrária ao desenvolvimento do país e alinhada a interesses, internos e externos, do capitalismo que buscam manter a economia brasileira em situação de dependência técnica e subdesenvolvimento, reeditando, do ponto de vista histórico, o colonialismo: “A industrialização dos povos novos e dos povos-testemunho, realizando-se sob essas condições de constrição interna e de espoliação externa, processou-se deformada e incapaz de gerar os efeitos renovadores que operou em outros contextos” (17).   

Portanto o Brasil, se quiser realizar o projeto de Darcy – o de ser uma nova Roma – deve garantir a soberania não só das leis, mas sobretudo econômica e tecnológica: “Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso autossustentado” (18).

Notas

1 – PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 23.

2 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Global, 2015. p. 57.

3 Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas.

4 FURTADO, Celso. A formação econômica do Brasil. São Paulo: biblioteca nacional, 1987.

5 SANTOS, Theotonio. A estrutura da dependência. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v. 1, n. 30, 2011. p. 1-2.

6 BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. ed. 2. Florianópolis: Insular, 2013. p. 74.

7 MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência, 1973. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (Org). Ruy Mauro Marini: dialética da dependência e outros escritos. ed. 2. Expressão Popular, 2022. p. 208-209.

8 CARDOSO, Marlon Kauã Silva; RIBEIRO, Tânia Guimarães. DINAMISMOS ECONÔMICOS E ECONOMIA-MUNDO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O EXTRATIVISMO DE LONGA DURAÇÃO NA AMAZÔNIA. In: Telma Amaral Gonçalves; Carlos Potiara Castro; Daniela Ribeiro de Oliveira; Tânia Guimarães Ribeiro. (Org.). Perspectivas Socioantropológicas sobre a Amazônia. ed. 1. Belém: NAEA, 2024, v. 1, p. 271-309.

9 CASTRO, Fernando Ferreira de; PEITER, Carlos Cesar; GÓES, Geraldo Sandoval. Minerais estratégicos e críticos: uma visão internacional e da política mineral brasileira. 2022. p. 11.

10 AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO. Caracterização da indústria extrativa do lítio no Brasil. IV SEMINÁRIO SOBRE LÍTIO-BRASIL: Desafios para o Desenvolvimento da Cadeia do Lítio no País / CETEM / MCTI. Rio de Janeiro: ANM, 2024.  p. 11.

11 AGÊNCIA NACIONAL DE MINERAÇÃO. Caracterização da indústria extrativa do lítio no Brasil. IV SEMINÁRIO SOBRE LÍTIO-BRASIL: Desafios para o Desenvolvimento da Cadeia do Lítio no País / CETEM / MCTI. Rio de Janeiro: ANM, 2024. p. 8

12 PROJETO DE LEI Nº 2780, DE 2024 (Do Sr. ZÉ SILVA) Institui a Política Nacional de Minerais

Críticos e Estratégicos (PNMCE), o Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos (CMCE), vinculado ao Conselho Nacional de Política Mineral, e dá outras providências. p. 6.

13 PROJETO DE LEI Nº 2780, DE 2024 (Do Sr. ZÉ SILVA) Institui a Política Nacional de Minerais

Críticos e Estratégicos (PNMCE), o Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos (CMCE), vinculado ao Conselho Nacional de Política Mineral, e dá outras providências. p. 6.

14 PROJETO DE LEI Nº 2780, DE 2024 (Do Sr. ZÉ SILVA) Institui a Política Nacional de Minerais

Críticos e Estratégicos (PNMCE), o Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos (CMCE), vinculado ao Conselho Nacional de Política Mineral, e dá outras providências. p. 6.

15 PROJETO DE LEI Nº 2780, DE 2024 (Do Sr. ZÉ SILVA) Institui a Política Nacional de Minerais

Críticos e Estratégicos (PNMCE), o Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos (CMCE), vinculado ao Conselho Nacional de Política Mineral, e dá outras providências. p. 6-7.

16 MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 157.

17 RIBEIRO, Darcy. As américas e a civilização: processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. ed. 7; São Paulo: Global Editora, 2021. p. 500-501.

18 RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Global, 2015. p. 332.


Marlon Kauã Silva Cardoso é sociólogo. Com formação em Ciências Sociais (UEPA), fez mestrado em Sociologia (UFPA/PPGSA) e, atualmente, é doutorando em Sociologia (UFPA/PPGSA).

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