
Muitos são os relatos de situações recentes envolvendo os bebês reborn nas últimas semanas, como o de uma advogada que negou um caso em Goiânia (GO) de um casal que queria disputar na justiça a guarda de uma dessas bonecas. A advogada passou a considerar como “causa ilegítima”.
Esse e outros ocorridos tornaram-se alvos de diversos posicionamentos contra a forma de como as pessoas, principalmente as mulheres, passaram a cuidar de bebês reborn, que nos últimos tempos se tornaram febre nas redes sociais. Cuidar das bonecas como se fossem crianças de verdade, desde alimentá-las, colocar fraudas nelas ou até passear em vias públicas, é julgado negativamente de forma massiva por muitos internautas.
A cantora Zizi Possi, que numa entrevista disse que “bebê reborn não é um bebê, é um boneco”; a atriz Samara Felippo, que, reprovando a situação, afirmou publicamente: “Me cancelem e depois já pra terapia!”; e o crítico musical Régis Tadeu, que afirmou: “Transformaram carência em produtos” são algumas personalidades com os seus posicionamentos.
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Mas afinal de contas, por que essa polêmica toda? O que é uma boneca reborn?
De acordo com a revista Exame, esse tipo de boneca teria surgido após a Segunda Guerra Mundial, como forma de reinventar brinquedos para levar esperança às crianças. Daí o nome “reborn”, termo em inglês que significa “renascido”. São bonecas artesanais trabalhadas minuciosamente e compradas por colecionadores que usam como obras de arte.
O aperfeiçoamento delas teria ocorrido a partir da década de 1990, nos Estados Unidos. Feitas de silicone ou vinil, essas bonecas possuem traços hiper-realistas, idênticas a um bebê de verdade, tendo inclusive cabelos verdadeiros implantados na cabeça, e que cada boneca pode ter valores de R$ 200,00 a incríveis R$ 13 mil, dependendo do modelo e de como foi fabricado.
Possuem o peso equivalente a de uma criança, dependendo do tamanho, contendo detalhes como cílios, veias, unhas e marcas de nascença. O comprador pode fazer pedido por encomenda, especificando a cor dos olhos, do cabelo, o tom da pele, podendo ter até as características de quem tem síndrome de Down.
Embora tenham sido inventadas há décadas, essas bonecas tonaram-se “febre” no Brasil por meio das nas redes sociais há pouco tempo. Além dos colecionadores, as bonecas reborn ultimamente têm sido utilizadas por mulheres para terapias ocupacionais, para desejos de maternidade não realizados, luto pela perda de um filho, carências afetivas, além de companhia para idosos com Alzheimer.
Mas também tem incomodado muita gente com situações de rotinas em que as “mães” frequentemente trocam fraldas dos bebês reborn ao amamentar, passeiam nos lugares públicos carregando nos braços ou dentro de um carrinho de bebê como se fosse uma criança de verdade.
Surgiram também relatos de pessoas que estavam supostamente levando bebês reborn para atendimento médico nos hospitais públicos pelo país, o que gerou uma onda de críticas e revoltas, fazendo com que deputados estaduais, como Cristiano Caporezzo (PL-MG), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Dr. Zacharias Calil (União Brasil-GO) apresentassem projetos de lei para proibir tentativas de atendimento hospitalar das bonecas e até de aplicar sanções administrativas a quem usar bonecos para conseguir algum benefício destinado a crianças de colo.
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De acordo com jornal O Liberal, na última sexta-feira (16), o deputado estadual Rogério Barra (PL) também protocolou na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) um projeto de lei proibindo uso de recursos públicos estaduais para atendimento dos bebês reborn.
São muitos vídeos publicados nas redes sociais em que mães brigam com as bonecas porque teriam feito coisas erradas, ensinam elas a fazer receitas de culinária, levam ao banheiro para fazer necessidades fisiológicas, conversam com elas, imitando voz de criança, como se a voz viesse das bonecas, e levam para passear nas ruas ou para comprar roupas nas lojas.
Outros famosos, como o padre Fábio de Melo, a ex-BBB Gracyanne Barbosa, a modelo Nicole Bahls, as apresentadoras Xuxa e Sabrina Sato e a cantora norte-americana Britney Spears divulgaram vídeos com seus bebês reborn agindo de forma natural, como se fossem bebês de verdade.
Outro caso recente foi na quarta-feira de 7 de maio, depois que a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou o “Dia da Cegonha Reborn”, no calendário da cidade, para ser comemorado todo dia 4 de setembro. O projeto ainda aguarda a sanção do prefeito Eduardo Paes (PSD). A cegonha reborn é o nome da profissional que confecciona manualmente as bonecas.
Certamente que a reação do público é de susto e terror. Afinal, o que explicar diante desses acontecimentos vistos como fatos anormais, especialmente quando quem cuida da boneca age como se ela fosse uma criança de verdade?
Para a especialista em comportamento humano, Gisele Hedler, “o que pode começar como um hobby, pode se tornar um vínculo emocional e distorção do traço de personalidade”. Mas isso vai depender de como está a vida daquela pessoa envolvida. A especialista disse ainda que “pequenos detalhes podem gerar gatilhos emocionais e até traços psicológicos”.
A psicóloga da Universidade de São Paulo (USP), Leila Tardivo, afirmou que “esses acontecimentos não são patológicos e que são gostos individuais”. Mas ela alerta que o excesso de cuidados com bebê reborn pode ser um sinal de que a “mãe” esteja precisando de alguma ajuda profissional.

Já a psicóloga perinatal Rafaela Almeida Schiavo, fundadora do Instituto MaterOnline, que trata da relação e planejamento familiar, disse que as pessoas que comentam nas redes sociais precisam ter mais cuidado na forma como julgam ao assistirem vídeos considerados fora do normal, no jeito como as bonecas são cuidadas.
As pessoas não podem fazer julgamentos apressados com comentários negativos. É preciso primeiramente entender a realidade de quem está cuidando dessas bonecas. Cada “mãe reborn” é uma realidade diferente e não se pode generalizar. Uma delas pode estar fragilizada emocionalmente e comentários negativos podem intensificar seu sofrimento.
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De acordo com Schiavo, é muito importante conhecer a realidade da pessoa e, acima de tudo, respeitar os sentimentos dela. Além do mais, pessoas próximas às “mães reborns” fragilizadas precisam sempre estar por perto. Pode ser que uma delas esteja de luto por ter perdido um filho ou por nunca ter conseguido engravidar. E isso é uma situação extremamente dolorosa para uma mulher.
A psicóloga perinatal afirma que é preciso sempre oferecer companhia, dando-lhe um apoio significativo à dor sentida. Se possível, e com o consentimento da “mãe reborn”, procurar e oferecer um acolhimento psicológico.
Seguindo nesse caminho, a deputada federal Rosângela Moro (União-SP) apresentou um projeto para acolhimento psicossocial de pessoas com vínculo afetivo intenso com as bonecas reborn, com uma política para que o atendimento seja realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas nem todos os casos são de vínculo afetivo, como disse a psicóloga da USP Leila Tardivo. Muitos relatos absurdos e até vídeos controversos são coisas feitas propositalmente para ganhar engajamento nas redes sociais. Como se vê, isso é algo que estão conseguindo, já que quem comenta de forma negativa e julga as pessoas dão o ibope esperado por quem tem contas na redes sociais.
O site E-Farsas já desmentiu uma manifestação polêmica no município de Araraquara (SP), onde as mães estariam reclamando de falta de vagas nas creches para bebês reborn. Tratava-se, na verdade, de uma publicação satírica da página Dolangue News.
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Outro caso foi uma jovem de Minas Gerais de 17 anos que teria levado sua boneca para um hospital para atendimento médico. Tudo foi filmado desde a saída de sua casa até o suposto atendimento. Porém, não passava de uma jogada de marketing. Com 100 mil seguidores no TikTok, ela mesmo afirmou estar fazendo um investimento nas bonecas, ganhando dinheiro com os seus vídeos.
Com as redes sociais, muitas pessoas aproveitam essa febre dos bebês reborn para viralizarem com “vídeos absurdos”, com o objetivo de ganhar seguidores, likes e dinheiro. Muitos internautas ficam apavorados com vídeos que assistem e relatos que ouvem, quando nem imaginam que costumam serem vítimas de produtores de conteúdos digitais.
Há sim casos de pessoas que exageram cuidando de bonecas como se fosse de crianças de verdade. E existem de fato mulheres que precisam de ajuda psicológica, mas sem tratá-las com julgamentos desnecessários, já que, dependendo da condição da “mãe reborn”, ela deve ser respeitada e devidamente acolhida.
Mas é necessário que primeiro se pesquise a veracidade de um conteúdo polêmico que é bastante assistido. Viu um vídeo de alguém levando uma boneca para um posto de saúde? Procure saber se aquela produção não é fictícia e só mais uma tentativa de fazer você ajudar o dono do conteúdo a ganhar mais dinheiro nas redes sociais.
Diante do excesso de informações sobre esse assunto, é provável que a pessoa que vai fazer criticas nas redes sociais, dizendo que fulano “precisa de Caps”, possa também estar adoecendo por acreditar em qualquer publicação feita na internet.
De um jeito ou de outro, as bonecas reborn se tornaram excelentes fontes de renda nos tempos atuais, seja para as cegonhas, que confeccionam essas obras de arte, seja para o influenciador digital, que usa suas produções para chocar os internautas e fazê-los compartilhar os seus vídeos.


❒ Silvan Cardoso é poeta, cronista e pedagogo nascido em Alenquer, no Pará. Escreve regularmente no JC. Leia também dele: Alenquer, 143 anos: quem come seu acari não quer mais sair daqui. E ainda: Canhoto, o dono do lanche que virou point em Alenquer; vídeo.
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