Uma mentirinha mocoronga, por favor. Por Jorge Guto

Publicado em por em Crônica, Santarém

Uma mentirinha mocoronga, por favor. Por Jorge Guto
O escritor Mário de Andrade em Santarém, no ano de 1927. Foto: Reprodução

Mário de Andrade esteve em Santarém em 1927, e se registrou isso em frente à cidade, na praia, hoje praça do Pescador. No fundo da foto, o casarão da rua dos Mercadores, hoje, com outro nome.

Ele fez essa viagem acompanhado de aristocratas do café, e de familiares intelectuais da aclamada pintora Tarsila do Amaral. Três meses de viagens, resultou uma  obra de nome “O turista aprendiz”.

Dizem que contém humor, com uma informalidade realmente genuína e de aguçada percepção para o inusitado. Tal relato enriqueceu ainda mais a tão vigorosa ‘A Semana da Arte Moderna’. Vejam que coisa! Vamos ler??

E ninguém inventou nada a mais que a realidade. Pois estou pedindo que invente! É uma oportunidade única ir além desse já fantástico fato. Ora, é Mário de Andrade, senhores. Sim, o que deu conselhos ao jovem escritor Fernando Sabino, e com ele trocou cartas que foram publicadas.

Também o que entre muitos fatos primorosos da nossa nata de escritores renomados, conversou com Lygia Fagundes Telles, durante um estranho chá.

Mário de Andrade merece ter sua foto circulando nas páginas da Internet, como a “Nostalgia Santarém”, a qual me deu fonte sobre isso.

E poderá estar num arquivo do Centro Cultural João Fona, ou noutro, mas o que precisa mesmo em urgência é de alguém que abuse de uma memória como que cósmica, mística, de coisas que talvez podem ter acontecido, que poderiam ter acontecido, até que embora não tenham acontecido, irão passar a acontecer na imaginação de alguém.

É campo rico ter tido Mário aqui, na década de 20, uma parte da gênesis urbana do local onde se deixou ser fotografado.

O que precisamos é de uma fraca memória e de sobra uma capacidade inventiva, daquelas que para todos os efeitos, tudo foi acontecido. Sem meter o criador da Semana da Arte Moderna em dissabor moral, o que vai importar é a criatividade, que de quebra já veio pronta com metade de história fincada numa realidade, onde alguns detalhes passarão a ganhar vida própria numa “mentirinha mocoronga”.

Que tal?? Só um pouco.

➽➽ Jorge Augusto Morais, o Jorge Guto, é santareno, formado em direito e aprendiz da crônica reflexiva, em prosa, influenciado por uma tia, professora de literatura brasileira. Desde criança lê contos e escreve sobre dramas humanos universais, tendo como cenário uma Amazônia que pode estar na informalidade e no inusitado.

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6 Responses to Uma mentirinha mocoronga, por favor. Por Jorge Guto

  • Ele, Mário, quando esteve aqui, fez registrar em suas anotações que Santarém o fazia ter “estranhas sensações venezianas”, pelo fato de ter visto que o hotel (Hotel Castelo, demolido em 82) era “ancorado no porto, enfiando o paredão n’água”.

    E por isso, se referia aos santarenos como “venezianos”, tendo ficado surpreso que falavam o Português muito bem (Ué?!).

    De acordo com as mesmas anotações, ele chegou em Santarém no dia 31/5/27, no final da tarde, e no dia seguinte, viajou em direção a Óbidos. Então, analisando a posição da sombra do Mário na foto, ela foi tirada na manhã do dia 1º de junho.

    O local da foto é próximo ao prédio que atualmente funciona o Museu João Fona. Na época, funcionava a Câmara Municipal, que ostentava um relógio quebrado. A Praça São Sebastião ainda era só um bebê, pois, primeiramente, no local, foi construído o Largo da Municipalidade (1853). Havia um coreto e a primeira versão da Igreja São Sebastião. O obelisco já existia. O Largo da Municipalidade era um quadradão descampado, com poucas casas ao redor.

    Provavelmente, o Mário passeou pelo Largo (futura Praça São Sebastião), olhando o obelisco, ouvindo o Prefeito falar da cidade, como um guia turístico, naquele calor úmido, todo “palitosado”, com suor na testa, já com fome. E ainda teve que assistir um desfile das alunas do Santa Clara, organizado pelas freiras, certamente às pressas.

    Consigo ouvir ele cochichando ao ouvido da Dulce (filha da Tarsila do Amaral), que viajava em sua companhia: “cairia bem uma garapa agora, hein?”, tendo Dulce reagido com um sorriso.

    O jovem José Aprígio presenciou esse diáologo e durante toda a infância de seu filho, que nasceria três anos depois, contou-lhe sobre ter presenciado o grande Mário de Andrade de perto e de ter ouvido ele desejar uma garapa naquele calor. O filho cresceu com essa história na cabeça e em 54 abriu um empreendimento no sopé do morro onde funcionava um recente inaugurado colégio para rapazes.

  • Ele, Mário, quando esteve aqui, fez registrar em suas anotações que Santarém o fazia ter “estranhas sensações venezianas”, pelo fato de ter visto que o hotel (Hotel Castelo, demolido em 82) era “ancorado no porto, enfiando o paredão n’água”.

    E por isso, se referia aos santarenos como “venezianos”, tendo ficado surpreso que falavam o Português muito bem (Ué?!).

    De acordo com as mesmas anotações, ele chegou em Santarém no dia 31/5/27, no final da tarde, e no dia seguinte, viajou em direção a Óbidos. Então, analisando a posição da sombra do Mário na foto, ela foi tirada na manhã do dia 1º de junho.

    O local da foto é próximo ao prédio que atualmente funciona o Museu João Fona. Na época, funcionava a Câmara Municipal, que ostentava um relógio quebrado. A Praça São Sebastião ainda era só um bebê, pois, primeiramente, no local, foi construído o Largo da Municipalidade (1853). Havia um coreto e a primeira versão da Igreja São Sebastião. O obelisco já existia. O Largo da Municipalidade era um quadradão descampado, com poucas casas ao redor.

    Provavelmente, o Mário passeou pelo Largo (futura Praça São Sebastião), olhando o obelisco, ouvindo o Prefeito falar da cidade, como um guia turístico, naquele calor úmido, todo “palitosado”, com suor na testa, já com fome. E ainda teve que assistir um desfile das alunas do Santa Clara, organizado pelas freiras, certamente às pressas.

    Consigo ouvir ele cochichando ao ouvido da Dulce (filha da Tarsila do Amaral), que viajava em sua companhia: “cairia bem uma garapa agora, hein?”, tendo Dulce reagido com um sorriso.

    O jovem José Aprígio presenciou esse diáologo e durante toda a infância de seu filho, que nasceria três anos depois, contou-lhe sobre ter presenciado o grande Mário de Andrade de perto e de ter ouvido ele desejar uma garapa naquele calor. O filho cresceu com essa história na cabeça e em 54 abriu um empreendimento no sopé do morro onde funcionava um recente inaugurado colégio para rapazes.

  • Belo texto!! Concordo totalmente com a reflexão. Precisamos conhecer nossa memória e transformá-la em história.

    Esse texto me lembrou muito uma história contado pelo Eduardo Serique, documentada em vídeo, disponível no YouTube, chamado Toshiro Mifune em Santarém

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