Uma pérola que insistem em jogar aos porcos

Publicado em por em Artigos

por Jota Ninos (*)

“Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca (…)
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas”.
(Konstantino Kavafis, poeta grego)

Blog do Jeso | Jota NinosO trecho do poema na epígrafe deste artigo é dedicado a tantos santarenos que saem daqui e sempre que retornam à sua Ítaca (ilha grega onde reinou o mitológico Ulysses, da Odisseia de Homero) descobrem o quanto ela continua à espera de quem a compreenda… O mitológico herói Ulysses ajudou os gregos a vencerem os troianos e pagou caro por isso: passou anos tentando voltar à sua ilha natal, mas os ventos o levavam para mais longe, por décadas.

Metaforicamente, é assim que se sentem muitos santarenos que vem sua Ítaca cada vez mais longe do ideal de progresso e civilidade que cada um tem. Uns mais exacerbados que outros. Outros mais nostálgicos do que uns…

Na terça-feira, 14/01, o jornalista Manuel Dutra – um eterno Ulysses dos trópicos que vive uma espécie de auto-exílio na Tróia, ao tucupi, que é Belém – tenta mais uma vez chegar à sua Ítaca ideal. Ele que sempre usou da astúcia de Ulysses em seus textos jornalísticos premiados, encabeça uma ação de cidadania como tantas outras já realizadas por aqui: desta feita Dutra levanta a voz pelo Tapajós: não o sonho de estado, mas o rio castigado.

Alter do Chão do alto. Foto: Manuel DutraOs sinais da destruição do rio Tapajós. Foto: Manuel Dutra

Quer “passar a limpo” o belo rio maltratado (https://goo.gl/Y7fHDE), como fez há 27 anos em grandes reportagens sobre a utilização de mercúrio nos garimpos do Tapajós, que lhe renderam prêmios nacionais, mas acima de tudo serviram para que todos percebessem o crime que aqui era cometido.

À época, a desastrosa gestão do presidente Collor (argh!) aliada a outros fatores econômicos, acabaram dando fim à sangria de um dos mais belos rios da Amazônia com o fim da garimpagem em seus afluentes. As águas que já começavam a ganhar a tonalidade do Amazonas parecem ter se recuperado nos últimos anos. Só que agora o pesadelo parece esta voltando.

Todos estão sendo convocados por Dutra a assinarem um manifesto, pedindo que sejam feitos estudos para nos informar porque as águas mudaram de cor, como ele mesmo constata em uma série de fotos que vem fazendo há anos (https://goo.gl/Wful2P).

O manifesto pode até parecer uma investida brancaleônica (https://goo.gl/7iaudv), mas pode se transformar numa grande onda através da internet e realmente alcançar seus objetivos.

Mas afinal, porque os santarenos que por aqui vivem parecem não se indignar com o que acontece ao seu redor? Por quanto tempo continuaremos vendo nossos gestores jogando nossa Pérola aos porcos? E não falo só de má gestão da coleta de lixo ou da conservação de ruas e logradouros.

Falo do planejamento macroeconômico da região que continua seguindo “a diretriz da ditadura” cinquenta anos depois, segundo outro jornalista-Ulysses de Santarém, o sociólogo Lúcio Flávio Pinto, que não cansa de falar sobre o tema (https://goo.gl/uc1ZwU), denunciando a implantação de projetos faraônicos que tão-somente constituirão o que ele chama de “terceiro Brasil” aqui na Amazônia, para “fornecer matérias primas e insumos básicos para os dois Brasis postados acima, na pirâmide hierárquica, e para o mundo”.

Desenvolvimentistas versus ambientalistas

Há alguns anos, Santarém viu se proliferarem grupos ecológicos e movimentos ambientalistas surgidos a partir da militância de religiosos da igreja católica como resposta aos projetos desenvolvimentistas traçados em pranchetas e maquetes, criadas por iluminados que tentam transformar Santarém num grande centro de desenvolvimento.

Esses movimentos, legítimos, encontram barreiras na sociedade local que acredita que Santarém é a terra do futuro e que é precisa trazer desenvolvimento para cá a todo custo.

E aí surge um mondrongo como aquela famigerada esteira para exportação de grãos, fincada às margens do nosso rio por uma multinacional. Batalhas se travaram em solo Santarém e na Justiça há sete anos entre representantes de produtores de soja e ambientalistas, por causa da falta de um estudo mais aprofundado antes da implantação do projeto.

E chegamos até à ameaças de morte contra religiosos (https://goo.gl/GDiiJE)! Ninguém se desarma para debater o tema e a gente acaba se sentindo como se Santarém fosse a casa da mãe Joana (https://goo.gl/SBhtL5).

Mas como me disse recentemente, em um documentário, o batalhador solitário e pesquisador quase-pessimista Cristóvam Sena: “Santarém sempre foi e sempre será um eterno entreposto comercial”, por conta de sua localização geográfica. Nem um dos vários ciclos econômicos da região conseguiu mudar essa realidade.

Aliás, o Governo do Estado já trabalha para tornar essa nossa condição sine qua non em realidade mais concreta (https://goo.gl/CIWB47).

A prova de que seremos sempre um entreposto comercial é exatamente o surgimento de tantos projetos imobiliários pela cidade, que parecem indicar que além de entreposto seremos uma espécie de cidade-dormitório para abrigar a leva de profissionais que chegam à cidade em busca de tantos “Eldorados” regionais, representados pelos projetos de extração mineral ou de construção de barragens como a de Altamira (Belo Monte) ou as do Tapajós.

O imbróglio Sisa/Buriti

E entre os projetos imobiliários que florescem na cidade, juntamente com grandes lojas de departamentos e shoppings, há o emblemático caso da área da Sisa/Buriti que ameaça uma extensa área de proteção ambiental em torno do lago do Juá. Em dezembro passado, completou um ano da polêmica em torno da liberação do loteamento, uma das mais nefastas heranças deixadas pelo governo Everaldo Martins, ops, Maria do Carmo Martins, em conluio com a família Corrêa, dos irmãos Marcelo e Maurício Corrêa, descendentes do Barão do Tapajós (família com mais de 150 anos de influência na política local).

Os irmãos Corrêa venderam parte da empresa Sisa (proprietária do terreno de 1.200 hectares) a um ex-sócio de Jader Barbalho, Moisés Carvalho dono da Buriti Empreendimentos (de Redenção – PA) e que age neste negócio em 9 estados e 25 cidades implementando mega-empreendimentos imobiliários.

Marcelo Corrêa licenciou a grande área de forma fatiada pulando por cima de leis estaduais (recentemente a Justiça Estadual reviu essa situação: https://goo.gl/r9C5fx) apesar de manter cotas na empresa já que é herdeiro da parte que era de seu pai, o falecido empresário Paulo Corrêa.

Para o azar dos negociantes, os Martins saíram da prefeitura e o prefeito Alexandre Von e seu secretário de meio-ambiente, Podalyro Neto, iniciaram uma guerra para desfazer o negócio, municiados pelo Movimento Salve o Juá (https://goo.gl/8Y8rIe), que acompanha passo a passo a movimentação nos bastidores através das redes sociais.

Surgiu até um certo compromisso de convencer Simão Jatene a desapropriar a área para a construção de um Centro de Convenções ou de um Parque Botânico, em conjunto com a UFOPA.

Mas, recentemente, o secretário estadual de meio Ambiente, José Colares, começou a mostrar que tudo não passava de jogo de cena. Começou a falar em propor um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta e liberar a área. E o prefeito de Santarém ao que parece vai capitular (https://goo.gl/g2MCrZ).

Fala-se em multas e outras punições, mas tudo indica que o empreendimento vai finalmente sair do papel, senão surgir nenhum outro fato novo.

Novos portos, novas obras

O processo de desenvolvimento não para. A cidade precisa confirmar sua condição de grande entreposto comercial, corredor de exportação de grãos. Enquanto produtores do centro-oeste reclamam da demora do asfaltamento da BR-163, no trecho do Pará (https://goo.gl/vgLCv6), ambientalistas denunciam que é um perigo asfaltar a estrada (https://goo.gl/itWuBU) e os chineses querem transformá-la em trilhos (https://goo.gl/rMZ6v6).

E agora, já se fala no projeto intermodal do governo Von, que pode impactar severamente outra área de Santarém: o lago do Maicá ou o rio Ituqui (https://goo.gl/K5ftec).
E haja maquete, e haja sonho…

O tal “desenvolvimento sustentável” tão propalado pelos políticos da nova geração (entre eles Alexandre Von), ainda não convence a todos. Mas a grande maioria da população acaba sendo favorável a esses projetos, vendidos pelo marketing oficial como redenção para a abertura de novas vagas de emprego.

Enquanto isso, rios, lagos e florestas que poderiam servir de manancial para projetos ecoturísticos, por exemplo, sofrem impacto como o do rio Tapajós, que acaba precisando de uma mobilização como a proposta pelo jornalista Manuel Dutra, para não deixar de ser um cartão-postal.

E a Pérola continua jogada aos porcos do consumo…

– – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – — – – – – – – – – – – – –

* É jornalista. Escreve todas as semanas neste blog.


Publicado por:

7 Responses to Uma pérola que insistem em jogar aos porcos

  • Se queremos que Santarém deixe de ser um mero entreposto, precisamos que se planeje um novo rumo para a cidade.
    Um polo tecnológico-industrial? Um polo turístico? Um polo agropecuário? Tudo isso é possível (e ao mesmo tempo), desde que se planeje com cuidado e se pense em projetos adequados à região e sempre de olho no impacto ambiental.
    Seja o que for que faça em Santarém, sempre haverá impacto ambiental, sempre se irá requerer grande investimento em infraestrutura e na educação e capacitação da população, seja para a indústria, seja para a agricultura, seja para o turismo profissional – ou tudo isso junto, pois a região tem potencial para tanto.
    Não se irá desenvolver Santarém sem investimento em energia, sem estrutura de transportes, sem educação e capacitação de nosso povo, sem mudança da mentalidade da população (principalmente os ricos de plantão, com seu capital improdutivo acumulado, servindo só para trocar o carrão do filho ou bancar a viagem dos “curumins” à Disneylândia…).
    Mas isso não precisa ser feito na base do atropelo, sem planejamento, sem projeto, sem visão de futuro, sem pensar na cidade de Santarém do ano 2064. É difícil e trabalho, mas é possível; requer capacidade, coragem e disposição, o que muita gente daqui tem.
    Ou então nos conformemos em produzir farinha de mandioca e açaí, além de vender umas cambadas de peixes pelas ruas da cidade.
    Peixes “pescados”, é claro, pois esse negócio de peixe de criadouro é coisa de capitalista se intrometendo na cultura pesqueira da região…

  • Nino, ainda recorrendo à mitologia, Ulisses pode ser aqui usado num outro sentido figurado: na imagem do tipo de político que Santarém está precisando, um político realmente apaixonado pela cidade. Santarém é uma cidade naturalmente linda. É um orgulho para nós santarenos ouvir elogios de quem a visita e conhece suas belas paisagens e praias. Porém, Santarém é uma cidade maltratada, e ouvir isso das mesmas pessoas que rasgam elogios às suas belezas naturais é dolorido. Pior é quando a visitamos e constatamos que as críticas estão corretas. Diferente de Ulisses, quando constato ao vivo o descaso e o maltrato que a cidade sofre dos seus governantes, a impressão que tenho é de que a elite econômica e política da cidade mais se assemelha a uma horda de bárbaros que a saqueia e não tem qualquer noção mais elevada de civilidade e de desenvolvimento. Fazendo um breve paralelo, aqui em Belém se passa o mesmo que aí, principalmente nos bairros de periferia, que estão com suas ruas totalmente esburacadas, sem saneamento e tomados pela violência. Belém é também uma cidade linda, mas maltratada como Santarém. Portanto, ocorre com a elite política e empresarial santarena o mesmo que ocorre com a elite paraense de modo geral: padece de déficit de grandeza humana e política. É uma pena, a elite da nossa cidade poderia se diferenciar da elite paraense nesse sentido, como uma instituição capaz de contribuir decisivamente para o progresso civilizatório local, uma elite que tem, tal como elites tradicionais de países desenvolvidos, alguma contribuição civilizatória a oferecer para a sociedade e a humanidade. Nos EUA, na Europa e países desenvolvidos em geral, as elites tradicionais cultivaram uma cultura que consiste em destinar parte da sua fortuna para obras de grande impacto social e humano, tal como pesquisa científica, tecnológica, institutos de planejamento econômico, político e social ou o fomento do conhecimento em geral em grandes instituições de pesquisa. Aliás, praticamente todas as grandes universidades destes países, que estão entre as mais importantes do mundo, são mantidas pelas gordas doações destas elites. Elas também gostam de influenciar os governos nacionais, regionais e locais para que realizem grandes obras sociais, de infraestrutura, saneamento, educação, cultura etc. Estas elites gostam de se promover pela promoção das grandes contribuições civilizatórias que dão à sua sociedade e à humanidade. Seu critério de diferenciação é a grandeza das suas obras, o conhecimento, a cultura, o refinamento do espírito e da sociedade que habitam. As nossas elites estaduais e locais (Santarém, Belém) mais se parecem a mercenários sem qualquer critério de civilidade. Suas obras são quase sempre de grande impacto, mas de grande impacto negativo para as suas sociedades. Prevalece, entre elas, a cultura da esperteza, do lucrar a qualquer custo e do enriquecimento rápido. A única grandeza que possuem é financeira, e fazem questão de ostentar apenas isso, porque culturalmente são consumidores de porcarias mercantis, de cultura industrializada, alienada. A Influência que exercem sobre os governos é sempre para se dar bem, em prejuízo da sociedade. As grandes obras de engenharia que realizam se tornam pequenas ante a corrupção e o prejuízo que dão aos cofres públicos e à moral política, que se deteriora sempre mais a cada grande obra de engenharia. Ademais, estas obras são poucas, insuficientes e ineficientes, porque presas à lógica do tratamento sintomático, não da cura dos problemas, e porque feitas, comumente, com material de quarta categoria. Exemplo clássico são os asfaltos de quatro dedos que, comparados aos de quatro palmas dos países desenvolvidos e, mesmo, da maior parte do sul do Brasil, são motivos de desdém, de vergonha e atestado de rapinagem pura. Carecemos de uma elite que ame a nossa cidade, que se lance em suas aventuras, mas sempre com o propósito de fazer o melhor para o seu reino. Uma elite que sonhe fazer da sua terra o seu paraíso, do seu povo um grande povo, que use da sua grandeza material para construir grandezas sociais e humanas.

    1. Válber, você matou a charada. Na verdade os que moram fora – os Ulysses ao tucupi – parecem ter maior consciência do maltrato que a cidade sofre.
      E recorrendo novamente à lenda de Ulysses, vale lembrar que quando o rei se juntou aos demais monarcas para vingar o colega “chifrudo” Menelau (que perdeu Helena para o príncipe de Troia, Páris. Daí os reinos das cidades-estado da Grécia terem passado a se chamar “povos helênicos”), deixou sua mulher Penélope por anos sozinha, em Ítaca.
      E aí, o reino sofreu o tratamento de vilipêndio por parte dos “nobres” locais, que ansiavam ocupar o trono de Ulysses e desposar a rainha que consideravam viúva. Mas ela e o filho resistiram, de forma ardilosa, até o momento que Ulysses retornou e se vingou de todos.
      Usando o seu texto, eu diria que a elite local age como os nobres de Ítaca: o que importa é a joia da coroa (o tal desenvolvimento através de portos, estradas e empreendimentos imobiliários), e de preferência ocupando o trono ao lado da rainha (Prefeitura)…

  • Parabéns pelo texto e pela visão dos assuntos que foram abordados.
    Idem, pela manifestação do Chico Corrêa.

  • “Mas afinal, porque os santarenos que por aqui vivem parecem não se indignar com o que acontece ao seu redor? Por quanto tempo continuaremos vendo nossos gestores jogando nossa Pérola aos porcos”.

    Respostas:

    Porque temos empresários como os juntados na ACES;
    Porque temos políticos da estirpe do Lira Maia, Alexandre Von, Corrêas, Martins, Rochas etc.;
    Porque tem um imprensa inerte, omissa, despreparada e comprometida até a medula com as forças dominantes, quando não fazem parte delas, caso da TV Tapajós, TV Ponta Negra, Guarany etc.;
    Porque tem uma população desinformada, alienada ao extremo que só ver novela da Globo e BBB;
    Porque se pratica a “constituição não escrita” , diferente da Constituição real, que dita a política dos poderosos de acordo com suas conveniências;
    Porque a Perola vai continuar exportando matéria prima, sem agregar um tusta para a ração dos porcos estrangeiros através do mondrongo fincado na frente da cidade para alegria de uns poucos;
    Porque as escolas sejam elas publicas ou privadas não preparam as novas e futuras gerações contra esse crimes de destruição do seu município
    Porque a população não se mobiliza para fazer uns “roles” nas áreas atingidas e nas que estão na mira dos destruidores.

    Chico Corrêa

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *