Angústias diferentes parecem chegar em certos momentos. Quem já não sentiu uma tristeza não mais que de repente, no final de um domingo? Júlio sentiu, e lembrou da mãe idosa quando estava viva, sempre narrava a dor em terminar mais um dia, sabendo especialmente que uma nova e enfadonha semana iria começar.
Tinha a angústia da madrugada, essa vinha com um certo frio, entrava pela janela junto de um soprar, relento, acordando no sono de um apneico, devorando o descanso.
Essa angústia tomava um corpo frágil na cama, vinha como arrastando uma agonia, trazendo uma consciência de tudo que estava fazendo na sua vida. Júlio geralmente se sentava, passava a mão no rosto, precisava se arrepender de tantas coisas que nem cabiam em uma madrugada, muito menos em uma só levada de estreiteza.
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Um dos piores momentos era esse da madrugada, assaltado por uma memória acusadora – o diabo é acusador – pensava Júlio. Ao se deitar novamente sentia seus cabelos serem afagados pela tensão de uma presença, uma sombra de um ato reprovável de sua vida.
Precisava se deitar com o seu diabo acusador, e lembrou de C.S. Lewis. Precisamos dormir muitas vezes com os nossos demônios, e quem sabe os apaziguando não se tratam de ser apenas anjos, impacientes.
Júlio leu na página de notícias no Instagram, parte policial : “um meliante preso por ameaças, um quase furto de celular, uma tentativa”. Bagatela? O acusado disse que seu mal era o entorpecente, e também disse que o seu vício não tinha sido uma escolha.
Lá pelas 5 da manhã, ecoou a frase na sua cabeça: “… não tinha sido uma escolha…”. Queria escolher dormir, mas essa angústia só lhe oferecia uma opção. Ofegante, ansiedade de tirar o fôlego, agia agora como um foragido, sendo procurado dentro de sua própria casa.
Na janela, quinto andar, lá estava a sua velha e morta mãe, em corpo caído no chão, e um espectro o chamando para avistar lá embaixo. Foi, e como se num desequilíbrio calculado, sentiu a mudança de pressão, o frio da queda na coluna espinhal, o cérebro logo percebeu a inclinação de seu corpo, e em choque lá estava de peito no chão, próximo da cama, com o coração acelerado, e o Sansão, seu shih tzu lambendo a sua cara.
Foi por pouco.
➽➽ Jorge Augusto Morais, o Jorge Guto, é santareno, formado em direito e aprendiz da crônica reflexiva, em prosa, influenciado por uma tia, professora de literatura brasileira. Desde criança lê contos e escreve sobre dramas humanos universais, tendo como cenário uma Amazônia que pode estar na informalidade e no inusitado.
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