Poetas amazônicos

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E(u)legíaco

Hão de me declarar morto, um dia
Como se toda a vida que tive
Se tivesse esvaído
Repentinamente…
Fecharão meus olhos
E virarei estatística de prontuário
Causa mortis: poeta descuidado!

Hão de me velar
Em meio à flores fúnebres
E chumaços de algodão
Nas narinas
Mas talvez haja
Um leve sorriso no rosto
De quem tinha medo,
Mas desafiou sua morte!

E apesar disso,
Ela me reverenciará
Soturnamente,
Reconhecendo em mim
O eterno dilema edipiano
De um Orfeu provinciano…

Hão de me vestir
Com o único paletó em vida,
O da tardia formatura…
Colocarão a gravata vermelha
Em homenagem
Às utopias da juventude
O velho sapato será engraxado, afinal!
E quem sabe, sejam cerzidas
As meias verdades…

A barba mal feita
E os cabelos desgrenhados
Já não incomodarão.
E como diria meu poeta:
“Estarás mais ancho
Que estavas no mundo…”

Alguém puxará uma reza
Como se agora a religião
Fosse o que mais preciso…
Cânticos entoarão,
Mas algum amigo,
No fundo do velório,
Conterá o riso por me ver
Tão enjaulado, em convenções
Que abominei em vida…

Filhos chorarão,
Mulheres chorarão,
Amigos chorarão,
Inimigos chorarão,
De repente, em comentários,
Molhados de café,
Todos esquecerão meus defeitos!
Por alguns momentos
Serei comentado como
Um homem perfeito!

Poderia evitar tudo isso
Se em vida dissesse
Que cremassem minhas calorias
E espalhassem as cinzas
No rio de minha cidade
Onde aprendi a nadar
E a fazer filhos…

Alguém lembrará
De citar uma de minhas poesias
Outro, de cantar uma música do Chico
Quem sabe isso alivie
Os eleitos a suportar
O peso nas alças do caixão?

Passarei pelas ruas, pela última vez,
Enfrentando os mesmos buracos de sempre
Que me sacudirão no féretro
E eu nem poderei morrer de rir
Pois já estarei morto…

Algum vereador,
Na ânsia de mostrar
Que trabalha para o povo,
Terá a ideia de sugerir
Que meu nome vire rua!
E se tal ideia virar lei
Nem poderei me rebelar…

Espero que escolham,
Pelo menos,
O beco menos iluminado
E mais esburacado
Do mais longínquo bairro
Para que eu possa espreitar
Amantes em chita e chinelos
Fazendo amor de madrugada
Após uma noitada…

Quem sabe meu novo
Eu geográfico
Tenha até uma boca de fumo
A ser desbaratada?
Quem sabe um dia vire
Um beco da alegria
Onde gente simples
Pronunciará meu nome
Como se eu fosse
Um velho conhecido?

Não me importam
As homenagens oficiais
Minha eternidade estará preservada
No livro que ainda não escrevi
Ou no neto que não conheci…

Na lápide,
Em meio ao canto final
Espero que escrevam:
“Aqui jaz um poeta”
E que, enfim, entreguem meu corpo
De Humus Erectus
Aos pequenos seres
Que anseiam me consumir…

Espero que brotem poesias
De meu último leito
E que se descubra,
Finalmente,
Que minha alma é eterna!

Espero que eu não seja apenas
Estatística estática
Ou estética estóica
Ou histeria histórica…

Que eu seja
Uma boa lembrança
E que eu vele o sono
De quem tanto amei
E que um dia renasça,
Se assim eu merecer…

———————————–

De Jota Ninos, poeta amazônico nascido no Pará (Belém).


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10 Comentários em Poetas amazônicos

  • O poeta é um fingidor? Que nada, Fernando Pessoa. Pelo menos aqui nesta poesia Jota Ninos se mostra inteiro, nu, “cadáver insepulto”, oportunamente auto-fotografado para quem ainda não o conheceu. Um belo e irônico poema, Jota.

    Parabéns!

    Repito a minha habitual pregação: nunca uma separação conjugal foi tão produtiva para a literatura brasileira, de modo especial para a paraense.

    PS.: impagável os versos:

    O velho sapato será engraxado, afinal!
    E quem sabe, sejam cerzidas
    As meias verdades…

    1. Jeso, muitas das poesias que tenho apresentado aqui no blog foram produzidas antes mesmo da separação. E aqui mesmo no blog já apresentei outras poesias durante aquele período.

      A nova vida apenas me deu uma maior mobilidade, para me deter em corrigir alguns velhos escritos e lapidar os versos de acordo com o amadurecimento poético que estou vivendo.

      A solidão e os momentos de reflexão (ou de alcova), são apenas o tempero necessário para que a produção seja mais constante.

      De qualquer forma, obrigado pelo espaço, já que meu blog continua em reforma (sabe-se lá quando acabarei esta novela…rsrsrs).

  • Sutil e simples como a morte deveria ser… Mui Respeitosa essa sua partida hipotética meu caro Jota… eu seria uma, entre aqueles que ao lhe verem entre tantas cerimonias…não teria o riso contido, pois o momento seria de fato triste, afinal ninguém gosta de perder, mas sentiria um algo estranho de não pertencimento, como que entendendo que depois de mortos fazem de nós o que bem entendem e somos muito diferentes do que fomos em vida… nós tiram até o que de mais precioso temos…nossos defeitos… não somos mais ninguém senão um mito.

    1. A morte é um grande peso ainda para nossas mentes ocidentais. Mas realmente, o pior da morte, é não respeitar aquele corpo ou aquela alma, mesmo que a intenção seja a reverência, já que no final somos despojados do verdadeiro espírito.

  • TAPAJOS DA MINHA SAUDADE
    Tapajós da minha saudade.

    Quem me dera agora, poder mergulhar em tuas águas,
    E sentir toda a força que emana de tuas águas, mornas e cristalinas,
    Quem me dera agora, caminhar sob tuas areias brancas,
    E correr nas margens do pindobal
    E ver o sol nascer no aramanai…
    Quem me dera agora apreciar o por do sol,
    Na ilha do amor, da minha ALTER DO CHÀO.
    Quem me dera agora esta no regaço da minha terra,
    E me sentir o mais mocorongo
    Dos mocorongos.
    Quem me dera agora, poder comungar,
    Da imensa fé em MARIA,
    E na praça da matriz,
    Ouvir o padre Edilberto rezar:
    “Ave Maria, cheia de graça”…
    E ver os rios, bailarem em um encontro,
    Gracioso e de Infinita beleza.
    Quem me dera agora, comer o acari,
    O tucunaré, o apapá,
    Abundantes e fartos,
    Em tuas águas cheias de vida.
    Que saudade da minha SANTAREM,
    MINHA TERRA TÃO QUERIDA,
    MEU ENCANTO E MINHA VIDA.
    Que saudade da lua cheia,
    Sobre o meu TAPAJOS AZUL, AZUL COMO O CEU.
    Quem me dera agora,
    Ouvir na RADIO RURAL,
    A voz do PASTOR,
    E me sentir mais próximo de DEUS NOSSO SENHOR.
    Que saudade da minha terra querida,
    Que tem o TAPAJOS E O AMAZONAS,
    Dois rios bonitos, como seus guardiões e protetores,
    Que tem um povo acolhedor,
    Onde se anda de canoa,
    Onde se fala de amor.
    Que saudade da minha terra,
    Que saudade de SANTAREM DO MEU AMOR
    Que saudade da minha vida, que lá ficou,
    Que saudade do meu TAPAJOS AZUL,
    AZUL COMO O CEU,
    COMO A VIDA, COMO O RIO.
    Belo e lindo COMO O AMOR.

    (ALMA CABOCLA)

    1. Meu Deus, que lindo !!!

      Quanta sensibilidade poética, Sr. Poeta! Com todo respeito te reverencio Alma cabocla …

      Parabéns!

      …Mais que Cantinho mais Aconchegante esse do Blog Professor !

      Continue assim e mais uma vez retorno aqui para prestigiar textos tão bem redigidos.

  • Caro Jota: morbida, sua óde, porém profunda….e parafraseando o poeta, “(…)a morte? não.! só uma passagem de tempo… e as poesias? essas ficam como minha herança, aqueles que amei, e se amei quiz amar, e se não soube ama-los, e porque, não soube fazer de minhas poesias, o meu amor maior…

    Que eu seja
    Uma boa lembrança
    (que se converta em saudades depois de minha partida)
    E que eu vele o sono
    (e possa continuar vivo, na memoria)
    De quem tanto amei.
    E que um dia renasça,
    (como fruto de um amor que fui)
    Se assim eu merecer…
    (Com a alegria de poder viver)
    ….o poeta, nunca morre, VIVE EM SUAS POESIAS…

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