Enquadramento previdenciário dos povos indígenas. Por Rose Melry de Abreu

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Enquadramento previdenciário dos povos indígenas. Por Rose Melry de Abreu
“Equipara os povos indígenas ao trabalhador rural não é a melhor opção, por não considerar a realidade sociocultural”, diz a advogada Rose Abreu

Os benefícios previdenciários, em regra geral, são para acesso de toda a população, sendo previsto como política pública pela Constituição Federal, conforme se ver em seus artigos 201 e 202 assim como pela Lei de benefícios nº 8.213/91.

O acesso de indígenas aos direitos previdenciários se dá através do exercício de atividade laboral conforme descrito na Instrução Normativa nº 77 do INSS de 2015 no seu art. 39, §4º, que diz: “4º Enquadra-se como segurado especial o índio reconhecido pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, inclusive o artesão que utilize matéria-prima proveniente de extrativismo vegetal, desde que atendidos os demais requisitos constantes no inciso V do § 4º deste artigo, independentemente do local onde resida ou exerça suas atividades, sendo irrelevante a definição de indígena aldeado, indígena não-aldeado, índio em vias de integração, índio isolado ou índio integrado, desde que exerça a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar e faça dessas atividades o principal meio de vida e de sustento” (GRIFO NOSSO).

Ao observar a instrução normativa da autarquia, percebe-se que o acesso de indígena ao sistema previdenciário se dá, antes de tudo, pelo seu reconhecimento como indígena pela Funai preenchendo os critérios: a) autodeclaração e consciência de sua identidade indígena; b) reconhecimento dessa identidade por parte do grupo de origem. Outro critério é o exercício de atividade rural e a forma como a desenvolve.

Antônio Pedro Ferreira da Silva (2015, p. 103) destaca o fato da Instrução Normativa nº 77 não fazer distinção entre INDÍGENA TRABALHADOR URBANO DE INDÍGENA TRABALHADOR RURAL.

Conforme se extrai da instrução normativa, não basta haver somente o reconhecimento de ser indígena, mas sim, se há enquadramento como segurado especial, ou seja, ser indígena lhe acarreta, tão somente, a caracterização de segurado especial, e a partir dessa caracterização pode ter acesso aos benefícios previdenciários.

O segurado especial é aquele que exerce atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar para a manutenção da sua subsistência, família ou para venda.

Portanto, o indígena que se autodeclara como tal, possuindo a consciência de sua identidade indígena somado ao seu reconhecimento por parte do grupo de origem são o suficiente para o índio se tornar um segurado do sistema de Previdência Social.

A Constituição Federal em seu artigo 195, §8º demonstra quem é o segurado especial e como deverá contribuir. Tal entendimento foi levado a Lei da Seguridade Social nº 8.212/1991, em seu artigo 12, inciso VII, onde o conceitua:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(…) –

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título de mútua colaboração, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; ou

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;                

b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

Os indígenas foram incluídos na categoria de segurado especial

A inclusão dos indígenas como segurado especial lhe isenta de outras obrigações relacionadas a comprovar sua qualidade, bastando a declaração emitida pela Funai para ser considerado como segurado especial.

Chama-se também o fato de a previdência equiparar o indígena aldeado a qualidade de trabalhador rural, todavia, não é levado em consideração pelo Estado que a relação que os povos indígenas mantêm com a terra é totalmente diferente do trabalhador rural, uma vez que, esse utiliza os recursos naturais para sua subsistência e comercialização, já os povos indígenas utilizam seu território como base para sua reprodução cultural.

Equipara os povos indígenas ao trabalhador rural não é a melhor opção, por não considerar a realidade sociocultural em que estão inseridos e a Constituição de 1988 revogou as medidas integracionistas, reconhecendo sua diferença pelo fator cultural, além de tal equiparação não considerar o estado nefasto causado aos grupos indígenas com políticas assimilacionistas ao longo dessa relação estado nacional e povos indígenas.

Silva (2015, p. 100) ratifica dizendo que a proteção providenciaria pelo Estado deve considerar essa diferenciação entre povos indígenas e trabalhador rural: “Em outras palavras, a despeito de os índios terem integrado o exército de reserva de mão de obra para o capital e atualmente serem considerados cidadãos mercadoria, justifica-se a necessidade de proteção previdenciária pelo Estado, contudo não haveria como equiparar o trabalho rural desenvolvido pelos índios com aquele realizado pelos demais trabalhadores rurais, uma vez que a relação do homem com a terra caminha em lógica completamente distinta. Nesse passo, os povos indígenas resistem e caminham em sentido contrário ao da lógica capitalista de massificação e padronização, e é isso que alguns autores denominam de etnodesenvolvimento”.

Mesmo assim, conclui-se que nos parâmetros da legislação previdenciária, os indígenas foram incluídos na categoria de segurado especial e para ter acesso aos benefícios da Previdência Social deve, além da comprovação de ser indígena, tem que comprovar labutar em atividade rural ou caso labute no artesanato, deve comprovar a utilização de matéria-prima proveniente do extrativismo vegetal.

Em síntese, o que se tem é tão somente a responsabilidade de comprovar sua identidade e o tipo de atividade que exerce para que assim possa requerer benefício previdenciário na condição de segurado especial, categoria essa que pode ser também concedida provando apenas o labor rural sem levar em consideração a sua identidade indígena.

Os indígenas não possuem previsão expressa na Lei de benefícios nº 8.213 de 1991, tendo somente sua equiparação a segurado especial prevista pela IN 77 do INSS, cabendo-lhe, através de declaração da Funai, comprovar que é indígena, e além disso demonstrar sua atividade rurícola, extrativista ou artesã.

“A inclusão dos indígenas como segurado especial lhe isenta de outras obrigações”

Para o INSS, não importa, no entanto, para fins de enquadramento como segurado especial, as definições de indígena aldeado, não aldeado, integrado, isolado ou em integração, para fins previdenciários basta a comprovação da identidade étnica e a atividade laboral desenvolvida, rural, extrativismo ou artesão.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988;

BRASIL. Lei nº 6.001, de 19 de dez. 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Diário Oficial, Brasília, 21 de dez. 1973

AMADO, Frederico. Direito Previdenciário: coleção sinopses para concursos. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2012.

SILVA, Antônio Pedro Ferreira da. O Enquadramento Previdenciário do Índio No Brasil: Análise da sua qualidade de segurado numa perspectiva crítica à luz da cidadania social. Dissertação de Mestrado em Direito. Programa de Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania. Universidade Católica do Salvador. Salvador/BA: 2015

Joniel Abreu
Joniel Abreu

Advogado militante. Especialista em Ciências Sociais e em Direito pela UFPA. Mestre em Educação pela UFPA. Doutorando em Direito pelo PPGD-UNESA/RJ. Professor na Graduação e Pós-Graduação de cursos de Direito. E-mail: jonielabreu@hotmail.com.

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