Depois que a celebração terminou, Judite saiu da igreja onde congregava com o sentimento de alma purificada. Afinal, e como tinha publicado nas redes sociais, ela tinha acabado de “agradecer”. Saiu do templo sorridente e satisfeita. Juntou-se às irmãs da igreja, que já estavam se direcionando para as suas casas, e ficaram conversando, enquanto caminhavam, sobre o que tinha sido tratado na celebração.
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Tudo tinha sido “uma benção”. Sentiam-se purificadas e certas de que Deus estava com elas. Tratavam-se bem e cumprimentavam de forma amigável às outras pessoas que eram vistas nas ruas, sempre seguindo as palavras que foram ouvidas na igreja. No fim das contas, estavam abençoadas.
Chegando em casa, Judite entrou e viu que não tinha nenhum movimento e já estava próximo das 11h. Na cozinha não tinha nada de almoço. Seu filho César ainda permanecia trancado no quarto, ouvindo Pink Floyd em volume alto. E aquilo irritou Judite, que imediatamente foi à porta e passou a bater forte: “Abre essa porta, moleque! Todo dia você ouve essas músicas que não são de Deus, não falam de coisas boas!”.
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César baixou o volume, abriu a porta do quarto e logo foi recebido com um tapa atrás da cabeça e outro tapa no rosto: “Vai fazer as coisas, seu preguiçoso! Eu trabalho feito uma condenada e você só de boa! Isso me deixa ‘P’ da vida!” O jovem de 16 anos, chorando, dirigiu-se à cozinha. Pegou uma vassoura e passou a limpar os cômodos da casa, um por um. E ele recordava que praticamente todos os dias recebia esses mesmos tapas, muitas vezes por razões desnecessárias.
O rapaz há um tempo que passou a gostar de rock progressivo. Tinha seus gostos e muitas influências vinham por consequência dos desprezos que recebia de sua mãe. Gostos que abominavam a sua genitora, chegando a chamá-lo de “filho do demônio”. Esse tipo de relação fazia o pequeno respeitá-la, mas sentindo bastante medo e buscando outras amizades e caminhos que o fazia sentir algum tipo de paz.
Todo final de semana, Judite o obrigava a ir à igreja, além de participar de todas as ações possíveis da instituição. Mas ele dizia não se identificar com aquele ambiente. Porém, na única vez que disse isso à sua mãe, César acabou recebendo várias lambadas de galho de cuia e outros fortes golpes que o fazia sofrer, tanto nas costas e na barriga quanto no rosto e no pescoço, além dos insultos verbais, que continham os piores palavrões possíveis. A raiva era imensa e visível no rosto maléfico e na boca suja da mulher.
Algumas horas depois, chegava ao seu quarto e fazia algumas leituras em seu livro sagrado e fazia orações. No entanto, era costume a mãe bisbilhotar o celular do rapaz, discordando de algumas amizades que ele tinha, tanto que tinha o hábito de subtrair o aparelho dele por um tempo, deixando-o incomunicável. Eram atitudes que abalavam o seu psicólogo e que eram consequentes para os gostos que ele adquiria, que para a sua mãe não eram coisas de Deus.
Coisa de Deus para ela era ir à igreja em todos os cultos que aconteciam, fazer tudo o que a igreja pedia, não agir contra, não ter uma opinião diferente ao que era ensinado da religião e ser inteiramente obediente. As “coisas mundanas” deveriam que ser ignoradas. E tinha sempre que respeitar, seguindo cegamente tudo o que a instituição religiosa dizia, sendo dispensável qualquer pensamento que discordasse de algo.
César sofria bastante com isso. Sentia-se preso, sentia-se monitorado e via distante toda liberdade que ele tanto desejava. Queria pelo menos que sua mãe o ouvisse, que soubesse dialogar com ele e que ambos se entendessem nas diferentes formas de pensamento e de comportamento. Mas Judite não queria saber. Ela não admitia ser corrigida e não aceitava se humilhar diante de um “moleque”. Em casa era uma guerra, na igreja era uma santidade. O jovem sentia-se sufocado. Tinha que tomar alguma atitude. O que fazer? O que decidir?
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As lágrimas eram frequentes. Os medos eram muitos. Pouco dormia e praticamente não sonhava. A vida já não era um sonho, mas uma dura realidade. Passou a se trancar mais no seu quarto. Não podia conversar com ninguém, pois além de não sair de casa, não tinha o celular. Numa casa onde moravam somente os dois, o vazio do espaço ocupou também a sua mente e o seu coração. Esse relacionamento complicado não tinha pouco tempo. Não era recente. Há muito tempo que já acontecia, desde que ele era uma criança.
Certo dia, quando voltava da igreja, Judite já entrou em casa enfurecida, gritando e ameaçando seu filho, como sempre fez. Bateu na porta do quarto, mas não foi atendida. Insistiu em bater, porém, não obteve resposta. Estranhando tamanho silêncio, foi buscar uma cópia da chave que tinha guardado. Abrindo com rapidez, viu uma imagem aterrorizante. Ajoelhou-se sobre o chão com violência e passou a mão no rosto depois que viu seu filho, que naquela manhã tinha se enforcado.

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