Governo Lula, mercado e responsabilidade social. Por Felipe Bandeira

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Governo Lula, mercado e responsabilidade social. Por Felipe Bandeira
Lula: mercado ficou alvoroçado com um recente discurso do presidente eleito. Foto: Reprodução

O mercado aparentemente está em alvoroço desde a última quarta-feira (09/11). O dólar disparou 4,10%, o Índice Bovespa caiu em 4,17% e a inflação voltou a subir em 0,59% após a ressaca do pós-eleição.

Um dos motivos de tamanho alvoroço foi uma declaração emocionada do presidente Lula para a equipe de transição de governo, afirmando que “algumas coisas encaradas como gasto nesse país vão passar a ser vistas como investimentos”. “Por que as pessoas são levadas a sofrer para garantir a tal da responsabilidade fiscal nesse país?”.

Muitos investidores interpretaram a fala do presidente como um sinal de desobediência aos marcos fiscais do país, qual seja a garantia de superávits primários independente da situação e contexto social do país.

Esta ideia passou a gozar de grande prestígio nos últimos anos, sobretudo com a ofensiva neoliberal após o impeachment de Dilma e a escalada autoritária de Bolsonaro.

Em relação ao mantra fiscal, dois marcos regulatórios são importantes para entender este processo: o primeiro é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em 2000 e, a segunda, a Emenda Constitucional 95 (a Lei do Teto dos Gastos), aprovada em 2016.

Ambas as legislações tratam dos “parâmetros” do gasto público. A LRF busca preservar situação fiscal dos entres federativos tomando como base a ideia de que o governo, a partir dos seus balanços anuais, não pode gastar mais do que arrecada.

Já o Teto dos Gastos (EC 95/2016), estabelece limites para os gastos federais equivalente à despesa de 2016, corrigida apenas pela inflação. Por ser rígida e amordaçar a capacidade de planejamento do país, o governo aprovou uma nova Emenda Constitucional (EC 23/2021), conhecida como PEC dos Precatórios, que criou mudanças no cálculo do Teto dos gastos para acomodar os pagamentos do Auxílio Brasil.

O novo dispositivo corrige o teto pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária, com base no período de janeiro a dezembro. Anteriormente, era utilizado o IPCA para o período de 12 meses encerrando em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.

Mesmo com o pequeno espaço produzido no orçamento, devido ao ajuste do índice de correção dos gastos, ainda assim, essa regra fiscal se mostra danosa e draconiana para o futuro do país, pois engessa a capacidade do governo de produzir políticas anticíclicas.

Em outras palavras, quando o desemprego está alto, os índices de pobreza alarmante, a mortalidade infantil crescente, o desemprego alto e os investimentos estagnados, o Estado pode utilizar sua capacidade de intervir na economia, produzindo políticas públicas de expansão dos investimentos, transferência de renda e incentivo à formalização dos postos de trabalho.

Isso significa que o Estado está aumentando seus gastos e, em alguns casos, produzindo déficits nas contas públicas, ou seja, gastando mais do que arrecada. Déficits orçamentários, de fato, aumentam a dívida pública, mas estas podem ser administradas.

Aliás, o principal fator de aumento da dívida pública não é necessariamente o déficit público, mas as políticas de juros altas que produzem um crescimento de exponencial dessas dívidas.

Mas não podemos ser ingênuos de achar que um país como o Brasil, dependente dos capitais e mercados estrangeiros, pode manter indefinidamente uma política contínua de déficit público.

O Estado, através do Governo Lula, pode alterar sua atuação na economia.

E é aqui que reside o ponto central da questão: quando a economia está estagnada, o Estado pode expandir os gastos públicos e até produzir déficits orçamentários. Isto ajudará a corrigir o ciclo econômico recessivo, aumentará a taxa de investimento e reduzirá o desemprego.

Após a recuperação da economia, com a retomada do consumo das famílias e do aumento do investimento privado, o Estado pode alterar sua atuação, reduzindo os gastos e produzir superávits orçamentários, controlando e administrando o crescimento e abatimento da dívida pública.

Todos os países desenvolvidos fizeram e fazem isso. Déficit público não é necessariamente ruim e parar de criminalizá-lo é um caminho importante para construir um país mais igualitário e socialmente justo.

Dito isso, impressiona a sensibilidade do mercado financeiro ao discurso de Lula, pois expressam, na verdade, uma insensibilidade com as pessoas. Essas movimentações são parte de um arranjo político onde a necropolítica faz da gestão da morte e do caos sociais um ativo de expansão da riqueza de uma minoria.

É bom lembra que o Ibovespa, o principal índice da Bolsa de Valores do Brasil, alcançou recorde de valorização no ano de 2020 e, bateu novamente esse recorde, em junho de 2021 (130.776 pontos), quando o país passava por um dos piores momentos da pandemia.

Portanto, é hora de constituir uma perspectiva humanista da economia e da sociedade brasileira. Não é possível naturalizar as filas dos ossos, leitos de hospitais cheios e sucateados, crianças famintas, desempregados desesperados e subempregados exaustos.

Qual o custo dessa situação para o país? Por que o Estado não pode direcionar recursos para essas pessoas? 

Estamos vivendo um caos social e é chegada a hora dos pobres terem voz e vez no orçamento. Essa é que deveria ser a regra de ouro da política fiscal do país.   

Felipe Bandeira
Felipe Bandeira

Professor do curso de Administração da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp (Universidade de Campinas). Escreve regularmente no JC.

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