Quem são as pessoas que podem definir as eleições no 2º turno? Por Felipe Bandeira

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Quem são as pessoas que podem definir as eleições no 2º turno? Por Felipe Bandeira

Essa é a grande pergunta que Lula, Bolsonaro e a maior parte da sociedade brasileira estão se fazendo no momento. Uma resposta exata é impossível, mas uma análise do perfil dos eleitores e de seu comportamento eleitoral nos dá boas pistas para respondê-la.

Para início de conversa, é preciso considerar que as atuais eleições se dão em um processo marcado por forte polarização. Nesse cenário, os votos decisivos se encontram nas margens.

Vamos partir dos fatos para depois construir as especulações.

Bolsonaro foi o grande responsável pela renovação da direita no país[2], dando-lhe não somente uma referência carismática e uma identidade coesa, mas também um programa político assertivo.

O bolsonarismo foi um fenômeno surgido a partir de 2018 e desde então tem sido o caminho pelo qual se expressam as profundas contradições da sociedade brasileira.

Ele serviu de referência para os grupos que atacam os avanços democráticos e enaltecem o passado autoritário, servindo de âncora para cristãos conservadores, além de arregimentar apoio de milicianos, grileiros, mineradores e grandes proprietários de terra.

Esses grupos fazem parte do núcleo duro do bolsonarismo e impressionam pela capacidade de coesão de interesses. Sua unidade se dá por uma espécie de culto personalista, embebido por discursos “pseudo-nacionalista” e pela ódio aos grupos mais vulnerabilizados (campesinos, negros, indígenas, quilombolas, LGBTQIA+, mulheres etc).

A engrenagem ideológica do bolsonarismo começa com a adesão à figura de Bolsonaro. Esta é praticamente a carta programática da nova direita no país. Não à toa que “ser o candidato do Bolsonaro” foi o slogan de maior sucesso dos políticos conservadores, muitos dos quais, eleitos com expressiva quantidade de votos.

O PL (Partido Liberal), partido de Bolsonaro, elegeu 99 parlamentares, formando a maior bancada para a Câmara dos Deputados. A legenda também obteve a maior bancada no Senado, com 14 parlamentares. Além disso, dos 15 governadores eleito no primeiro turno, seis apoiam Lula (RN, CE, PI, AP, MA e PA) e oito Bolsonaro (RJ, DF, PR, MT, AC, GO, RR, MG).

Esse resultado produziu um congresso ainda mais conservador, com aumento do peso dos evangélicos e militares, embora as federações do PT- PCdoB – PV e Psol – Rede também tenham crescido.  Esse cenário impressionou boa parte da opinião pública, pois a “onda bolsonarista” não foi mensurada corretamente pelas pesquisas eleitorais, que apontavam um desempenho mais fraco.

Muitas são as explicações. De acordo com o cientista político Jairo Nicolau[3], o erro de mensuração das intenções de voto pode ter sido ocasionado pela defasagem da base populacional de referência (Censo de 2010), ou pelo enviesamento da amostra provocado pelos bolsonaristas avessos às pesquisas eleitorais, recusando-se em respondê-las, além da falta do uso de métodos qualitativos associados aos métodos quantitativos.

Segundo o IPEC, a discrepância das pesquisas foi produzida pelo voto útil nas vésperas da eleição. De toda forma, é razoável supor que não somente as intenções de votos estavam enviesadas, mas também a rejeição dos candidatos, o que embaralha a situação no segundo turno.

É preciso assinalar, no entanto, que não estamos às cegas, pois o primeiro turno nos deu uma dimensão mais exata do tamanho do bolsonarismo. Se, por um lado, o bolsonarismo impressionou pelo seu real tamanho, por outro, é preciso considerar que este demonstrou tudo o que podia. Isso porque seus eleitores supunham estar muito atrás nas pesquisas.

Obviamente que o segundo turno impõe novas dinâmicas, mas o ponto de partida da disputa é resultado do primeiro turno. Sob este aspecto, embora a distância entre os candidatos tenha sido menor que o esperado, não é nada desprezível os mais de 6 milhões de votos em Lula, que terminou o pleito com 48,43% dos votos contra 43,20% do Bolsonaro.

Essa diferença veio do Norte, Nordeste e algumas capitais do Sul e Sudeste, como São Paulo e Porto Alegre, onde Lula obteve a maioria dos votos. Por outro lado, considerando os estados do Sul, Sudeste e do Centro-Oeste, onde Bolsonaro obteve a maior porcentagem de votos, a presença de Lula é mais equilibrada e significativa do que a de Bolsonaro no Nordeste, embora este recupere certo equilíbrio no Norte[4].

As posições dos candidatos em cada estado e região conformam tendências que dificilmente serão revertidas, mas que podem produzir mudanças nas margens. Lula emplacou uma vitória em 24% dos municípios que votaram majoritariamente em Bolsonaro em 2018. Isso significa que ele reverteu os votos em 684 municípios. Outros 2% que haviam votado majoritariamente em Bolsonaro em 2018, deram vitória a Ciro em 2022. No total, Bolsonaro perdeu espaço em 796 municípios, que produziu uma queda de 2,8% dos votos válidos em relação a eleição de 2018.

Pensando na guerra de posição, Bolsonaro deverá concentrar suas forças no Sudeste, com destaque para o estado do Rio de Janeiro e o interior de São Paulo, onde saiu vitorioso no primeiro turno. Em Minas Gerais, o único estado do sudeste onde Lula obteve a maioria dos votos, Bolsonaro aposta no apoio de Zema, governador eleito no primeiro turno. 

Esses movimentos tornam a disputa do segundo turno ainda mais acirrada. Com as devidas ressalvas, a última pesquisa do IPEC divulgada no dia 5 de outubro, indica Lula com 51% das intenções de voto válidos e Bolsonaro com 43%. Embora as pesquisas de primeiro turno tenham saído desacreditadas, esses números, ponderado com os resultados do dia 2 de outubro, permitem ao menos considerar o desempenho de Lula, que continua à frente na corrida presidencial. 

Uma batalha voto a voto

O segundo turno das eleições presidenciais de 2022 é o mais polarizado desde a primeira eleição direta para presidente após abertura democrática, em 1989. Lula e Bolsonaro protagonizam uma disputa que expressa as desigualdades regionais e divisão social de um país em crise.

Para esse segundo turno, vale a máxima “dois candidatos, dois projetos de país”. Lula e Bolsonaro disputam não somente o futuro dos próximos quatro anos, mas as bases políticas, econômicas e sociais de um novo período que se abre na história nacional. 

Neste cenário dramático, os embates por votos assumem feições de uma guerra de posição. Já sabemos, pelo resultado do primeiro turno, que os eleitores convictos de Lula e Bolsonaro somam 108,3 milhões de pessoas (57.259.504 com Lula e 51.072.345 com Bolsonaro). Esses eleitores dificilmente mudarão seu voto.

Portanto, os maiores embates se darão em torno dos eleitores que no primeiro turno optaram pela terceira via. Juntos, Ciro Gomes, Simone Tebet e outros candidatos receberam cerca de 8,4% dos votos válidos.

A distribuição desses votos será decisiva no segundo turno. O apoio de Ciro e Tebet à Lula representa uma boa sinalização e fortalece a candidatura do petista. Mas a transferência de votos não é direta e nem tão simples assim. Ela vai depender do empenho e participação na campanha destes apoiadores e da abertura de diálogo com suas bases, para os quais, certamente são interlocutores privilegiados.   

A transferência de votos dependerá ainda do tamanho do antibolsonarismo e do antipetismo alimentado por aqueles que buscaram a terceira via. É possível mensurar isso ao analisar de forma mais qualificada o comportamento desses eleitores, para os quais as próximas pesquisas eleitorais serão fundamentais.

Por sua vez, tomando como base o recorte por grupos específicos, os evangélicos representam um setor importante na disputa eleitoral. Nesse grupo, observa-se tendências de fanatismo e posições extremadas que instigam reações agressivas. Jair Bolsonaro tem utilizado esta estratégia para mobilizar a comunidade evangélica numa cruzada contra uma suposta ameaça comunista que fecharia as igrejas e destruiria suas crenças e costumes.

Como já observado em eleições anteriores, esse tipo de atitude amplifica posturas fundamentalistas e fortalecem o bolsonarismo. Mas, embora muitos líderes religiosos e pastores compactuem com essa política, grande parte da comunidade evangélica está aberta às ideias de tolerância e respeito. É direcionado a esse público que Lula mira expandir sua zona de influência.

Para os cristãos comprometidos com o propósito social do evangelho, o enfretamento com os religiosos conservadores será decisivo. Além do combate à onda de ódio alimentada por muitas igrejas, o sucesso dessa tarefa passa também pela superação do sentimento antipetista na comunidade evangélica, que poderá ser diminuída com a mobilização de cristãos dispostos a levar adiante essa batalha.

As mulheres constituem outro grupo importante nessas eleições, pois representam 52,6% do eleitorado apto a votar (cerca de 82,3 milhões). Neste público em particular, Bolsonaro possui a maior rejeição.

Obviamente que as mulheres constituem um grupo heterogêneo, atravessado por questões de classe, raça e, como podemos observar no mapa das eleições, por questões regionais. De todo modo, no cômputo geral, é possível assinalar que o voto das mulheres é majoritariamente destinado a Lula. Desde o primeiro turno, Bolsonaro vem tentando reduzir essa diferença com uma forte campanha destinada ao público feminino.

Ao que tudo indica, o voto feminino pode ser decisivo na escolha do novo presidente. Incluir pautas mais específicas para as mulheres fortalece a campanha de Lula e garante maior coesão, sobretudo junto das mulheres negras empobrecidas.

Isto, por sua vez, aponta para uma trincheira mais ampla: os votos por região. Nas regiões Norte e Nordeste, bem como no Sul e Centro-Oeste, considero mais desenhado os votos de Lula e Bolsonaro, embora nessas regiões a guerra também seja visceral. Mas com as devidas ressalvas, o Sudeste se apresenta como um dos campos de batalhas mais emblemáticos do segundo turno.

Lula e Bolsonaro: 2 projetos políticos diferentes. Foto: Reprodução

Bolsonaro afirmou que o Sudeste se consolidará como uma região bolsonarista, apostando no apoio dos governados de Minas e do Rio, além do seu candidato, Tarcísio, que disputa o governo de São Paulo. A campanha de Fernando Haddad para o governo, nesse sentido, assume um caráter fundamental. Um bom resultado do PT em São Paulo permite reduzir a margem de diferença do voto bolsonarista no estado e impacta positivamente toda a região.

Para equacionar esse quadro, além de intensificar a campanha de rua e agitar a militância, a campanha de Lula deverá ampliar seu palanque e arregimentar o maior número de apoiadores possível.

O desafio de Lula é aumentar sua capilaridade e chegar em mais pessoas, conquistando mais votos e contornando o sentimento antipetista. A inclusão de propostas e projetos da terceira via torna mais propenso o voto útil no Lula. 

Em uma sociedade dividida, a construção de uma maioria social nas eleições vai depender das estratégias, programas e práticas de inclusão de grupos que, por quaisquer que sejam os motivos, sentiram-se apartados e distante dos projetos políticos em questão.

É hora de construir pontes, abrir dialogo e incorporar pautas de setores críticos ao Lula, mas que entendem a necessidade de elegê-lo presidente do Brasil. 


[2] Bolsonaro não é exatamente uma cara nova na política brasileira. Na verdade, ele passou a maior parte da sua vida política apagado e atacando a esquerda. Ele foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro em 1991 e, desde então, foi reeleito até o dia 1 de janeiro de 2019, quando renunciou ao mandato de deputado para assumir a cadeira de presidente da República. Diante dessa trajetória sui generes é uma questão fundamental compreender os caminhos que levaram a ascensão de Bolsonaro e do bolsonarismo. Para uma análise mais detida da questão, recomendo o excelente livro. AVRITZER, Leonardo. Política e Antipolítica: a crise do governo Bolsonaro. São Paulo: editora Todavia, 2020. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5556016/mod_resource/content/1/Avritzer%2C%20Leonardo%20%282020%29.%20Pol%C3%ADtica%20e%20antipol%C3%ADtica-%20a%20crise%20do%20governo%20Bolsonaro.S%C3%A3o%20Paulo-%20Todavia.pdf

[3] https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2022/10/03/%E2%80%98O-bolsonarismo-vitorioso-em-2022-%C3%A9-muito-mais-potente%E2%80%99

[4] https://www.nexojornal.com.br/grafico/2022/10/03/Resultado-das-elei%C3%A7%C3%B5es-presidenciais-de-2022-por-munic%C3%ADpio

Além das devidas referências, segue o link para acesso integral dos textos.

AVRITZER, Leonardo. Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política. São Paulo: editora Autêntica, 2021. https://issuu.com/grupoautentica/docs/governo_bolsonaro

NICOLAU, Jairo. O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. São Paulo: Zahar Editora, 2020. https://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/8487

Felipe Bandeira
Felipe Bandeira

Professor do curso de Administração da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) e doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp (Universidade de Campinas). Escreve regularmente no JC.


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