Como era o mundo no ano da fundação de Santarém. Por Silvan Cardoso

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Como era o mundo no ano da fundação de Santarém. Por Silvan Cardoso
Década de 1930. O primeiro aeroporto de Santarém, em frente à igreja de N.S. da Conceição (matriz). Arquivo: Ignácio Ubirajara Bentes

Antes de existir Santarém, eram os indígenas tupaius (ou tapaiós ou topaiós, posteriormente tapajós), que habitavam nas áreas da atual cidade. Segundo a historiadora Terezinha Amorim, a taba desses nativos ficava onde hoje é a praça Rodrigues dos Santos, no bairro Centro.

Sabemos muito bem – ou pelo menos ouvimos falar – sobre o primeiro contato europeu com os tupaius sob a liderança do lendário indígena Nurandaluguaburabara, em 1542, quando os companheiros do explorador espanhol Francisco de Orellana saquearam as plantações, como consta no livro “Santarém: Momentos históricos”, de Wilde Dias da Fonseca.

Assim como sabemos da missão liderada pelo capitão português Pedro Teixeira, de 1626, ao explorar o rio Tapajós, junto de “vinte e seis soldados e vários indígenas mansos”, que foram à taba dos tupaius negociar compras de produtos silvícolas e de prisioneiros de guerra para que fossem escravizados, episódio de onde Pedro Teixeira seria intitulado como o “descobridor do rio Tapajós”.

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Porém, o episódio mais famoso sobre a Santarém no século XVII é da sua fundação, ocorrida mais tarde, no dia 22 de junho de 1661, quando o jovem padre luxemburguês Johannes Philippus Bettenderff, aportuguesado para João Felipe Bettendorff, de apenas 35 anos, obedeceu ao chamado do seu superior na região, padre português Antônio Vieira, para instalar uma missão no rio Tapajós.

Mas quem parou pra pensar como era o mundo em 1661, quando a aldeia dos tupaius ainda estava dando os seus primeiros passos para o que seria, quase um século depois, a vila de Santarém, elevada em 14 de março de 1758, e à categoria de cidade, em 24 de outubro de 1848, de acordo com consagrado livro “Tupaiulândia”, do historiador Paulo Rodrigues dos Santos?

Em 1661, o Brasil ainda não era um país, mas sim uma colônia de Portugal. O Brasil ainda não tinha autonomia e era subordinado pelos lusitanos. Quem governava Portugal na época era o rei Afonso VI. Mas como o monarca não podia ir ao Brasil para organizar e fiscalizar a imensa área ao mesmo tempo em que governava seu país, foi preciso nomear uma pessoa que fosse responsável para administrar a colônia.

Na época, o rei nomeava um governador-geral para tomar conta do lugar. Quando Santarém foi fundada, o capitão-mor Francisco Barreto de Meneses era o governador-geral do Brasil. Era ele que tomava conta da imensa colônia. Anos antes de ser nomeado, Barreto de Meneses havia atuado na Insurreição Pernambucana, na Guerra da Restauração e na Batalha dos Guararapes.

Além disso, o mapa brasileiro era muito diferente. Hoje contando com 26 estados mais o Distrito Federal, o Brasil colônia de 1661 ainda era dividido pelas capitanias hereditárias, como as capitanias do Grão-Pará, Maranhão, Pernambuco, Baía de Todos os Santos, Paraguaçu, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Itanhaém e São Vicente.

Mas nessa época, uma parte do Brasil não era brasileira. Isso mesmo que você leu: um território do Brasil pertencia à Holanda, ou melhor dizendo, aos Países Baixos.

Curiosamente, no ano que Santarém foi fundada, havia sido assinado o Tratado de Haia, firmando paz entre Portugal e a então República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, hoje chamado apenas de Países Baixos, erroneamente conhecido como Holanda. Com esse tratado, os neerlandeses devolveriam formalmente as terras brasileiras para Portugal.

Para entender melhor, em 1630 o militar neerlandês Hendrick Lonk, com uma frota de 67 navios, havia conquistado uma área brasileira que abrangia sete capitanias, onde hoje é parte da região do Nordeste, criando posteriormente as cidades de Mauritsstad (hoje Recife), Frederikstad (hoje João Pessoa) e Nieuw Amsterdam (hoje Natal), transformando a área numa colônia holandesa do Brasil, chamada de Nova Holanda.

Johan Maurits van Nassau-Siegen, conhecido como Maurício de Nassau, governou a Nova Holanda de 1637 a 1643, contribuindo de forma significativa para um período de prosperidade cultural, econômica e de liberdade religiosa, numa colônia que obrigatoriamente era católica. A Nova Holanda, porém, teve fim com a assinatura do Tratado de Haia em 1661.

No ano da fundação de Santarém, quem governava o Grão-Pará era um capitão-mor. O Brasil tinha 161 anos depois da conquista da frota de Pedro Álvares Cabral e o município de Belém tinha apenas 45 anos de fundação. São Vicente, a cidade mais antiga do Brasil, tinha na época 129 anos de fundação. A capital brasileira ainda era Salvador.

Quando Bettendorff instalou a missão no Tapajós, os Estados Unidos não existiam e as monarquias absolutistas tomavam conta do cenário europeu. O papa era Alexandre VII, que apoiou ativamente os trabalhos dos padres jesuítas. O rei da Inglaterra era Charles I. Na Espanha, Filipe IV governava, assim como o Japão era governado pelo imperador Go-Sai e a China pelo imperador Kangxi.

Em 1661, o capitão Giorgio Morosini havia quebrado um bloqueio otomano e depois derrotou a frota inimiga ao largo de Milos, na chamada Guerra de Creta, que seria finalizada com a vitória otomana anos mais tarde.

Estátua de Bettendorf no marco zero. Foto: Silvan Cardoso/JC

Quando Santarém foi fundada, já estava acontecendo a Guerra dos 335 anos, conhecido como o conflito mais longo e mais pacífico da história da humanidade, protagonizada pela então República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, hoje Países Baixos, e pelas Ilhas Scilly, do Reino Unido. Esse conflito teria a paz declarada em 1986, com Santarém já celebrando 325 anos de fundação.

Outra curiosidade era Cristóvão Vieira Ravasco, que tinha nascido na cidade de Santarém de Portugal em 1576. Seria o seu filho, padre Antônio Vieira, que encaminharia o padre João Felipe Bettendorff para instalar a missão Tapajós, futura cidade de Santarém do Brasil.

Nesse tempo, o continente africano vivia a intensidade do tráfico de pessoas escravizadas promovido pelos europeus, incluindo os portugueses, neerlandeses e ingleses. A área da atual Oceania ainda estava sendo explorada aos poucos, sendo somente no ano de 1770 que o explorador James Cook tomaria posse da Austrália. Já a Antártida ainda não havia sido conquistada e nem ilustrava os mapas existentes na época.

No ano de sua fundação, Santarém vivia um mundo bastante diferente do atual. De lá pra cá, ao longo de 364 anos, grandes transformações aconteceram no Brasil e em todos os outros países que já existiam, naqueles que deixaram de existir e nos que surgiriam com o passar dos séculos.

Santarém é uma cidade que se tornou um importante e estratégico centro comercial na Amazônia, tornando-se rota entre as capitais Belém e Manaus, além de possuir um potencial turístico e cultural reconhecido internacionalmente, regada de histórias e que contribui significativamente para o desenvolvimento das cidades da região oeste do Pará e do Brasil.

Praça Rodrigues dos Santos, o marco zero de Santarém. Foto: Paulo Cidmil/arquivo JC

❒ Silvan Cardoso é poeta, cronista e pedagogo nascido em Alenquer, no Pará. Escreve regularmente no JC. Leia também dele: Alenquer, 143 anos: quem come seu acari não quer mais sair daqui. E ainda: Canhoto, o dono do lanche que virou point em Alenquer; vídeo.

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