
Questão levantada por Helvecio Santos em artigo neste blog, e que resultou no oportuno contraponto de Rubem Chagas, o nome correto da famosa serra de Alter do Chão é, afinal, Piroca ou Pira Oca?
Confira a opinião do professor Ormano Sousa e do jornalista Fábio Barbosa.
– Ormano Sousa:
“Piroca é uma expressão popular. E ainda que, no caso de Alter do Chão, a inspiração seja com o uso de radicais diferentes (hibridismo), pois “pira” também pode ser do grego (fogo), ocorre um fenômeno que na língua se chama assimilação. Assim, no decurso do tempo, é possível que tenha sido pira+oca, todavia, pela dinâmica da língua, chegou-se à PIROCA. Melhor assim”.
– Fábio Barbosa:
“Estamos há mais de 1 ano fazendo trilhas na região com o projeto Caminhos da Floresta, e uma das nossas maiores dúvidas nesse tempo é o nome da serra que marca a paisagem de Alter do Chão. Foi nosso primeiro destino e, na época, considerando a marcação de GPS do Google, usamos o nome “Serra Piraoca” que na definição encontrada significa “casa (oca) de peixe (pira)”.
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Este mesmo nome aparece em sites e blogs com publicações mais recentes, inclusive por um tempo divulgamos assim. Porém, como jornalista, sou inquieto com nomenclaturas e iniciei uma pesquisa sobre o tema. A primeira parada é óbvio foi consultar o Padre Sidney Canto, referência em história e membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTap).
Na conversa, mais tarde registrada no blog dele: o padre jesuíta João Daniel, na década de 1760, ao descrever a antiga Missão dos Ibirarib [sic], renomeada como Alter do Chão, depois da expulsão dos missionários, disse: “da outra banda, isto é, da parte do norte, quase fronteiro à vila um eminente pináculo muito alto, onde afirmam alguns que mostras e sinais de ouro”. Neste mesmo período, há uma descrição, feita pelo então Bispo do Pará, Dom Frei João de São José: “Na frente desta vila está um monte, que se distingue bem entre outros na altura, dificultoso de subir e redondo, não tendo em o cume mais do que o espaço de uma sala ou casa ordinária”.
Neste contexto, segundo o historiador: “os viajantes do passado mais remoto (séculos XVIII e XIX) descreveram a serra de Alter do Chão como Piroca. Gostaria de acrescentar que, depois dos primeiros estudos geológicos, como do austríaco F. Katzer (final do século XIX) vieram alguns estudos patrocinados pelo Governo do Estado, como o do brasileiro Pedro de Moura, corroborado pelo francês Paul Le Cointe (no início do século XX). Ambos confirmam ser o nome do acidente geográfico Piroca”.
E “Piroca”, segundo o dicionário nheengatu de Ermano Stradelli, significa: “pelado, depenado, descascado”. Na Grande Enciclopédia da Amazônia, do historiador paraense Carlos Roque, é descrita como “Serra que se localiza a margem direita do Rio Tapajós, próxima ao Ponto do Caruru, perto da Vila de Alter do Chão, município de Santarém, Estado do Pará (zona fisográfica do Baixo-Amazonas)”.
E para Sidney Canto: “os indígenas Borari, ao contemplar a serra, desprovida de árvores a chamavam espontaneamente de Ibitira Piroca (monte pelado, monte sem mata)”. Ou seja, a serra marcante, com 110 metros de altura, em Alter do Chão, é Piroca ou Ibitira Piroca (o que até considero mais atraente turisticamente!).
Parabéns ao professor e ao jornalista. Argumentos sem achismos. A Serra é Piroca e continuará sendo. Nada de Pira Oca. Até porque peixe mora no Rio e não em um morro.
Massa Fábio Barbosa
A resposta correta é piroca, sim. Os documentos mais antigos mostram que os nativos e moradores da região chamavam o local de Serra Piroca. Os moradores da região mais velhos sabem que falávamos e falamos Serra Piroca (Assim, como falávamos “boto vermelho”, e não boto cor de rosa, que virou moda depois de 1985, quando foi usado pelo francês Jacques Cousteau). E faz todo sentido, pois no Tupi (e hoje no Nheengatu), a palavra significa pelado, careca,. Após séculos em que os nativos usavam esta expressão, “Serra Piroca”, nos últimos anos em Alter e Santarém, alguém começou a divulgar essa versão de “pira-oca”, como se estivesse mais fiel a uma suposta raiz etimológica, e isso logo ganhou a internet e as reportagens de TV. Mas é um grande equívoco. Como poderia ser possível uma “casa dos peixes” (pira+oca) lá naquelas alturas? A tal da pira-oca é uma invenção recente e se baseia numa compreensão errada do Nheengatu. Mas, foi boa essa provocação, Jeso.