Poetas amazônicos. Bira sessentão

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Os 60 anos de Bira

Ao meu pai Ubirajara Bentes, o meu querido Bira, para relê-la na eternidade

Cerca de vinte mil sóis
e centenas e centenas de luas
já se passaram
pelos olhos castanhos deste Deus.
Milhares e milhares de hectolitros de água
navegaram em seu corpo
para que ele permanecesse limpo
todo esse tempo.
Gêneros alimentícios que supririam as necessidades
de quatro mil e trezentos homens
por quase dois meses foram absorvidos
por este santo de sessenta e três quilos.
O sono de mais de 17 mil pessoas
fora dormido por este herói
no percurso de seus sessenta anos

E ele ainda olha o sol, a lua
como se buscasse novos encantos;
toma água como um sedento
e lava-se feliz a cada banho
como se fora o primeiro.
Apesar de diabético come
com a mesma satisfação e apetite
de um faminto
e preocupado dorme ainda o sono
com a mesma tranquilidade dos netos.

Neste tempo
mais de vinte e três milhões de palavras
foram flexionadas por esses lábios
que já absorveram tantos réus
e ensejaram tantas sentenças
milhares e milhares de libras de oxigênio
vasculharam os seus pulmões
a sustentarem sua máquina biológica
o seu coração ao bombear o seu sangue
batera mais que os sinos reunidos
de toda igreja do ocidente
pelo espaço de meio século

E suas palavras tornaram-se substância
seu ar fizera-se acalanto
e seu sangue multiplicara-se
gerando hoje em outros corpos
que juntos já absorveram da existência
o quíntuplo de si

Por todo esse tempo
o seu corpo locomover-se em terra
mais que suficiente para uma viagem
de ida e volta ao nosso dourado satélite
e ocupado espaços
que dariam folgadamente para armazenar
milhões e milhões de abricós que ele tanto gosta
e toda uma produção de juta e malva
do Baixo Amazonas. E não se espante
que tenha expelido suor
que alimentaria uma roseira
até o desabrochar de suas últimas rosas
que suas mãos tenham manuseado folhas
que se transformadas em confetes
atapetariam a avenida onde mora;
que suas mãos apertaram mãos
e abraçaram corpos que unidos
de mãos dadas ocupariam todo o trajeto
da Rodovia Santarém-Cuiabá.

E ele deixara de andar
para ser andado e
de ocupar espaço materiais
pra lotar corações
seu suor transformara-se em alicerce
e a passear em seus cabelos brancos
as cálidas mãos
as mesmas que acariciaram nossa mãe
abraçavam os amigos
e nos colocavam em seu colo
ainda nos diz:
Suei e ainda suo
Mas é por vocês meus filhos.

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De Edwaldo Campos, poeta nascido em Alenquer e naturalizado santareno. O poema acima é de maio de 1973.

Maio de 1973


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