Hoje, dia 13, Oriximiná completa 146 anos: a data esquecida. Por Hamilton Souza

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Hoje, dia 13, Oriximiná completa 146 anos: a data esquecida. Por Hamilton Souza
Imagem aérea do centro histórico de Oriximiná (PA). Foto: Ádrio Denner

Hoje Oriximiná (PA) comemora 146 anos. A história oficial diz que no dia de Santo Antônio, em uma quarta-feira, 13 de junho de 1877, o Padre Nicolino teria rezado a Santa Missa em frente a uma cruz, cravada às margens do Trombetas, na comunidade Uruá-Tapera, depois de ter desbravado a mata de terçado em punho.

Por mais estranho que isso possa parecer, trata-se da versão que valida o ato político no documento de emancipação da cidade, escrito 57 anos depois, em 1934, pelo Interventor do Estado do Pará, Magalhães Barata, quando diz dar um presente aos Oriximinaenses, naquele 24 de dezembro.

No centro dessa história está o Padre Nicolino, um personagem escolhido por Barata para ser o protagonista desse enredo que viveu no século XIX, e sobre quem muito pouco se sabia sobre sua biografia.

Até que o historiador, professor Márcio Couto Henrique, da UFPA, apresentasse como resultado de suas pesquisas o trabalho de pós-doutorado intitulado O padre que nasceu índio e morreu entre os negros: mito e história, em 2008, na Universidade de Barcelona, na Espanha.

O pesquisador chama atenção para o fato da ascendência indígena do padre não ser percebida pela população, e também o fato de muitos mitos terem se proliferado no imaginário popular.

Lembro como exemplo: a igreja de ouro encantada ou os fogos de artifício imaginários vindos de lugar incerto que diziam ouvir os antigos moradores da distante região do rio Erepecuru, correlacionando os fogos ao misterioso paradeiro da igreja, na qual, segundo a lenda, o religioso teria morrido, envenenado por gases tóxicos emanados do interior na mítica capela dourada.

Há uma vasta documentação apresentada pelo professor Márcio Couto Henrique sobre a biografia do religioso, além – é claro – de minuciosa análise de seus diários de viagem à região dos Campos Gerais, a primeira em 1876, a qual alcança êxito, o que não acontece com as demais.

Na segunda viagem, em 1877, resulta fracassada, especialmente pela malária e a escassez de comida, por fim, a última viagem, em 1882, quando o próprio Padre Nicolino morre de malária, às margens do igarapé do Samaúma.

Importante frisar que – em nenhum momento do texto escrito de próprio punho – Padre Nicolino revela intenção de fundar uma cidade ou qualquer coisa equivalente.

São Manços

Aproximadamente 150 anos antes do Padre Nicolino, em 1727, outro religioso, Frei Francisco de São Manços, religioso da “Missão” que daria origem à cidade de Faro, escreve ao Rei de Portugal informando que ele havia descoberto um novo rio, no qual haviam muitas “nações” indígenas que ele havia “… rendido à vassalagem de Vossa Magestade”.

Ao rio, São Manços dá o nome de rio das Trombetas, pelo fato dos nativos utilizarem um instrumento de sopro para se comunicarem. Para os nativos, o rio em questão tinha nome, se chamava rio Oriximiná ou alguma coisa parecida com isso.

O religioso é autor do registro mais antigo que se tem notícia sobre o rio Trombetas, inclusive sobre os rios Mapuera e Cachorro. Frei Francisco de São Manços é um personagem anônimo da nossa história, trazido à luz pelo trabalho de pesquisa do antropólogo Antônio Porro.

É possível ir bem mais fundo na história e compreender a ocupação e uso do território, onde hoje se acha a cidade de Oriximiná, chegando até 13 mil anos antes do presente. É o que revela o estudo publicado pela revista Science, nos Estados Unidos em 1997, acerca do trabalho da arqueóloga Anna Roosevelt, que estuda a relação de povos ancestrais com o meio onde vivem.

Mito fundador

Interessante ressaltar a contribuição para o mundo da arqueologia e da antropologia de Frei Protásio Frikel, que viveu em Oriximiná na década de 1940 e realizou importantes estudos sobre os povos originários.

Assim, mais importante do que a idéia do “mito fundador”, a qual gira entorno do civilizador que chegou primeiro, é a compreensão de ocupação do território com os atores que compõe o tecido social em meios ao etnozoneamento que marca a presença humana e as questões de seu tempo, dentro do território de Oriximiná: indígenas acima das cachoeiras; a comunidade negra fugitiva dos horrores do regime escravista, a qual encontrou refúgio na região do Cuminá, Erepecuru e Alto Rio Trombetas, abrigada no Quilombo das Maravilhas a partir de 1850; Negros alforriados a partir de 1888, os quais receberam cidadania por meio de sobrenomes de seus ex-senhores.

Esses ocuparam a região do baixo Trombetas, entre o Curumu e o Iripixi; a comunidade européia na região do Cachoeiry, Nhamundá, Sapucuá e médio Trombetas a partir de 1900 e a comunidade nordestina na região de planalto, assentados pela política de ocupação do governo militar, a partir do final da década de 1970 e início da década de 1980 com a abertura do prolongamento da BR-163, conhecida como estrada do BEC.

O comerciante Carlos Maria Teixeira tem sua importância como protagonista na cena comercial na Uruá-Tapera; de igual maneira o tenente Leonel da Silva Fernandes, militar e político obidense que capitaneou as primeiras tentativas de emancipação política da Vila de Uruá-Tapera, além de ter comandado pessoalmente e financiado com recursos próprios as três expedições aos Campos Gerais, tendo o Padre Nicolino com capelão e escrivão da viagem, no entanto, Leonel Fernandes talvez seja o mais importante personagem invisível da história.

Em 146 anos, sem memória, o povo segue sem saber ao certo de onde veio. Pior: não se sabe para onde vai. Parabéns Oriximiná e sua data nascimento esquecida.

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Hamilton Souza

Natural de Oriximiná, vive em Belém (PA), onde atua como profissional de tecnologia da informação.


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