Acaba de tramitar no Juizado Especial Cível de Santarém (PA) um processo de reparação por supostos danos à imagem de uma psicóloga. Ela alegava ter sofrido “processo de cancelamento” nas redes sociais após efetuar postagem no Instagram com o seguinte teor: “A feminista não quer um relacionamento saudável, ela quer um capacho para pisar”, o que gerou manifestações indignadas nas redes sociais, inclusive nacionalmente.
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Na época, a postagem recebeu inúmeros comentários de internautas indignados com a ofensa ao movimento feminista. Vários foram processados civilmente pelas respostas, entre os quais, Paola Acioly (estudante), Priscila Castro (cantora) e o psicólogo Mateus Waimer, sob a alegação de que teriam liderado a “rede de cancelamento” contra a autora.
Na defesa dos 3 atuaram as advogadas feministas Jéssica Sousa, Gilmara Cabral, Bruna Sousa, Leila Paduano e Ana Charlene Negreiros. Elas sustentaram, em linhas gerais, a tese de ausência de nexo de causalidade de condutas e a liberdade de expressão diante da postagem da psicóloga, que teria provocado injustamente o movimento feminista – o que teria gerado insatisfação entre os internautas-, “não existindo, portanto, nenhuma ‘rede de cancelamento’, mas apenas manifestação proporcional a ofensa”.
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Na sentença, o juiz Gerson Marra Gomes julgou improcedente o pedido apresentado pelo escritório de Alexandre Scherer, advogado da psicóloga. “Os posts colocados pela promovente, no presente caso, são polêmicos, posto que refutam o movimento organizado e histórico do feminismo, não sendo surpresa que tenha motivado uma resistência às suas exposições”, ressaltou o magistrado.
“(…) não vi, nos autos, o alegado embasamento teórico ou a fundamentação em estudiosos do tema nas exposições da promovente [a psicóloga], tratando-se de meras publicações que remetem à celeuma do tema sem maiores digressões”, destacou Marra Gomes.
Para a advogada Jéssica Sousa, a decisão é “histórica” e “nos faz refletir sobre o papel do direito, o qual por longo do tempo perpetuou violências contra as mulheres, porém, hoje estamos construindo a história da mulheres, sendo firmada como instrumento jurídico de proteção”.
“É, portanto, uma resposta ao clamor social colocada em pauta por mulheres de todas as idades, raças, orientações e classes. Não há mais espaço para violência processual contra a mulher, nem há espaço para ofender de forma descabida um movimento tão importante para o mundo sob o falso argumento de ‘liberdade de expressão’, reforçou.
A decisão do juiz, ainda segundo a advogada, em negar o pedido da psicóloga para que o processo corresse sob sigilo, “quer dizer muitas coisas, e a principal delas é ‘não nos calarão'”.
“Ficou claro nesse processo que em momento algum nossas clientes praticaram qualquer ato de ofensa à requerente, apenas opinaram sobre o teor leviano e desconexo com a realidade que a publicação foi feita, sem nenhuma fundamentação teórica ou literária, apenas com achismos e com intuito de causar polêmica e desinformação por meio de publicações sensacionalistas na internet”, arrematou Jéssica.
O processo que tramitou livre de sigilo pode ser acessado pelo número 0806049-06.2020.8.14.0051. Após publicada a sentença, a psicóloga abriu mão do direito de recorrer, devendo o processo ser arquivado.
Parabéns às advogadas e aos processados e processadas por essa vitória na Justiça que além de demonstrar que não estamos mais no século XX, garante a liberdade de expressão, especialmente das mulheres quanto às suas lutas e construções sociais contra a misoginia e o machismo.