A crise moral e a representatividade nas eleições de 2024. Por Jorgiene Oliveira

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A crise moral e a representatividade nas eleições de 2024. Por Jorgiene Oliveira
Eleitor se aproxima da urna eletrônica para votar nas eleições de 2024. Foto: Reprodução

A crise moral na sociedade atual não é uma novidade. Vários sociólogos, filósofos e pesquisadores já apontaram essa realidade. Em meu último artigo, expressei minha expectativa pelas “novidades” do primeiro turno das eleições de 2024.

O primeiro turno passou, e realmente vieram as “novidades”. Especialistas já se pronunciaram sobre o crescimento do PSD, o encolhimento do PSDB e o PT, por exemplo.

Uma informação alarmante que não pode passar despercebida é que a cota de gênero foi descumprida em mais de 700 municípios brasileiros nas eleições de 2024. Já em Curitiba, o número de vereadoras eleitas subiu de 8 para 12, estabelecendo um novo recorde na história da casa legislativa da capital.

∎Leia também de Jorgiene Oliveira: Eleições de 2024: desafios e novidades no cenário político brasileiro.

De acordo com o portal G1, no Brasil há quatro anos, foram eleitas 9.371 mulheres (16,13% do total), enquanto no pleito do dia 6 de outubro, o Brasil votou em 10.634 candidaturas femininas (18,24%).

O portal Gênero e Número destacou que, entre os 5.457 prefeitos e prefeitas eleitos, 57% são homens cis brancos, 29% homens cis negros, 9% mulheres cis brancas e 4% mulheres cis negras. Para cada mulher negra eleita prefeita no primeiro turno, há 13 homens brancos também eleitos. No segundo turno, serão 15 mulheres cis, sendo 10 brancas e 5 negras, enquanto os homens cis somam 89: 69 brancos, 19 negros e 1 amarelo, de acordo com a suas autoidentificações.

Esses resultados evidenciam a enorme diferença na representatividade feminina e negra na política, mesmo com as mulheres representando a maioria do eleitorado de 2024, com 52% do total, somando 81.806.914 eleitoras.

Os homens correspondendo a 48%, totalizando 74.076.997 eleitores, conforme informações do TSE. Ao analisar esses dados, me surpreendi com os resultados alarmantes, mesmo em cenários de crescimento da nossa representatividade.

 O desempenho de candidatos como Ed, que obteve menos de 10% dos votos em Belém, e Daniel, que alcançou 85% em Ananindeua, também me chamaram atenção aqui no Pará. O MDB encolheu e perdeu em cidades importantes, enquanto JK do Povão esta fazendo o governador tremer no segundo turno. Por que resultados tão complexos?

Mesmo assim, minha inquietação me impedia de escrever sobre os resultados do primeiro turno, me baseando em números. Decidi revisar conceitos como ética e moral, percebi que minha inquietação fazia sentido, quando retomei esses conceitos.

Nos principais meios de comunicação, a ênfase estava nos números de vereadores e prefeitos eleitos, nos partidos que cresceram ou diminuíram. Embora os números sejam importantes, a forma como são utilizados e divulgados merece reflexão.

O que observei foi uma constante menção ao crescimento ou encolhimento de partidos, acompanhada de crises partidárias internas, em que acusações e culpados foram elencados com precisão.

Notei que os dados sobre a representatividade feminina são raramente divulgados. A disputa é sobre quem cresceu e quem encolheu, e sabemos, claro, que esses números  têm implicações para as próximas eleições.

Contudo, somos capazes de explicar qual é o projeto do partido pelo qual votamos no primeiro turno? Minha triste hipótese é que a maioria das respostas será “não”, uma vez que esta eleição foi marcada por “pessoas” e não por projetos políticos partidários.

Essa realidade reflete, em minha humilde opinião, a crise moral da sociedade contemporânea, guiada pela nova forma de “comunicação” através das redes sociais, que prolifera fake news e a cria figuras políticas como Pablo Marçal.

Sim, mas o que crise moral dessa sociedade contemporânea capitalista representa de concreto nessas eleições? Para mim, ela traz uma corrosão da solidariedade, como explica o filósofo contemporâneo Clóvis de Barros. Pois é uma sociedade que impõe conceitos de vencedores e perdedores.

E com essas imposições as consequências são claras: em um piscar de olhos, o vencedor pode se tornar um perdedor, e essa queda é vivida como uma derrota que jamais será recuperada. Além disso, a vitória ou derrota é atribuída apenas ao indivíduo, como no caso de Ed, que “perdeu sozinho” essa eleição.

Essa lógica de oposição, onde um ganha e o outro necessariamente perde dentro do jogo político, significa que só é referência quem vence. No entanto, se estivermos falando de modelo de sociedade, implementação de políticas públicas e respeito a temas como gênero, meio ambiente, saúde e educação, quem realmente perdeu neste primeiro turno não foram apenas os partidos de esquerda, mas o povo.


Jorgiene Oliveira. É doutora em Ciência Política pela UFSCAR. Faz estágio de doutoramento na Universidade Livre de Berlim. É mestra em Planejamento dos Trópicos Úmidos NAEA/UFPA, além de especialista em Gestão de Áreas Amazônicas pelo NAEA/UFOPA. E ainda: professora universitária e gestora pública atualmente.

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