Para quem quer votar com mais consciência: modelos de capitalismo em disputa. Por Válber Pires

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Para quem quer votar com mais consciência: modelos de capitalismo em disputa. Por Válber Pires
Rapaz entra na cabine de votação para exercer seu dever cívico no Brasil. Foto: reprodução

O longo resgate que faço da formação econômica do Brasil neste ensaio é para quem tem interesse em compreender de modo mais profundo o que está em jogo nestas eleições, seus reflexos para a vida prática do cidadão, para o desenvolvimento e o futuro da nação.

Num momento em que o debate eleitoral no Brasil atinge seu nível mais baixo e superficial, é necessário retomarmos algumas lições históricas, econômicas e sociológicas para compreender a importância maior do nosso voto.

Efetivamente, o que está em disputa nestas eleições não é um modelo Capitalista x Comunista de desenvolvimento, nem a disputa entre Bem x Mal, Paraíso x Inferno, Liberdade x Tirania, Corruptos x Não-Corruptos.

Na prática, o que está em disputa são dois modelos de Capitalismo: um, Neoliberal e Dependente, representado por Bolsonaro, e, outro, Socialdemocrata e Autônomo, representado por Lula.

O Capitalismo brasileiro nasceu de forma traumática no contexto da expansão do Capitalismo Mercantil Europeu do século XVI. No lastro da Acumulação Primitiva de Capital, na qual todas as formas de barbárie e violência física, moral, psicológica e cultural foram admitidas contra índios e africanos para viabilizar, justificar e legitimar um sistema de pilhagem e saque de riquezas, o modelo de capitalismo brasileiro deste período é escravocrata-colonial.

Escravocrata, porque o fundamento da produção de riquezas econômicas e de exploração destas riquezas era a mão-de-obra escrava e a relação escravista de trabalho. Colonial, porque todas as riquezas do país são entendidas como de propriedade da metrópole portuguesa e, a maior parte, apropriada por ela, em detrimento do povo que a produz.

Na metrópole, este modelo financiava a prosperidade econômica e social, na colônia, a dependência e subordinação econômica, superexploração e opressão social.

O sistema colonial era mantido através de um forte aparato de poder assentado na aliança entre os senhores de escravo do Brasil mais a burguesia mercantil e nobreza metropolitana. Esses segmentos eram os verdadeiros beneficiários do Capitalismo Escravocrata-Colonial.

Sua riqueza, seus privilégios e sua prosperidade eram financiados pela superexploração e sacrifício do trabalho, dos direitos, da vida e do bem-estar das camadas trabalhadoras, que viviam em condições de pobreza, miséria, indignidade e subumanidade.

A independência do Brasil não rompeu com a essência do modelo colonial: manteve a subordinação e pilhagem da riqueza nacional em favor, principalmente, da Inglaterra durante o século XIX e início do século XX, e, depois, dos EUA, durante a segunda metade do século XX.

Outro componente permanente deste modelo é a aliança entre alguns segmentos da elite brasileira com as elites internacionais que se beneficiam da expropriação da riqueza nacional. Por fim, a superexploração do trabalhador, evidenciada em salários aviltantes, negação de direitos, de dignidade e de possibilidade de prosperar através do trabalho.

Este modelo foi rompido por Getúlio Vargas (1930-1954), que deu início à construção de um modelo de Estado Socialdemocrata no Brasil inspirado nos modelos europeus que começaram a emergir no início do século XX e se tornaram hegemônicos após a Segunda Guerra Mundial.

Tal modelo se assentou numa aliança entre Oligarquias Agrárias dissidentes e parte da elite política, militar e, principalmente, do grande empresariado industrial brasileiro. Ele propunha o rompimento com o modelo dependente de desenvolvimento econômico herdado do período colonial e, para isso, previa: fortalecimento do capital nacional, do mercado de trabalho e consumidor nacionais, da ciência e tecnologia pátria, expansão da infraestrutura de transporte, energia e da indústria de base brasileira, afim de subsidiar a expansão industrial, do mercado de trabalho e consumo.

Este modelo foi rompido pela implantação do regime militar de 1964, que implantou no Brasil um modelo de desenvolvimento tipicamente Liberal Dependente. Ao contrário do que se pensa, os militares não romperam com a democracia por questões nacionalistas, mas exatamente o contrário: para proteger os interesses do grande capital internacional e da elite brasileira a ele associada, herdeira do modelo colonial-dependente.

Não à toa, enquanto Vargas buscou estimular o capital nacional a se desenvolver através do BNDES, os militares ofereceram incentivos fiscais e estruturais para atrair o grande capital internacional em detrimento do empresariado nacional; enquanto Vargas estimulou o desenvolvimento industrial autônomo, baseado no empresariado nacional, os militares entregaram os setores mais capitalizados, intensivos em ciência e tecnologia e lucrativos da economia às multinacionais; enquanto Vargas buscou desenvolver o mercado consumidor e de trabalho nacional, com salários dignos, os militares rebaixaram o valor dos salários do trabalhador brasileiro para favorecer às multinacionais.

O perigo maior do modelo adotado pelos militares é que ele não proporciona acumulação interna de riqueza, uma vez que as multinacionais enviam seus lucros para seus países de origem e causam o inverso da acumulação interna de riqueza: a descapitalização.

Em outros termos, os militares minaram os fundamentos do desenvolvimento econômico, que são a acumulação interna de riqueza, o fortalecimento do capital (empresariado) nacional, da indústria nacional, do mercado de trabalho, de consumo, da ciência e da tecnologia nacional. E sem desenvolvimento econômico não há desenvolvimento social e humano possível.

Pois bem. Estes dois modelos, com algumas variações, vem pautando as disputas políticas no Brasil ao longo das últimas décadas. Quando Lula/PT ascende ao poder em 2002 busca resgatar, com algumas alterações, os fundamentos do modelo varguista ou socialdemocrata de desenvolvimento do Capitalismo brasileiro.

Por isso, a aliança com o grande empresariado industrial nacional, simbolizado no vice-presidente de Lula, o mega-industrial José Alencar, e a o estímulo, através do BNDES, ao desenvolvimento dos chamados players nacionais: grandes grupos empresariais oligopolistas que poderiam não somente dominar grandes fatias do mercado nacional em suas áreas, mas, também, se tornar multinacionais para que pudessem se instalar em outros países, competir com outras indústrias multinacionais e remeter capital para o Brasil, a exemplo dos grupos JBS, Odebrecht, Vale, a própria Petrobras, entre outros.

Também buscou fortalecer o mercado de trabalho e consumidor nacional para garantir mais autonomia ao Brasil em relação aos mercados consumidores da Europa e EUA. Por isso, Lula revisou o sistema de reajuste salarial, através da Fórmula Reajuste Salarial = Inflação do ano + Média de crescimento do PIB dos últimos dois anos.

Além do mais, investiu maciçamente em educação básica e superior, ciência e tecnologia para atacar mais uma característica do capitalismo dependente brasileiro: a dependência científica e tecnológica. Ademais, investiu na modernização da malha viária nacional, a exemplo de ferrovias e pavimentação das rodovias brasileiras que estavam deterioradas.

Para derrubar o herdeiro de Getúlio Vargas, João Goulart, e devolver o controle da economia brasileira aos EUA e Europa, os militares disseminaram entre as massas obscurecidas e sem instrução econômica, histórica e política a mentira da ameaça do comunismo, da destruição da família brasileira e da corrupção desenfreada de Vargas/Goulart.

Para derrubar o modelo socialdemocrata de Lula/PT, as elites neocoloniais nacionais usaram da mesma fórmula em 2016: comunismo, deus, família, corrupção. E, para evitar o retorno deste modelo radicalizaram este argumento, introduzindo ao Deus, família e corrupção o aditivo pátria, mesmo que seja um patriotismo de goela, uma vez que, escancaradamente, entregam as maiores riquezas da nação ao grande capital dos EUA e Europa: empresas de construção civil, estaleiros, química, setor nuclear e petrolífero.

Com todos os problemas do modelo militar, estes tinham um projeto de nação que quiseram acelerar, apesar de que, por motivos óbvios de dependência econômica, científica, tecnológica, financeira e de descapitalização, este não poderia dar certo.

Temer retomou o modelo liberal dependente dos militares e este modelo foi piorado por Bolsonaro, porque o atual mandatário da nação não possui discernimento da formação econômica do país, nem um projeto claro de economia e desenvolvimento da nação.

As forças econômicas e políticas por trás de Bolsonaro são as mais selvagens e deletérias possíveis: oligarquias agrárias arredias às práticas ambientais, sociais e econômicas sustentáveis; indústria armamentista internacional; classe média preconceituosa e semiletrada; outros setores criminosos que se favorecem do afrouxamento da venda e importação de armas: milícias, traficantes de armas, traficantes de drogas; ainda, polícias e militares doutrinados e de precária formação ética e cidadã; por fim, empresários nacionais e estrangeiros do setor financeiro, industrial e comercial selvagens, que visam apenas o máximo de lucro e acumulação de riquezas sem uma contrapartida social e civilizatória de suas atividades.

Portanto, é isso que está em jogo nas atuais eleições: de um lado, um modelo Socialdemocrata Autônomo comprometido com o capital nacional, o trabalhador nacional, o mercado consumidor nacional, a ciência, a educação e a tecnologia nacional; de outro, um modelo Neoliberal Dependente, que expropria a riqueza nacional, o trabalhador nacional e destrói o mercado consumidor, a educação, a ciência e a tecnologia nacional.

O primeiro pode nos conduzir a um Estado Democrático de Direito, o segundo, a um Narco-Estado obscurantista. O que você quer para o futuro da nação?

<strong>Válber Pires</strong>
Válber Pires

É professor universitário, doutor em Sociologia, com pós-doutorado em Socioeconomia e Sustentabilidade. Escreve regularmente no JC.

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