
As empresas mineradoras do Pará, em conjunto, aplicam dezenas de milhões de reais em investimentos sociais privados (ISPs) por ano, mas investem mal e isso está associado a limitações técnicas tanto no desenho quanto no processo de implementação e avaliação destes investimentos.
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Tais limitações não são exclusividade dos recursos humanos destas empresas, mas também do quadro técnico das organizações da sociedade civil e dos próprios órgãos ambientais públicos. Destarte, profissionalizar, racionalizar este campo de investimentos é fundamental para melhorar seus retornos tanto para as comunidades que os recebem quanto para a organização empresarial.
Antes de tudo, gostaria de deixar claro que este é um artigo técnico que visa levantar este debate que considero decisivo para a conversão da atividade mineradora em efetiva indutora de desenvolvimento econômico e social. Já desenvolvi estudos de diagnóstico e avaliação de ISPs tanto para empresas mineradoras quanto para organizações da sociedade civil e conheço com razoável propriedade este campo na Amazônia.
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Dos estudos que realizei, pude constatar diversas vulnerabilidades técnicas destes investimentos associadas a fatores que considero limitações de capital humano, enquanto um capital associado à melhoria da eficiência e da produtividade das atividades sociais e econômicas.
Neste contexto, é central, primeiro, o problema da racionalização e profissionalização das equipes responsáveis pela área social das organizações mineradoras, isso porque estas são compostas, em grande medida, por profissionais que não possuem formação social técnica tanto para o processo de construção, quanto de implementação e avaliação destes investimentos.
Esta questão tem implicações no planejamento, na construção de objetivos, metas, metodologias e ações eficientes para a geração de impactos, transformações sociais efetivas e retornos sociais e econômicos diversos por meio destas atividades.
Segundo, é importante salientar que o problema da racionalização também se estende aos técnicos das organizações da sociedade civil, os quais estão muito bem empoderados de estratégias políticas e, até, jurídicas, mas possuem limitações em conhecimentos sociais técnicos.
Estas limitações ajudam a reforçar a fragilidade da racionalidade e da eficiência destes investimentos, pois carecem de subsídios científicos para envolver os stakeholders da sociedade civil de modo propositivo no desenrolar das ações, avaliar o processo de implementação e propor correções de rumo para alcançar objetivos e metas pré-definidas.
Aqui cabe uma observação: não incluo neste campo da sociedade civil apenas associações, cooperativas, sindicatos e ONGs, mas as próprias instituições de ensino superior, as quais pouco ou nada capacitam o egresso dos cursos de Ciências Sociais, Serviço Social e Economia para a realização de serviços técnicos nas áreas de ISPs e empreendimentos sociais.
Terceiro, não se pode negligenciar também que, na outra ponta deste processo, há as limitações do aparato normativo estatal que regula estas atividades, uma vez que a legislação existente dispõe de modo genérico sobre aquilo que as organizações devem perseguir com estes investimentos e até o que precisam fazer, mas não estabelecem protocolos técnicos e metodológicos de como proceder no processo de sua construção, implementação e avaliação.
Em quarto lugar, convém notar que a vulnerabilidade técnica também se reflete no desenho dos projetos de investimentos, uma vez que grande parte dos que pude conhecer e analisar apresentam frágeis fundamentos teóricos e científicos, assim como objetivos, metas e metodologias pouco claros e contemporâneos.

Aqui, é importante salientar que as empresas e equipes sociais, em sua maioria, ainda trabalham estes tipos de investimentos dentro de uma perspectiva da cultura da filantropia, que entende tais investimentos como gastos, ajuda ou, no máximo, como uma imposição, um ato compulsório voltado para administrar os conflitos com os stakeholders afetados negativamente pelos seus empreendimentos.
Há estudos científicos sérios e abrangentes que demonstram o quanto estes investimentos são lucrativos em termos de formação de capital social, humano, cultural e econômico não somente para as populações que os recebem como para as próprias organizações empresariais. Mas, estes não podem seguir uma lógica da filantropia e sim uma lógica profissional dentro daquilo que hoje se denomina de ISPs.
O conceito de ISPs – e aqui é uma quinta consideração que faço – emergiu nos anos 2000 exatamente como alternativa ao conceito de filantropia, após esta cair em descrédito por conta da corrupção que cercava a gestão dos recursos a ela destinados, da irracionalidade das ações filantrópicas e de seus resultados aquém das expectativas.
Diferentemente da filantropia, entendida como medida paliativa de gestão de problemas sociais, os ISPs buscam promover transformações ou mudanças sociais e aumentar o estoque de capital dos stakeholders envolvidos nas ações por meio da aplicação racional, planejada e controlada, em áreas de demandas sociais, de recursos econômicos, técnicos, humanos, culturais, sociais, estruturais etc.
É exatamente por isso que os ISPs seguem uma metodologia que envolve rigoroso planejamento, participação dos diversos stakeholders afetados e avaliações em três níveis: a avaliação de viabilidade, a de processo ou intermediária e a avaliação de impacto.
Nos estudos que realizei, a participação de stakeholders, que pode ser traduzida tecnicamente em modelo de governança, é mínima, pois os testes estatísticos mostram que a participação dos stakeholders não está correlacionada à construção dos projetos nem de sua execução em quase todas as áreas sociais.
Do mesmo modo, as avaliações de início ou viabilidade, intermediária e de impacto não ocorrem e, quando esta última é solicitada, sua realização é inviabilizada porque as equipes não montaram uma base de dados primários com as informações necessárias para tal fim.
O resultado desta equação se traduz de dois modos: um, em documentos, como relatórios ambientais, que deixam a desejar na qualidade técnica e que, por isso mesmo, não possibilitam obter nem um diagnóstico claro e preciso dos investimentos realizados nem, muito menos, uma avaliação dos seus retornos sociais e impactos. Deste modo, são documentos que possuem pouca serventia prática para o próprio agente público avaliar e planejar políticas e ações para os stakeholders comunitários dos empreendimentos mineradores.
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Dois, traduz-se, ainda, na percepção de pouca eficiência prática da maior parte destes investimentos, percepção alimentada, empiricamente, pela perpetuação das profundas vulnerabilidades sociais que caracterizam o antes e o depois das comunidades e populações que recebem estes investimentos.
Só uma grande empresa mineradora investiu, nos últimos dez anos no Pará e Maranhão, mais de meio bilhão nas áreas social e ambiental. Em conjunto, as diversas empresas mineradoras do Estado possuem um expressivo potencial econômico para equacionar grande parte dos problemas sociais da população paraense.
Contudo, como demonstram diversos estudos na área sociológica e econômica: somente o capital econômico é insuficiente para gerar desenvolvimento. Ele precisa estar acompanhado de capital social, humano e cultural. E é isso que presenciamos empiricamente no Pará.
Qualquer possibilidade de transformar a mineração em fator efetivo de desenvolvimento socioeconômico no Pará, portanto, passa pela racionalização e profissionalização dos seus investimentos sociais privados. Cabe ao agente público estimular este processo, já tardio, em nosso estado.
Muito Bom este artigo!
De fato, os investimentos que segundo o artigo elucida, estão sendo desperdiçados..
Temos muitos jovens saindo das Universidades Publicas nas areas de atuaçao Citadas, eu por exemplo sou um destes, e que percebo atraves da constataçao da problemática de ingerencia que, poderia estar sendo melhor direcionada, afim de gerar nao só retorno economico para as grandes mineradoras, mas tambem, ajudar o desenvolvimento e crescimento socioeconomico das demandas dos estados e municipios, e assim tbm contribuir melhor com as agendas climaticas e ambientais de emergencia neste seculo!!.
Temos pessoal formado e em formaçao, porem, excluidos destes sistemas…
Este artigo deveria servir de base para um projeto de lei estatal, é uma via de mão dupla!!
Perfeito, Allan. Realmente, esta área de investimentos sociais da mineração tem uma regulação muito superficial, feita a reboque apenas para cumprir imposições legais, mas pouco técnicas e profissionais.
Senti falta de referências neste artigo.
Danilo, você tem razão, mas explico porque não coloquei as tais referências. 1. Porque os estudos técnicos que realizei são documentos internos das empresas, sem autorização para divulgação externa. 2. Para tornar a escrita um pouco mais livre, sem o engessamento acadêmico que a torna cansativa. 3. Porque o texto tem caráter mais ensaístico e por objetivo levantar este debate. De um modo ou de outro, os relatórios de sustentabilidade das empresas são públicos e lá estão expostos os dados sobre o volume destes investimentos. Estudos sobre investimentos sociais privados também são fáceis de encontrar na internet. Abçs!