O rapazinho gostava de brincar de futebol nas ruas do bairro Bela Vista, em Alenquer (PA). Divertia-se com os amigos nas vias terra, enquanto os vizinhos assistiam das janelas, das calçadas e dos cruzamentos daquele bairro cheio de ladeiras, crateras e matos.
Eram os anos 1970 e 1980. Procurava fazer as melhores jogadas e driblava os adversários sem medo. Encarava os desafios e dominava a bola como poucos naquele bairro humilde, especialmente na rua Capitão Antônio Monteiro Nunes. Logo os seus parceiros gritavam: “Vamos, Canhotinho!”
Antonino Bentes dos Anjos nasceu em Alenquer no dia 19 de junho de 1968. Era o quarto de cinco filhos de dona Cecília Bentes dos Anjos. E desde criança já era chamado de “Canhoto” por um motivo óbvio: o esquerdo é o lado dominante dos seus membros.
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Mas Canhoto não se tornou jogador de futebol profissional. Jogar bola era a sua brincadeira preferida de infância, mas não se imaginava como um atleta. Sempre que tinha a oportunidade, aproveitava o máximo dessa fase da vida para se divertir, pois os desafios seriam longos com o passar do tempo.
Um desses desafios foi ter que viver sem a presença do pai, que nunca o assumiu. Dona Cecília trabalhou muito para criar os seus filhos. Trabalhou durante longo tempo no Hotel do Ciro, na rua da frente de Alenquer, no bairro Centro.
Sua mãe até tentou de várias formas torná-lo destro, mas não teve jeito. Precisou aceitar que ele usasse o lado esquerdo como dominante, em tempos que ser canhoto não era bem visto na sociedade. Seu “jeito diferente” era criticado, mas ele não ligava tanto assim. Afinal de contas, já tinha aprendido que um lado dominante diferente dos outros não definiria caráter.
Apesar da vida humilde, o jovem Antonino deu valor aos seus estudos. Estudou da 1ª à 4ª série na escola estadual Maria Valmont. Da 5ª série do ensino fundamental até a conclusão do ensino médio estudou na escola Santo Antônio.
Paralelo aos estudos foi vendedor de geladinho, de pão de milho, de pastel, entre outras iguarias, nas ruas alenquerenses. Era dona Cecília quem preparava essas iguarias para que ele fosse se lançar às ruas para ganhar um dinheiro e, assim, ajudar na renda da família. Mas assim como ele vendia, o jovem também observava a sua mãe produzindo os alimentos e também aprendia a fazer os alimentos.
Vendeu as iguarias até os 16 anos de idade. Depois disso, e concluindo o ensino básico, Canhoto se alistou e foi servir o Exército. Atuou durante um ano no 8º Batalhão de Engenharia e Construção (8º BEC). Percebendo que isso não era algo que ele queria para a sua vida, deu baixa.
Retornando a Alenquer, tornou-se cambista, trabalhando com jogo do bicho. Era a sua fonte de renda até então, além de se tornar muito importante para a sua permanência na cidade, fazendo-o sobreviver diante das dificuldades de se conseguir um bom emprego e ter um bom salário.
Por saber cozinhar e preparar lanches, Canhoto teve a ideia de vender lanches. Era início dos anos de 1990. Na praça Tancredo Neves, na orla da cidade, de frente para a travessa Sete de Setembro, já tinha um lanche, que pertencia a um senhor conhecido como Quita, que comprara de outro profissional da área, chamado Edison.
Canhoto alugou o ponto e passou a vender seus lanches na praça. Era o único vendedor de sanduíches e hambúrgueres na principal praça de Alenquer. O primeiro nome da sua lanchonete era “Lanche do Quita”. Mas depois que Canhoto assumiu, batizou com o nome “Tucanos Lanches”, em homenagem ao seu amigo Karin Simões, devido ao seu nariz avantajado.
Identificou-se tanto com o lugar que fez questão de negociar para comprá-lo. Todos os meses, além de pagar a mensalidade do aluguel, ele também dava uma parcela da compra da lanchonete. Percebia que aquele empreendimento seria o ideal para dar continuidade aos seus projetos de vida.
Tempos depois, mudou novamente o nome da lanchonete: Lanche do Canhoto. O nome que perdura até os dias atuais e que se tornou uma denominação icônica na cidade. Um nome que ano a ano foi se tornando uma referência em Alenquer, especialmente na frente da cidade. Um dos points na então praça Tancredo Neves.
Canhoto ainda tem três filhos: dois homens e uma mulher. Seu primeiro filho veio de um relacionamento breve. Posteriormente, juntou-se a uma mulher com quem teve o segundo. A filha veio de outro relacionamento.
Atualmente, Canhoto é morador do bairro Aningal. Tornou-se uma figura importante no ramo alimentício alenquerense. Comprou a lanchonete e nunca mais saiu de lá. O Lanche do Canhoto ganhou fama inquestionável e merecida. Um espaço existente há três décadas e que foi se tornando testemunha ocular das recentes gerações ximangas.
Canhoto testemunhou a praça Tancredo Neves deixar de existir e viu construírem a praça João Tito Alves de Souza. Viu a avenida Getúlio Vargas ser rebatizada de avenida Benedicto Monteiro. Viu o surgimento – assim como a decadência – de vários empreendimentos no logradouro. Inúmeros foram os personagens que frequentaram o seus espaço. Incontáveis foram as enchentes do Rio Surubiú que invadiram a primeira rua de Alenquer e que Canhoto precisou se adaptar para continuar a sua saga.
Em conversa com a professora Estelita Garcia sobre a lanchonete, ela questionou: “Quantas e quantas pessoas passaram por lá? Quantos acontecimentos ele testemunhou?” Continuando o questionamento, quantas pessoas que, trabalhando com ele, aprenderam a fazer um lanche ou mesmo usaram essa atividade, nem que por pouco tempo, como uma lazer ou forma de sobrevivência?
Canhoto é hoje o personagem mais famoso em Alenquer quando se trata de venda de lanche. Não há alenquerense que não tenha ouvido falar dele. Na verdade, é impossível imaginar a orla de Alenquer sem o Lanche do Canhoto. Um personagem simples, humilde, mas que carrega consigo um peso histórico desta cidade.
Certa vez, Canhoto viu no adesivo de um carro uma frase que chamou a sua atenção. Por gostar dela, mandou fazer na frente do seu lanche. Uma frase que se tornou a sua identidade e que qualquer ximango que a lê lembra dele. “É fácil ser canhoto. Difícil é ser direito”.
Silvan Cardoso
É poeta, cronista e pedagogo nascido em Alenquer, no Pará. Escreve regularmente no JC. Ele pode ser encontrado no…
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Morei em Alenquer entre outubro de 1969 e março de 1973. A emoção me invade quando leio ou vejo reportagens sobre essa cidade simpática e acolhedora. Um abraço para todos os “Ximangos” na pessoa do Canhoto.
Escreveu a biografia do Canhoto em vez de falar nos lanches,
Acertou. Esse foi o objetivo.