Os bailes de formatura, de casamento e de aniversários já não são mais os mesmos há muito tempo na cidade de Alenquer (PA) sem a presença de Francélia. Se ela não está presente, diante de sua ausência as pessoas recordam e ficam a comentar essa figura indispensável em momentos tão importantes nas vidas de muitos alenquerenses.
O próprio nome de Francélia se transformou em sinônimo de música na cidade ximanga. Nas últimas décadas, falar o seu nome ou ver a sua pessoa nos mais diversos palcos de tantos lugares tem feito dessa personagem um ícone admirado e querido. Uma verdadeira referência para as novas gerações musicais alenquerenses.
Francélia Martins Corrêa nasceu em Alenquer em 21 de janeiro de 1977. É a segunda de um total de três filhos de Maria de Fátima Martins Pinto e Manoel Santana Corrêa da Silva. Manoel Santana, popularmente conhecido por “Santana” ou de “Velho”, é um importante músico de Alenquer, multi-instrumentista que marcou presença em inúmeros bailes em conjuntos musicais memoráveis na cidade. Toca violão, cavaquinho, guitarra, baixo, teclado, entre outros.
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Porém, apesar de Santana ter contribuído de forma significativa para a história da música local, a sua filha, a pequena Francélia, não cresceu sonhando em ser artista musical para seguir os passos do pai, fosse como instrumentista, fosse como compositora ou como intérprete. Viveu a sua vida como qualquer outra criança, divertindo-se com seus colegas com brincadeiras como queimada, peteca, futebol, entre outras.
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Sempre viveu no bairro Luanda. Primeiro morou na travessa Capitão Eugênio Marques. Iniciou seus estudos na escola Professora Veridiana d’Oliveira Corrêa, onde fez o ensino fundamental menor. Continuou os estudos no colégio Santo Antônio, onde iniciou o ensino médio. Contudo, concluiu o ensino básico no Amadeu Burlamaqui Simões (CEABS).
Aproveitando as oportunidades que apareciam, a jovem Francélia cursou magistério ainda no CEABS, concluído em 1995. Estava a caminho de se tornar educadora. Paralelo a isso, buscava por outros meios de se manter financeiramente, vendendo roupas, joias, frutas, chegando também trabalhado, inclusive, como babá.
Potência de voz
Era lá pelos seus 18 anos de idade que ocorreram situações que mudariam sua vida. Francélia se embalava em sua rede, cantando naturalmente, como qualquer pessoa faria, quando um músico, chamado José Alfredo, instrumentista e artista de bailes, encantou-se ao perceber a beleza e potência da voz da jovem. Um canto como ele nunca tinha ouvido. Entendia que ela tinha como se tornar uma grande artista.
Outro dia, José Alfredo voltou à casa de Francélia para convidá-la a fazer parte de sua banda. Por se tratar de uma novidade em sua vida, achou que certamente seria algo bastante desafiador. No começo, tornou-se uma decisão que a levou a muitas reflexões, tendo que saber fazer entre uma escolha ou outra. Contudo, sem perder a sua essência, que é de encarar e agarrar as oportunidades, Francélia aceitou o convite.
Em meados da década de 1990, era a vocalista do grupo João Rodrigues e Banda. Seu primeiro show aconteceu na sede dos Carroceiros, no bairro São Cristóvão.
Naturalmente, como qualquer ser humano, foi um início tímido, especialmente por se apresentar ao lado de músicos experientes, como João Rodrigues, Waldomiro Patrício e Jhones Cardoso. Porém, a cada nova apresentação ficava mais íntima dos palcos e do público.
Sua trajetória no João Rodrigues e Banda durou bastante tempo. Mas em certo ano a banda pausou suas atividades. Já era vista como uma grande promessa da música alenquerense, tanto que foi convidada a participar do grupo Patrícios Show Banda. Sua carreira musical foi alcançando solidez e conquistando públicos de todos os cantos de Alenquer.
Palco: fonte de renda
Cantar nos palcos ximangos tornou-se uma importante fonte de renda em sua vida. Além disso, seu nome estava alcançando uma visibilidade como jamais imaginou tempos atrás. Apesar disso tudo, ainda não tinha deixado de ser uma vendedora ambulante. Nos dias em que não estava cantando, continuava a vender para se manter financeiramente.
Mas Francélia foi além. Chegou a ser convidada para participar de grandes bandas regionais, como Arcozellos e Pinta Cuia. Participou também de festivais da canção realizados na cidade. No entanto, precisou ter atitudes para saber direcionar sua jornada de cantora em sua terra natal.
Seu pai Santana era líder de uma banda intitulada Eco Som 2000. Era 1997, quando a sua filha passou a assumir o grupo musical. A primeira mudança realizada foi do nome da banda. Em uma reunião com seu irmão Bidoca, também músico, e com o seu amigo Naldo do Beleza, colocaram o nome Banda Swing e Companhia. Assim, nasceu uma das bandas mais longevas que se conhece em Alenquer.
Palcos memoráveis
A Banda Swing e Companhia foi alcançando proporções, tornando-se a mais solicitada nos mais diversos bailes alenquerenses, fosse de festas de 15 anos, de formaturas e até de Carnaval. A banda se remodelava a cada tipo de festa em que estivesse. Seu repertório se diversificava e apresentavam diversos gêneros musicais, conforme a necessidade e o compromisso do grupo.
Chegou a participar das extintas e memoráveis casas de festas Rio Negro, Rodoviária, Tubarão, Ilha Verde, Clube de Mães, além dos existentes Sede dos Vaqueiros, Esporte Clube Internacional, Aningal Atlético Clube, Sede do Sintepp, União Esportiva, entre outros.
A Swing e Companhia já se apresentou também em cidades como Santarém, Prainha, Curuá, Monte Alegre, Óbidos e Juruti. Além disso, há muito tempo que atua nas comunidades do interior.
Em 2007, Francélia foi aprovada no concurso público do município de Alenquer para trabalhar como professora para alunos do ensino fundamental. Curiosamente, é funcionária da escola onde começou a estudar: Escola Professora Veridiana d’Oliveira Corrêa.
Rainha do Bolero
Casou-se na igreja com Cleudenor Nunes Malcher, o popular “Manga Rosa”, com quem tem 3 filhos. A cantora precisava conciliar sua vida profissional com sua vida particular. Como sempre aconteceu, tinha que saber sintonizar todos os seus compromissos para que pudesse lidar com todas as “Francélias” em uma só.
Amantes de bailes enxergavam nos palcos a Francélia cantora. Na escola, viam a Francélia professora. Uma pessoa múltipla que no mundo dos palcos ganhava apelidos de seus admiradores, como “Loira do Calypso”, “Loira do Brega”, “Rainha do Bolero”, entre outros. Uma artista que confessa nunca ter feito da carreira musical a sua prioridade, recordando ter feito duas raras composições, mas sempre atuando como cover.
Com seu hábito marcante de sempre sair da sua zona de conforto, Francélia buscou por mais conquistas. Concluiu em 2014 o curso de história e geografia pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e especializou-se ainda em educação especial.
Autismo e religião
Há cerca de 10 anos, Francélia também tem se dedicado a cantar músicas internacionais em seus shows, algo que fez grande diferencial em sua carreira, além de conquistar mais admiração de seu público.
Entre suas referências musicais de Alenquer, cita os nomes dos cantores Violeta Barile, Waldomiro Patrício e José Alfredo, esta última a pessoa que lhe deu a primeira oportunidade na música, sem falar de seu pai, Santana, a inspiração que a fez crescer mais como artista e ser humano.
Atualmente, além de continuar cantando nos maiores bailes que acontecem em Alenquer, Francélia Martins é professora pelo Serviço de Atendimento Educacional Especializado (SAEE), cuidando e ensinando crianças e adolescentes que possuem Transtorno de Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Religiosa, há seis anos que a cantora faz parte do Ministério de Música Terço da Misericórdia, da Igreja Católica.
Falar de Francélia é procurar conhecer as inúmeras mulheres que foram esculpidas numa única pessoa durante muitos anos, seja a da música, a da educação, a das ações sociais, a da igreja, a do lar, entre outras atividades.
Uma artista que se pode dizer, sem sombra de dúvidas, que é a cantora mais famosa e mais importante de Alenquer dos últimos tempos. Uma referência da música feminina para as mais novas cantoras ximangas. Uma das vozes que mais impactou as últimas gerações nos palcos alenquerenses.
Silvan Cardoso
É poeta, cronista e pedagogo nascido em Alenquer, no Pará. Escreve regularmente no JC. Ele pode ser encontrado no…
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