
Geocleidson, de apenas sete anos, apoiava-se na janela de sua casa e observava o sol se pondo. O sol lentamente descia, de tal forma que parecia mergulhar nas águas do rio Surubiú.
Essa imagem da natureza que ele observava era espetacular. Mais uma de tantas imagens que ele testemunhava diariamente. E seu desejo era rever o sol exibir seus brilhos de ocaso no mesmo lugar e nos tempos que iriam chegar. Mas no dia seguinte ao momento em que estava admirando a paisagem, precisaria mudar de endereço.
Sua mãe, dona Jacinta, já estava organizando as coisas. Não mudariam de rua, somente de casa. Iriam para outro perímetro, um lugar a poucos metros de onde estavam. Continuariam na frente da cidade, entre a avenida Getúlio Vargas e o rio, talvez observando a paisagem, talvez movimentando o lugar com ações e fazendo dele o mais poético possível.
Geocleidson Ferreira dos Santos nasceu em Alenquer (PA) no dia 17 de dezembro de 1994. Sua mãe biológica é Jacilene Ferreira dos Santos, mas, com poucos dias de nascido, sua avó materna, Jacinta Ferreira da Mota, pegou-o pelos braços para tê-lo como filho e criar junto de seu marido, Manoel Raimundo Santos da Costa, o popular Duca. Além da criança recém-nascida, o casal já tinha 7 filhos biológicos.
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Viveu e cresceu na frente da cidade, sempre contemplando a vista da avenida Getúlio Vargas, a “rua da frente”, e o rio Surubiú.
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Desde criança já era carinhosamente chamado de Kleidinho. Uma criança negra que vivia, de modo simples, num bairro nobre, mas que dessa simplicidade passou a construir uma história inspiradora, de lutas e conquistas. Não teve devido contato com o pai biológico. A imagem paterna era vista no senhor Duca.
Até os 7 anos, viveu numa palafita que ficava próximo ao Porto da Vergília, no final da avenida. Depois dessa idade, morou em outro casebre de madeira próximo à Feira do Produtor Rural, de frente para casarões históricos, que tanto testemunharam os acontecimentos do passado de Alenquer.
Assim como a sua primeira moradia, a sua segunda residência seria outra palafita, ao lado de tantas outras que ficam na orla da cidade.
Tornou-se comum ter que lidar com as enchentes que invadiam a primeira rua de Alenquer. Durante alguns anos, no período da cheia, o rio ficava num nível tolerável, sem afetar os residentes e comerciantes daquela área. Mas havia anos que a cheia era tão grande que era preciso sair das casas somente de canoa. A avenida Getúlio Vargas virava um igarapé!
Nos bancos escolares
Como morava praticamente “sobre” ou “ao lado” do rio, Geocleidson fazia de tudo para mergulhar nas águas do Surubiú. Sua mãe, porém, não permitia. O pequeno, para satisfazer a sua própria vontade, dizia à mãe que iria à Praça Santo Antônio com alguns amigos para passear, quando na verdade era uma desculpa para tomar banho no outro lado do rio.
Geocleidson estudou na Escola Municipal Jorge Sadala, quando ainda funcionava na Loja Maçônica Fraternidade nº 11, até a 4ª série. Estudou da 5ª à 8ª série na Escola Estadual Fulgêncio Simões. Fez o ensino médio na Escola Estadual Amadeu Burlamaqui Simões. Porém, próximo de terminar o 3º ano, precisou interromper os estudos. Concluiu o ensino médio na Escola Estadual Santo Antônio.

Tentou estudar nível superior. Desistiu por duas vezes na tentativa de fazer Educação Física. Contudo, seu sonho de infância sempre foi de se formar em Direito, desejo que vive até os dias de hoje. Tentou conquistar uma bolsa por meio do Exame Nacional do Ensino Médio, mas até então não foi possível.
A rotina de acompanhar sua mãe Jacinta o fez se dedicar bastante na culinária. Desde a infância já recebia os ensinamentos para preparar algum tipo de comida. Dona Jacinta era uma cozinheira muito conhecida em Alenquer. Já tinha uma grande clientela. Como morava próximo à Feira do Produtor Rural, pessoas que vinham trazer suas mercadorias da colônia e da várzea almoçavam em sua residência. Kleidinho encarava todo desafio que surgia ao lado de sua mãe.
Hiato e nova história
Quando Kleidinho tinha entre 14 e 15 anos, Dona Jacinta começou a apresentar problemas de saúde, impedindo-a de ter a intensa rotina de antes. O jovem precisou liderar os trabalhos na cozinha, enquanto sua mãe ficava com os serviços mais leves. Mesmo tão novo, soube encarar o desafio de preparar grande quantidade de alimentos para serem vendidos e entregues para os seus clientes. O mais novo cozinheiro de Alenquer surgia com grande expectativa.
Porém, com a Dona Jacinta bastante doente, tanto ela como o filho ficaram por um longo tempo sem cozinhar. O restaurante precisou fechar para darem prioridade à saúde. Um hiato que talvez tenha se tornado um período decisivo para construir uma nova história.
Entretanto, o tempo passava e era preciso retornar às atividades. A vida não podia parar. A avenida Getúlio Vargas mudou de nome, passando a ser identificada como avenida Benedicto Monteiro.
O jovem cozinheiro passou a assinar nas redes sociais a escrita Kleydinnho. Apesar dos poucos recursos, lentamente foi atuando na culinária da forma que era preciso, mesmo que timidamente. Seus pensamentos buscavam por outros horizontes. Não queria se limitar apenas ao pequeno restaurante de sua casa. Gostaria também de fazer serviços de buffet na cidade.
Curioso, tratou logo de imaginar qual nome colocaria na sua futura empresa. A princípio, não foi nada fácil criar mentalmente algum nome interessante. Pesquisando de forma aleatória na internet, encontrou uma refeição chamada “Hum, delícia”. O termo “delícia” chamou logo a sua atenção.
“Qual palavra seria a ideal para acompanhar ‘delícia’?”, questionou-se. Como ele seria o chef de cozinha do seu empreendimento, fez a junção que formaria a expressão “Delícias do Chef”. Isso aconteceu entre 2015 e 2016.
Kleydinnho passou a anunciar o Delícias do Chef de todas as formas possíveis. Além disso, o restaurante continuava funcionando em sua residência. O cozinheiro também montava uma banquinha para vendas de iguarias regionais na praça João Tito Alves de Souza.
Também ia a eventos diversos pela cidade, onde sua banca estava presente, sempre se tornando sucesso de vendas. O jovem destacava-se por sua presença nos inúmeros lugares de Alenquer e conquistava clientes pela qualidade do que preparava e pelo carisma que mostrava.
Sexualidade sem teatro
Kleydinnho Ferreira também encontrou algumas barreiras por conta de sua homossexualidade, como comumente é visto em qualquer situação como essa. Dona Jacinta era uma das pessoas que precisou aprender a lidar com a realidade do seu próprio filho.
Fez pedidos, como não se vestir de mulher ou não usar tatuagens, para que fosse evitar escândalos. Também recebeu conselhos de outras pessoas próximas. Entretanto, ele saberia o que fazer para ser o que sempre foi.
Tratou a sua sexualidade com naturalidade desde sempre. Diferente de muitas pessoas, nunca precisou esconder das pessoas o seu gosto, o seu jeito e as suas atitudes. Como ele costuma dizer, nunca precisou viver a vida como uma atuação teatral.
Sempre entendeu que deveria ser ele mesmo, sem fugir de sua realidade. E assim o fez, apesar da pouca idade, mostrando maturidade em relação ao mundo real, aos preconceitos e a todas as outras barreiras que iria enfrentar pela frente.
Continuou a trabalhar e a divulgar o que fazia. Passou a se destacar na culinária através do Delícias do Chef. Tanto que muitas pessoas se tornaram seus aprendizes.

Trocava ideias e experiências com cozinheiros profissionais, além de ter recebido propostas para trabalhar em outras cidades do Brasil e em outros países. Porém, entendendo que não poderia deixar pessoas importantes, como sua mãe Jacinta, continuou a viver em sua terra natal para escrever a sua história. Um momento triste em sua vida foi com a morte de seu pai, Duca, ocorrida em 2018.
Campanha em 2020
Kleydinnho Ferreira candidatou-se a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), nas eleições de 2020, no município ximango. Entretanto, não fez nenhum tipo de campanha para conquistar eleitores, o que o fez obter apenas 21 votos.
Ultimamente, tem obtido admiração dos seus seguidores por suas ações, atitudes e declarações nas redes sociais, já que é um jovem atuante na política local, uma pessoa que sabe se expressar verbalmente de forma admirável e que tem alcançado respeito de muitos alenquerenses.
A partir de 2022, tornou-se morador da rua João Ferreira, no bairro Planalto. O personagem de Kleydinnho passou a ganhar mais espaço com o passar do tempo.
Um personagem real, importante e necessário para a atual sociedade de Alenquer. Um alguém humilde que usa da seriedade e do humor nos momentos oportunos, que tem sido exemplo de persistência e conquista para quem quer vencer na vida.
Ahhh ele é um ser de luz, no curto período que residi em Alenquer, grávida e na época da pandemia, ele nunca me deixou com fome, sempre dava um jeito de levar o maravilhoso e espetacular Strogonoff que faz.
Merece todo sucesso do mundo.