Thiago de Mello, um Poeta Maior. Por Joaquim Onésimo Barbosa

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Thiago de Mello, um Poeta Maior. Por Joaquim Onésimo Barbosa
Thiago de Mello, poeta. Autor de, entre outros livros, “Manaus, amor e memória”. Foto: Reprodução

“Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que quero ser.”

Conheci o poeta amazonense Thiago de Mello em três ocasiões. A primeira, em 2009, eu, estudante do mestrado, procurava um livro na livraria Valer. Ele chegou lá com aquele traje branco de costume e chinelo, cumprimentou a todos, entre os todos, a mim e o amigo com quem eu estava, que o conhecia. Disse-lhe meu amigo que eu era um paraense de Santarém. Bastaram alguns minutos de conversas, para ele lembrar de alguns amigos, falar de Dalcídio Jurandir, Ruy Barata e dos escritos daquela que, mais tarde, seria motivo da minha pesquisa no doutorado, Eneida de Moraes.

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A segunda ocasião, quando li o seu – o livro que considero o mais bonito do poeta – Manaus, amor e memória, em cujas páginas ele registra a sua paixão pela cidade que, como ele mesmo escreve, “pela primeira vez senti, queimando profundas, as solicitações do amor, da arte e da justiça […] Esta cidade me plantou a perplexidade perante a pobreza, e me ensinou a valorizar o sentimento da amizade como um dos mais belos dons da condição humana.”.

O livro vai além da declaração de amor do poeta a Manaus, ele é a poesia, o que de grande e apaixonadamente fez o poeta em vida; é o tecido do amor e da memória, ou é a memória que tece o amor pela cidade que também me acolheu por seis anos e me deu o que muito aprendi na pós-graduação. Além dos amigos e amores que em terras manauaras conheci.

A terceira ocasião, quando, por força do ofício, revisitei Manaus, Amor e Memória, Faz escuro Mas eu canto, Amazônia – a menina dos olhos do mundo, Amazonas, pátria da água, além da belíssima dissertação de Pollyana Furtado Lima, em que a pesquisadora faz um apanhado dos escritos do autor entre 1950-1960, para participar da banca de defesa de um mestrando do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da UFAM, pesquisa em que Weslley Cerdeira, agora mestre, faz uma leitura e crítica do pensamento ecocrítico na obra Amazonas, pátria da água do poeta amazonense do Bom Socorro.

Amadeu Thiago de Mello era um homem do mundo. Viajou por paragens em que viveu momentos importantes da sua vida. Perseguido pela ditadura, exilado, viveu a saudade da sua terra e aproximou-se de gente de outras terras. Mais do que um poeta da Amazônia, ou o poeta das florestas e da água, era um poeta dos mundos – os que ele criou na poesia e o mundo em que ele viveu como cidadão, em que cantou anseios e esperanças numa sociedade, no momento em que estamos, parece desaprender o que o poeta aprendeu nas lidas em Manaus e no ofício da poesia – a amizade como sentimento da condição humana.

A floresta e os direitos humanos são recorrentes em seus escritos. Não os cantou como fingimento poético – na direção do que Fernando Pessoa denunciou na vida dos poetas – ele os cantou porque viveu entre o rio e a floresta, entre a repressão e a liberdade, entre sua terra e o estrangeiro.

Diz a filosofia de Walter Benjamin que somente quem andou muito tem o que contar, e Thiago certamente sabia contar, porque viveu experiências das suas várias andanças neste mundo de contrastes. “Os estatutos do homem” dão uma breve ideia do que pensava o cidadão no poeta: “Fica decretado que agora vale a verdade./que agora vale a vida,/e que de mãos dadas,/trabalharemos todos pela vida verdadeira.”

Thiago de Mello, na Academia, já foi objeto de vários escritos – TCCs, Dissertações e Teses – e certamente muitos sairão para saudar o tradutor, o ensaísta e o poeta que escreveu a Amazônia, a vida, o homem, o amor, a saudade, a liberdade, mas principalmente a sua terra.

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Vivia apaixonadamente a sua pátria, a sua terra de acolhimento, Manaus, mas preferia mesmo estar no seio do lugar onde nasceu, a pequena Porantim do Bom Socorro, perto da qual viveu seus últimos dias de vida.

Pelo que fez, pelo que foi, viveu, disse e escreveu, Thiago de Mello foi um poeta completo, mais que um poeta, um Poeta Maior, de uma geração de cuja safra restam poucos, tão poucos, mas que nos deixarão o exemplo de que é preciso viver, viver a alegria, viver a verdade, viver a justiça, viver a liberdade, inclusive “a liberdade será algo vivo e transparente/como um fogo ou um rio,/e a sua morada será sempre/o coração do homem”.

Joaquim Onésimo F. Barbosa
Joaquim Onésimo F. Barbosa

É professor santareno. Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia.


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