A advocacia, por natureza é combativa: a imunidade penal. Por Joniel Abreu

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A advocacia, por natureza é combativa: a imunidade penal. Por Joniel Abreu
“A advocacia é profissão que tem destaque no texto constitucional de 1988”. Foto: Reprodução

A Lei Federal nº 14.365/2022 revogou do Estatuto da OAB (Lei Federal nº 8.906/94), o § 2º do artigo 7º que dizia: “O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”. A expressão “ou desacato” já havia sido suspenso com fundamento na ADI 1127-STF.

O destaque aqui será na revogação da imunidade penal da advocacia nos casos de “injúria” ou “difamação” no exercício do ministério privado.

Essa revogação feita pela Lei nº 14.365/2022 ‘retirando a imunidade penal profissional da advocacia trás ao debate questões como: (i) Advocacia tem relevância para interesses da sociedade? (ii) As prerrogativas da advocacia é um privilégio do Advogado? (iii) Garantir prerrogativas e imunidade penal a advocacia é criar um grupo de profissionais imunes a Lei? (iv) Violar prerrogativas ou retirar imunidade penal da advocacia atinge somente os Advogados ou tolhe direitos dos cidadãos? (v) A Lei Federal nº 14.365/2022, ao revogar a imunidade penal da advocacia, mantém a igualdade da Advocacia com os agentes do estado?

De início é importante salientar que a advocacia é profissão que tem destaque no texto constitucional de 1988, com status de ser indispensável à administração da justiça: “O Advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, Art. 133 da CF88.

Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 (CF88) foi quem criou o Estado Democrático de Direito Brasileiro com função de formar um novo projeto de sociedade em que a relação com o Estado e com o Direito deveria pautar-se na ‘DEMOCRACIA’, para assim alcançar a ‘igualdade substancial’ em todas as relações sociais por ser o objetivo maior do novo modelo de Estado constituído (MORAIS, 1995).

Intrínseco também a criação do Estado Democrático de Direito se tem a resposta às atrocidades ocorridas no Ocidente pelos atos nazifascistas que culminou na segunda guerra mundial.

A matéria de Direitos Humanos, no centro desse modelo estatal, revela seu compromisso com um novo projeto de sociedade, em que o exercício da cidadania, deverá ser exercido de forma plena, sem medidas repressoras impostas pelas ações estatais (ABREU; CORRÊA; ABREU, 2021).

Insere-se também a essa realidade, as experiências vivenciadas pela espécie humana, de exercício do poder, deixando inconteste que não havendo limites impostos pelo direito e sem instituições sociais fortes e independentes, o ente estatal é usado em benefício próprio daquele que comanda.

Como se percebe, a atuação desse ente abstrato denominado de Estado interfere direto em todas as relações da sociedade, inclusive fomentando e criando modelo a ser seguido.

O destaque dado a advocacia no texto Constitucional pela sua indispensabilidade à administração da Justiça tem maior compreensão quando analisado sobre esse olhar do ‘feitio democrático’ em todas as relações estatais, onde todos os agentes envolvidos pela administração da justiça estão em condições de igualdade, incluindo o ministério privado: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos” art. 6º da Lei Federal nº 8.906/94.

A violação da prerrogativa da advocacia deixa o cidadão fragilizado perante o Estado

Nesse novo contexto, a instituição de classe da advocacia (Ordem dos Advogados do Brasil/ OAB) tem importância de defensora da própria Constituição e da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, como previsto no art. 44, I da Lei Federal nº 8.906/94, pois, somente com instituições independentes e fortes, no âmbito privado da sociedade, é que se tem a possibilidade de compelir os excessos e/ou agressão a ordem jurídica, a constituição, direitos humanos, dentre outros, praticadas pelo próprio Estado.

Assim, confrontar o Estado por justiça e está em igualdade com os seus agentes é preciso atribuir ao profissional que pleiteia, prerrogativas e imunidades, uma vez que, os agentes públicos quando estão no exercício de sua profissão, seja o delegado, o promotor ou o magistrado, são revestidos de autoridades porque agem em nome do Estado.

Sem as prerrogativas e sem imunidades decorrentes da profissão não existe exercício pleno da advocacia, logo não tem como ser feito defesa do cidadão.

As prerrogativas da advocacia não é privilégio do advogado. Prerrogativas da advocacia é garantia de respeito aos direitos do cidadão. A violação da prerrogativa da advocacia deixa o cidadão fragilizado perante o Estado, já que é tolhido de exercer, de forma plena, seus direitos.

A advocacia independente, forte e respeitada é certeza de pleno exercício da cidadania devido o Advogado ser somente o porta-voz dos interesses do cidadão.

As prerrogativas da advocacia estão esculpidas nos artigos 7º e 7º-A da Lei Federal nº 8.906/94. Nos dizeres de Marcelo Machado Bertoluci (2018): “As prerrogativas reservadas ao advogado consolidam os direitos de cidadania, fortalecem o contraditório, concretizam a ampla defesa, asseguram o exercício das liberdades individuais e tolhem os abusos do Estado. Por essas razões, seu solapamento implica um perigoso desvio em direção ao autoritarismo e à desvalorização dos direitos humanos, que devem ser ativamente protegidos pelo Estado Democrático de Direito”, p. 91.

A previsão na Lei Federal nº 13.869/2019 (Lei dos crimes de abuso de autoridade) em dar responsabilidade criminal a agentes estatais que violam prerrogativas da advocacia deve ser visto como CONQUISTA PRÓPRIA SOCIEDADE, pois obrigou de forma coercitiva, que os agentes estatais exerçam sua função, sem violar direitos dos cidadãos.

Afirma-se com isso que esses marcos legais, promulgados na égide do Estado Democrático de Direito, reconhecem a independente da advocacia, e buscam efetivar as prerrogativas como proposta de fortalecimento de um ministério privado que confronta o Estado pelos interesses dos cidadão.

“A advocacia é atividade conflitiva, caracterizada pela palavra incisiva e pela postura insurgente”

Existem casos, principalmente no âmbito da advocacia criminal, que o Estado é o acusador (Ministério Público) e tem por pretensão a condenação do cidadão, ou no curso de um inquérito policial (Delegado de Policia), que tem em regra natureza inquisitorial visando imputar uma conduta criminosa ao cidadão.

A defesa, nesses casos, representada pela advocacia é obrigada ao confronto direto, com teses jurídicas, para desvalidar as acusações impostas pelos agentes estatais. É exemplo claro do antagonismo de pretensões dos cidadãos e dos agentes estatais.

Nesse contexto, a atuação do advogado na defesa dos interesses de seu cliente não pode ser exercida com receios de desagradar o delegado de polícia, o promotor de justiça ou o magistrado, pois seu compromisso é com os interesses de seu constituinte.

O Estatuto da OAB, em seu artigo 31, §2º, repassa de forma clara essa atuação com liberdade do advogado: “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”.

Toda essa conquista reconhecida a advocacia tem um retrocesso com a revogação da imunidade penal.

A redação que se tinha no §2º do artigo 7º do Estatuto da OAB, prevendo como IMUNIDADE PENAL DA PROFISSÃO nos casos de “injúria” e “difamação”, era interpretado no rol da liberdade de defesa.

A isenção do advogado de praticar esses ilícitos decorre de não haver “aminus”, seja ‘injuriandi’ ou ‘difamandi’, visto que, o interesse em questão não seria do postulante, mas unicamente do cliente.

Na defesa do interesse do cliente é preciso liberdade no âmbito das expressões para ser feito debates de teses jurídicas, sem imputação criminal de linguagens, que porventura vier a ser proferida, na paixão da discussão.

Sem dúvidas a revogação da imunidade penal profissional APEQUENA A ADVOCACIA PERANTE AGENTES PÚBLICOS, visto que, trata-se de uma atividade que, inevitavelmente, é conflitiva, caracterizada pela palavra incisiva e pela postura insurgente.

É natural que no “calor” dos debates jurídicos sejam usados termos fortes, pois trata-se de querer convencimento de interpretações diferentes de um mesmo fato. Sem a imunidade penal profissional a advocacia, principalmente a criminal, passa a ser exercida com timidez fragilizando a defesa dos cidadãos.

Assim, tentativas de silenciar a advocacia com violações de prerrogativas e retiradas de imunidades profissionais é atentado contra a sociedade e interesses dos cidadãos. É subversão ao projeto de sociedade inaugurando com o Estado Democrático de Direito por haver aniquilação dos direitos dos governados.

REFERENCIAS CONSULTADAS

ABREU, Joniel Vieira de; CORRÊA, P. S. A.; ABREU, R. M. M. F. . O renascer dos povos indígenas para o direito no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. In: Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos. (Org.). Teorias da justiça: Justiça e exclusão. 1ed.Ponta Grossa – PR: Atena, 2021, v. 1, p. 26-41.

BRASIL. Lei Federal nº 8.906/94. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

BRASIL. Lei Federal nº 13.869/2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade.

BRASIL. Lei Federal nº 14.365/2022. Altera as Leis nºs 8.906, 13.105 e o Decreto-Lei nº 3.689.

MORAIS, José Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses Transindividuais. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: 1995.

BERTOLUCI, Marcelo Machado. A imunidade material do advogado como corolário dos direitos da cidadania. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2018.

Joniel Abreu
Joniel Abreu

Advogado militante. Especialista em Ciências Sociais e em Direito pela UFPA. Mestre em Educação pela UFPA. Doutorando em Direito pelo PPGD-UNESA/RJ. Professor na Graduação e Pós-Graduação de cursos de Direito. E-mail: jonielabreu@hotmail.com.

LEIA também de Joniel Abreu: Os crimes culturalmente motivados.

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One Response to A advocacia, por natureza é combativa: a imunidade penal. Por Joniel Abreu

  • Parabéns Professor pelo artigo, excelente !!!
    Como disse Sobral Pinto, “A advocacia não é profissão para covardes”, entretanto, ultimamente, o uso político da instituição OAB , tem deixado os advogados, cada vez mais, carentes de suas prerrogativas.

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