A dor da ofensa

Publicado em por em Artigos, Educação e Cultura

por Célio Simões (*)

Afirma antigo brocardo popular que “não existe reação ensaiada”. O ser humano reage obedecendo exclusivamente seus impulsos, dos mais civilizados aos mais primitivos.

Toda a sociedade paraense ficou estarrecida com a reação de uma professora, que exerce o magistério lecionado justamente “Antropologia das Religiões Afro” ao ultrajar um vigilante que se limitava a cumprir ordens superiores, qual seja, impedir o acesso de pessoas nas dependências da Universidade do Estado do Pará, por determinado portão.

“Macaco”, “palhaço” e outros agravos foram vistos e ouvidos pela gravação feita de um telefone celular, essa “arma” dos dias de hoje, assacados por pessoa cujo nível intelectual e o perfil profissional não lhe poderiam permitir, em nenhuma hipótese, tamanho destempero.

Sobre a prática do crime de racismo, percebe-se com relativa facilidade a utilização da cor como elemento de insulto e de ofensa moral. No passado, os negros, que tanto contribuíram para a formação da nossa nacionalidade, sofreram os maiores flagelos, vítimas de espancamentos desumanos e situação degradante de vida e de trabalho nas fazendas e nas senzalas.

Se desde a abolição, patrocinada por essa magnífica figura de mulher que foi a princesa Isabel, aboliram-se os suplícios físicos, os negros ainda hoje experimentam severa discriminação social, embora cinicamente disfarçada e que deve merecer, conforme preceito constitucional, todo nosso repúdio.

Não à toa, a Carta da República testifica que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (art. 5.º, XLII).

A Lei nº 7.716/89 que combate o racismo (com a redação alterada pela Lei nº 9.459/97) preceitua o seguinte:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.

É imprescindível que advogados, juízes e promotores involuntariamente não confundam o crime de racismo com o crime de injúria. Enquanto o primeiro está tipificado em lei especial (acima referida) o último consta do art. 140 do Código Penal Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003:

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
(…)
§ 3.º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Pena – reclusão de um a três anos e multa.

A diferença entre o racismo e a injúria não reside apenas no conceito legal. Aquele é inafiançável e imprescritível, ou seja, caracterizada a prática do crime de racismo, como dão a entender as imagens e as ofensas divulgadas pela mídia, o poder punitivo do Estado estende-se até a morte do ofensor. De qualquer ângulo que se analise o problema, foi desastrado e desrespeitoso o procedimento da doutora, embora equivocadamente tenha sido indiciada pela autoridade policial por “injúria”, infração penal que admite a prescrição.

Corrigido esse deslize pelo Ministério Público ou pelo Juiz, se sujeita ela a ser condenada por racismo, afora as reparações pelo dano moral causado ao vigilante (art. 186 do Código Civil), o que é contraproducente para o seu conceito e a desqualifica para o magistério.

O racismo ostensivo ou velado é um flagelo que precisa a todo custo ser expurgado da sociedade brasileira. É o tipo de afronta que causa sofrimento. Somos todos iguais.

É preciso respeitar o ser humano e suas peculiaridades. Um dia todo mundo morre, seja rico ou pobre, branco ou negro. Partindo de uma professora, revela-se antipedagógico e não será surpresa se seu vínculo funcional com a Universidade for rescindido. Seu procedimento agressivo, irracional e aético ultraja o senso comum, o ordenamento jurídico e o ideal de justiça social. Já está mais do que na hora de acabarmos com esta monstruosidade.

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* É advogado, professor universitário e atual diretor Jurídico do Sistema Elite de Ensino. Reside em Belém.


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Advogado e escritor, nasceu em Óbidos. É membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas e do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Reside em Belém e escreve regularmente neste blog.

8 Comentários em A dor da ofensa

  • A profesora da Uepa que chamou porteiro de “macaco” foi escrecada como rascista na blogosfera. Estou esperand0 (sentado) que a blogosfera se manifeste sobre o Paulo Rocha (PT-PA) que gritou “VÁ SE FODER!” para a repórter que lhe perguntou se estava preparado no caso de ser condenado no processo do Mensalão.

  • SÓ PRO TEU CONHECIMENTO D. HELVÉLCIO E DEMAIS MOCORONGOS : NEYMAR DE BARROS FOI UM PSEUDO PADRE QUE ESTAVA A SERVIÇO DA DITADURA MILITAR PARA ESPIONAR OS PADRES DA LINHA DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO !!!ERA UNHA E CARNE COM D. ALBERTO RAMOS QUE FAZIA O MESMO SERVIÇO NA ARQUIDOCESE DE BELÉM !!! OS DOIS ESTÃO AGORA MUITO BEM ACOMPANHADOS DO SATANÁS NO INFERNO !!!!!

    1. Neymar? Tua envergadura intelectual é de uma profundidade futebolística de almanaque da Abril. O certo: Neimar de Barros.

    2. Sr. Jorge Moraes, a informação é sua, quanto ao escritor citado estar a Serviço da Ditadura Militar. Só lamento ser feita publicamente quando o mesmo já está morto e não ter como replicar ou confirmar. Para mim a história é vista como um todo e não em partes. Citei uma passagem do livro que admiro, assim como outros textos do escritor. Gosto muito também de “Sorrindo”. Leio livros com senso crítico e em todos há trechos que concordo, trechos que discordo, mas todos admiro e respeito. Não sei se ele era um “pseudo padre” pois não sei o que é padre “não pseudo”. Para mim, padre é tão pecador quanto qualquer um de nós e a história é farta em exemplos. MEU ÚNICO MESTRE E GUIA É CRISTO. Não preciso de intermediários para falar com meu PAI. Admito que tenho inveja dessa sua ligação extra matéria que lhe permite fazer uma categórica afirmação sobre o lugar em que os dois padres repousam. Também não acredito em céu e inferno, o que significa dizer que sua informação não me interessa. Isso é criação religiosa para intimidar criancinhas, crescidas ou não. No mais, obrigado por ler meus escritos e OBRIGADÍSSIMO por me intitular MOCORONGO. Isso me deixa muito orgulhoso. Às vezes leio seus escritos e, se me permite, a inteligência que às vezes o senhor deixa transparecer contribuiria mais para o debate se o senhor abandonasse esse seu lamentável sarcasmo. TAPAJOARAMENTE AZUL,

  • Obrigado pelo artigo, Professor! Realmente foi um dos vídeos mais estúpidos e inqualificáveis que vi, muito mais porque partiu de uma professora de “Antropologia das Religiões Afro”. Somos todos iguais, filhos de um só Deus mesmo que, dependendo da vertente, receba outro nome. Comungo integralmente com o que diz sobre o assunto o meu amigo Jeso. Também a este, obrigado, Professor! Nossa maior riqueza é a certeza de um mundo plural e de que o respeito é o que norteia a maioria, mesmo tendo que suportar intempéries de pessoas que se julgam “superiores” (?). Neimar de Barros em seu “Deus Negro”, mais ou menos isto: e se chegarmos lá em cima e nos depararmos com um Deus Negro? E eu completo: não dá para voltar para a cátedra universitária. Vai pedir para torrar no inferno? TAPAJOARAMENTE AZUL,

  • Exagero. A meu ver, o racismo só se configura quando a ofensa tem por principal escopo desmerecer a raça. Não me parece ser o caso do ocorido na Uepa, que, à toda evidência, está mais para a injúria. As expressões usadas pela professora equivalem ao “seu filho da p…”, “vá tomar no c….”, “seu safado…”, “seu cretino…”, “se corno…”, “seu ladrão…”, etc… Este último exemplo, aliás, é bem ilustrativo: se eu digo “você é um ladrão”, é injúria; se eu digo “você roubou o relógio de fulano”, aí já é calúnia. É claro que mesmo a injúria não se jiustifica. Ainda mais partindo de uma professora. Mas convém não exagerar nessas interpretações “politicamente corretas” ou “ideologicamente convenientes” de racismo, de preconceito social, etc. Do contrário, ninguém poderia mais sequer usar roupa preta, sapatos pretos, ter olhos pretos, sem correr o risco de ser acusado de racismo. Não é por aí…

  • a associação recreativa etílica espartafúdica anárquica carnavalesca FALA MEU LOURO declara seu veemente repúdio à porra louca professora racista !!!!

  • Oportuno artigo, Célio. O racismo é o atraso da raça humana. O lixo. E que chafurda nele merece, sempre, punição exemplar.

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