Fronteiras do indizível e o urbanismo do remorso: quando civilizações constroem o que não-dizem. Por Josué G. Vieira

Publicado em por em Opinião

Departure (1932), de Max Bechmann

A história humana é um arquivo de oportunidades morais desperdiçadas, debaixo das grandes narrativas, tratados assinados com pompa, guerras legitimadas por bandeiras e discursos, silêncios revestidos de prudência diplomática, existe uma trama microscópica de decisões éticas que raramente entram nos livros, são instantes em que alguém poderia ter dito “eu errei” e preferiu o orgulho, a omissão ou o poder.

O passado está povoado por feitos e repleto de palavras que não foram pronunciadas e que, por isso mesmo, tornaram-se acontecimentos. Entre todas essas palavras ausentes, uma se destaca por sua potência: a desculpa. Frágil, aparentemente banal, ela carrega uma força capaz de deslocar exércitos ao ser dita, no sentido pragmático opera no plano da cortesia, da reconfiguração simbólica do mundo.

A “desculpa” não carrega a descrição de um “erro” e sim um futuro alternativo pós-erro; pronunciada abre portas na linearidade da violência, da vingança e da repetição, no entanto quando omitida instala a vocação da tragédia. O mundo é mais moldado pela recusa sistemática da “desculpa” do que pelos pedidos de perdão, e essa recusa repetida ao longo dos séculos edificou uma civilização inteira assentada sobre a perpetuidade do “erro”.

Admitir vulnerabilidade é reconhecer que o eu, sujeito comum quanto o Estado soberano, não é uma fortaleza de mármore, o indivíduo e a instituição abdicam da fantasia de completude, da ilusão de autoridade inabalável e da retórica da infalibilidade que sustenta o Poder.

É por isso que a história política prefere o idioma da força ao dialeto da fragilidade, produz mais tratados que desculpas, mais ultimatos que confissões, mais proclamações de vitória do que narrativas de arrependimento. O poder teme a “desculpa” por sua capacidade corrosiva ao admitir erro, fere o próprio mito de soberania e abre precedentes para revisão, responsabilização e, sobretudo, para a perigosa ideia de que governar não é dominar, é responder.

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A “desculpa” é um dispositivo simbólico de alta tensão capaz de deslocar estruturas invisíveis que sustentam vínculos, hierarquias e narrativas coletivas, onde parece haver delicadeza opera uma engenharia profunda no campo moral em que essa falta circula.

Desculpar-se é interferir nos códigos que regem dignidade, honra, humilhação e reconhecimento, o gesto enquanto parece pequeno corrói a rigidez da autoridade, desloca o centro das relações e convoca uma reorganização silenciosa do que parecia estável.

Ela instaura uma outra possibilidade histórica no pós-fato, antes da palavra, o campo é fechado, há apenas o dano e suas consequências previsíveis do rancor, da violência, da ruptura. Depois dela, abre-se um território da reinterpretação do acontecido, a realidade deixa de ser uma sentença e torna-se uma pergunta, a desculpa costura afetos privados; tensiona o tecido político da existência, reformula pactos tácitos, reescreve expectativas e redistribui responsabilidades.

Ao admitir a falha, o sujeito reivindica simultaneamente o direito de não ser reduzido a ela

Por isso, toda “desculpa” é um evento político, o poder se desloca, a memória é renegociada e o futuro deixa de ser uma continuação automática do erro. Como linguagem é um ato fundador de realidade, o sujeito propõe abertamente a criação de uma nova moldura interpretativa para o ocorrido, o erro deixa de ser apenas fato bruto e passa a ser inserido em uma narrativa negociada; há a reescritura simbólica do evento daquilo que foi vivido não permaneça aprisionado na versão de dor, humilhação ou de violência irreversível.

Quem pede desculpas, não entrega simplesmente sua culpa aos pés do outro como quem deposita um objeto, mas de disputa o modo como o erro será lembrado. Ao admitir a falha, o sujeito reivindica simultaneamente o direito de não ser reduzido a ela; é dizer: “isto me aconteceu, mas isto não esgota quem eu sou”, é uma forma de resistência contra a cristalização do eu no erro.

Der Krieg (“WAR”, 1929/32), de Otto Dix

O que reorganiza silenciosamente as hierarquias, desconstrói a geometria da superioridade, rompe a lógica vertical que define quem pode errar e quem deve sofrer. Um pedido de desculpas dissolve as estruturas rígidas de autoridade e inaugura um espaço ético mais horizontal, onde o outro deixa de ser súdito, vítima ou objeto e passa a ser interlocutor.

Por isso, sempre perigosa para os sistemas de Poder, pois ensina que nenhuma soberania é metafísica e que toda autoridade pode falhar.

Roma não pediu perdão a Jerusalém, no lugar ergueu arcos triunfais; Portugal não se desculpou com suas colônias, em vez disso esculpiu epopeias e estátuas de glorificação do seu processo de colonização ultramarina, exemplos a dizer que onde poderia haver reconhecimento, construiu-se mármore; onde caberia arrependimento, ergueram-se mitologias nacionais fundada na perpetuidade do “erro”.

A recusa ao pedido de desculpas é uma aposta delirante na imortalidade do próprio poder, na crença de que a autoridade pode existir fora da História, acima da memória e além da responsabilidade. Ao negar reconhecimento do “erro” imagina-se que a força será suficiente para congelar o tempo e eternizar hierarquias, como se a dominação pudesse tornar-se natureza.

Engano, a História não negocia com mitologias de grandeza, responde sempre através da lenta e implacável linguagem das ruínas; Impérios não tombam porque perdem batalhas; desmoronam porque se recusam a aprender o que é “novo” e iminente.

É sabido nas Ciência Política que regimes não desmoronam simplesmente por errar, e sim por encontrar formas de recusar o reconhecimento do “erro”, as crises de legitimidade são menos produtos de falhas pontuais e mais efeitos de intransigência moral institucional.

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Hannah Arendt, em Sobre a Revolução (1963), observa que regimes entram em decomposição quando deixam de “prestar contas à narrativa pública” e passam a governar por negação da responsabilidade.

Já Reinhart Koselleck, em Futuro Passado (1979), demonstra como expectativas frustradas tendem a se converter em rupturas históricas abruptas, quando o idioma da resposta ética falta, a história responde com ruptura, pois a recusa em reconhecer a falta não bloqueia o conflito, apenas o desloca para o subterrâneo, onde se acumula como ressentimento político.

A execução de Carlos I da Inglaterra, em 1649, é paradigmática, representa a falência de uma concepção de soberania que recusava qualquer gesto de responsabilização perante o Parlamento e o povo. Mark Kishlansky em The Execution of Charles I (2000) diz que a obstinação do rei em sustentar o “direito divino” como fundamento inquestionável do Poder foi decisiva para sua queda.

Conrad Russell, em The Causes of the English Civil War (1990), evidencia que a recusa de Carlos I em negociar publicamente suas decisões e admitir erros administrativos, fiscais e militares corroeu sua legitimidade mais do que os próprios reveses bélicos.

O rei caiu por sustentar que reis não precisam reconhecer falhas, e sua morte simboliza a transição da soberania sacralizada para a soberania constitucional, a cabeça cortada foi o destino último de um Poder que se negou à palavra.

O mesmo mecanismo reaparece na independência das Treze Colônias americanas, o rompimento foi além dos tributos Stamp Act (1765) ou o Tea Act (1773), o que o nutriu foi o profundo desprezo da Coroa britânica pela ideia de “legitimidade”.

Bernard Bailyn, em The Ideological Origins of the American Revolution (1967), afirma que o conflito foi essencialmente narrativo e moral, os colonos passaram a interpretar a autoridade de Londres como tirânica justamente porque ela se recusava a reconhecer abusos e dialogar sobre seus próprios excessos, a recusa britânica em admitir a legitimidade das queixas coloniais transformou dissenso em revolução.

Three studies for figures at the base of a crucifixion (1944), de Francis Bacon

Nesses episódios, a ausência de desculpas foi combustível histórico, a palavra não dita não permaneceu neutra; converteu-se em energia política acumulada, a recusa em reconhecer falhas operou como detonador de processos irreversíveis, Francis Fukuyama, em Political Order and Political Decay (2014), resume esse processo ao afirmar que instituições entram em colapso quando fracassam moralmente diante de seus próprios cidadãos, onde a linguagem da responsabilidade não opera, instala-se a gramática da revolta.

O século XX ensinou de forma brutal e irreversível que pedidos de desculpas não ressuscitam mortos, impedem que cadáveres se transformem em doutrina política, quando a violência não é simbolicamente elaborada, ela retorna como ideologia, ódio convertido em discurso, trauma em bandeira, vítimas em instrumento de poder.

Tzvetan Todorov, em A Memória do Mal, a Tentação do Bem (2000), afirma que sociedades que fracassam na elaboração narrativa de seus próprios crimes acabam transformando o passado em arsenal político, a memória deixa de ser dever ético e passa a ser capital simbólico disputado.

Paul Ricoeur, em A Memória, a História, o Esquecimento (2000), reforça esse diagnóstico ao afirmar que a negação institucional do crime produz uma forma patológica de lembrança coletiva, isto é, aquilo que não se assume retorna como obsessão histórica.

A Alemanha pós-1945 tornou-se o exemplo mais rigoroso de como o pedido de desculpas, acompanhado de políticas concretas, pode operar como reconstrução moral coletiva. O reconhecimento do Holocausto traduziu-se em indenizações, projetos educacionais, museus, políticas de memória e punição jurídica aos responsáveis.

Em A Alemanha e o Passado Nazista (2006), Norbert Frei demonstra que a construção democrática alemã teve como alicerce o enfrentamento público e persistente do trauma. Jürgen Habermas, em O Passado como Fardo (1989), sustenta que a democracia alemã só se consolidou porque foi capaz de transformar o reconhecimento da culpa em fundamento ético do Estado, o pedido de desculpas, nesse caso, bloqueou a conversão do horror em mito nacionalista ou nostalgia autoritária.

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Como modelo inverso ao da sociedade alemã, o Japão hesita institucionalmente em reconhecer as “feridas” perpetuas que provocou na China e nas Coreias, a relutância do Estado japonês em reconhecer plenamente crimes como o massacre de Nanquim e o sistema das “mulheres de conforto” comprometeu as relações diplomáticas com a China e as Coreia até o presente.

Em Guerra sem Misericórdia (1986), John Dower mostra que a ambiguidade japonesa em relação às atrocidades de guerra produziu um ressentimento histórico duradouro na Ásia Oriental; Iris Chang, em O Massacre de Nanquim (1997), documenta exaustivamente como a ausência de reconhecimento estatal contribuiu para a persistência do trauma enquanto conflito não resolvido entre nações, a negativa da desculpa bloqueou a reconciliação e institucionalizou o conflito como herança diplomática permanente.

E quando a “desculpa” vira teatro moral? Jeffrey Olick, em A Política do Arrependimento (2007), analisa como Estados nacionais podem transformar pedidos simbólicos em estratégias retóricas vazias se não houver medidas jurídicas, educacionais e reparatórias, a desculpa “verdadeira”, afirma ele, só se realiza quando o gesto verbal se converte em estrutura institucional. Sem reparação, sem memória formal, sem responsabilização, o pedido se torna apenas encenação ética, um ritual sem eficácia social, uma dramaturgia da consciência.

No Brasil, a escravidão foi abolida sem qualquer gesto institucional de confissão ou arrependimento; ao contrário, o Estado reorganizou-se rapidamente para proteger antigos senhores e abandonar libertos à própria sorte.

Em A Elite do Atraso (2017), Jessé Souza afirma que a abolição sem reparação estruturou a desigualdade brasileira como herança moral e econômica invisibilizada; Florestan Fernandes, em A Integração do Negro na Sociedade de Classes (1964), evidenciou que a ausência de políticas de reparação após 1888 foi escolha estratégica das elites para manter uma ordem racial disfarçada sob o mito da cordialidade.

A Guerra de Canudos segue a mesma arquitetura do silêncio, o massacre de quase trinta mil sertanejos foi justificado como combate à barbárie, e nunca como crime de Estado. O Brasil não se desculpou com Canudos e, por isso, Canudos nunca terminou, em Os Sertões (1902), Euclides da Cunha já revela o abismo entre o Brasil oficial e o Brasil real, descrevendo o arraial como resultado de um Estado incapaz de reconhecer a legitimidade social do povo que exterminava.

Napalm (2004), de Banksy

José Murilo de Carvalho, em Cidadania no Brasil (2001), demonstra como esse tipo de repressão sem reconhecimento consolidou um padrão político, o Estado como força punitiva, não como instituição de cuidado. Canudos foi uma aula inaugural de como o poder brasileiro lida com pobres, dissidentes e esquecidos — eliminando-os sem jamais reconhecer o erro.

A ditadura militar (1964–1985) com precisão burocrática, torturou, matou, censurou e desapareceu com pessoas sem jamais produzir como instituição um pedido formal e inequívoco de desculpas, em Brasil: Nunca Mais (1985), coordenado por Dom Paulo Evaristo Arns, demonstra com dados a dimensão sistemática da violência.

Já em O Que Resta da Ditadura (2010), organizado por Edson Teles e Vladimir Safatle, evidencia-se que a “transição negociada” brasileira produziu uma democracia formal sustentada sobre uma ferida política não simbolizada, a citar diferente da Argentina, do Chile e da Alemanha, o Brasil instituiu uma democracia sem trauma narrado, e por isso, profundamente vulnerável a recaídas autoritárias.

Paulo Sérgio Pinheiro, em Autoritarismo e Transição (1991), afirma que o Estado brasileiro construiu uma cultura de impunidade como política de estabilidade. Essa estabilidade tem custo alto, um país que normaliza a violência passada aprende a tolerar a futura, aqui, a ausência de desculpas não é uma falha ocasional, é uma estrutura histórica.

O Brasil não apenas esqueceu; institucionalizou o esquecimento; não apenas perdoou, ensinou-se a perdoar sem ouvir; não apenas seguiu em frente, seguiu sem curar. E é por isso que o passado neste País, jamais passa: ele governa silenciosamente o presente.

E o que diz a literatura sobre a “desculpa”? Sempre mais honesta que a política, faz da palavra um ato de tragedia, uma cena impactante, uma lição memorial que agrada ou horroriza, e que toda vez é mais evocada que a própria História. A literatura problematiza aquilo que a história frequentemente suaviza: a culpa, o arrependimento e a recusa em reconhecer a falha, pois esses elementos aparecem como motores narrativos de catástrofes inteiras.

Homero na Ilíada (séc. VIII a.C.), a Guerra de Troia explode pela honra ferida e pela palavra recusada. Agamêmnon não se desculpa com Aquiles após tomar Briseida, e o atrito pessoal converte-se em tragédia coletiva. Simone Weil, em A Ilíada ou o Poema da Força (1940), ao se debruçar sobre a obra de Homero, demonstra como a negação do reconhecimento mútuo transforma homens em instrumentos da violência, onde não há palavra reparadora, surge a lógica da aniquilação.

Desculpar-se é um colapso momentâneo do ego e uma abertura radical ao outro; é aceitar que o eu não é soberano. Por isso dói.

Dante, em A Divina Comédia (1321), radicaliza essa economia moral, o Inferno é ocupado por quem errou e por quem não reconheceu o erro, o castigo eterno nasce da recusa em reinterpretá-lo à luz da culpa. Erich Auerbach, em Mimesis (1946), ao estudar a obra mostra como Dante funda uma ética literária da responsabilidade, o destino dos personagens é proporcional ao tamanho da falta e da sua relação com ela.

Já Shakespeare constrói reis que desabam por soberba emocional, em Rei Lear, Macbeth e Hamlet, a incapacidade de reconhecer a falha corrói tronos e vínculos. A análise de Harold Bloom em Shakespeare: A Invenção do Humano (1998) sustenta que a tragédia shakespeariana nasce quando o poder perde a capacidade de dizer “eu errei”.

No século XIX, Dostoiévski converte a confissão em gesto ontológico, em Crime e Castigo (1866), Raskólnikov só abandona a lógica da monstruosidade ao assumir, publicamente, sua culpa; a redenção não acontece no tribunal, mas na palavra. Mikhail Bakhtin, em Problemas da Poética de Dostoiévski (1963), demonstra como o autor russo liga confissão e reconstrução do eu a um tipo de refundação existencial articulada na relação entre culpa/punição.

Kafka percorre o caminho inverso, em O Processo (1925), ninguém pede desculpas, ninguém reconhece, ninguém explica e o mundo vira uma engrenagem sem rosto. Para Günther Anders, em Kafka: Prós e Contras (1951), o universo kafkiano representa a modernidade em que a culpa circula sem sujeito e, por isso, sem absolvição possível.

Fernando Pessoa amplia a crise ao deslocar o pedido de desculpas do campo moral para o território do abismo ontológico, nos poemas de Álvaro de Campos e Bernardo Soares no Livro do Desassossego, não se pede perdão a ninguém, pede-se ao nada, a culpa já não corresponde a um erro, mas a existir; não há falta específica, apenas inadequação ao mundo.

Saramago, por sua vez, desloca o eixo da culpa do indivíduo para a história, em Ensaio sobre a Cegueira (1995) e O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), a questão não é “quem errou”, mas quem tem o poder de reconhecer o erro. Já em A Estátua e a Pedra (1994), Saramago desmonta a mitologia portuguesa ao afirmar que civilizações caem por orgulho narrativo, revelando com rigor desconfortável aquilo que a história encobre em monumentos: recusar-se a pedir desculpas é recusar-se a continuar humano.

Desculpar-se é um colapso momentâneo do ego e uma abertura radical ao outro; é aceitar que o eu não é soberano. Por isso dói. Por isso é evitado. Desculpar-se é admitir a falha como constitutiva e não como acidente. Sociedades maduras não são as que erram menos, mas as que elaboram melhor seus erros; o que não se diz apodrece no simbólico e retorna como violência estrutural.

Talvez nossa maior ilusão moderna seja acreditar que a história avança por tecnologias e tratados, e esquecer que ela avança ou emperra naquilo que somos capazes de admitir. A palavra desculpa não muda o passado, mas corta o futuro em outra direção; não salva o que foi, mas impede que o erro vire destino.

Civilizações não entram em colapso quando perdem exércitos, entram quando perdem a linguagem ética que repara vínculos. Uma sociedade que desaprende a pedir desculpas produz corpos, não comunidade; produz leis, mas não justiça; discurso, mas não verdade.

A linguagem ética entra em falência, se instala a brutalidade e o cinismo, o tecido social deixa de ser costurado por reconhecimento e passa a ser mantido por força, medo e esquecimento administrado. O espaço público se converte em teatro de narrativas rivais que já não disputam a verdade, apenas a dominação simbólica.

A palavra deixa de curar para ferir; o discurso já não nomeia a realidade, a encobre; onde não há desculpa, floresce a racionalização da violência, e cada injustiça passa a ser explicada como necessidade, destino ou efeito colateral do progresso.

Nesse cenário, a política se degrada em técnica de governo sem ética, administra-se a vida como planilha e a morte como estatística, a recusa em reconhecer erros transforma o Estado em uma máquina de autojustificação, incapaz de escutar o sofrimento que ele próprio produz.

O pedido de desculpas, quando ausente, suprime a última ponte entre poder e humanidade, sem ele, governar deixa de ser responder por algo e se torna apenas exercer controle sobre alguém. A autoridade, então, não se legitima, ela se impõe, e tudo que se impõe, sem reconhecimento, mais cedo ou mais tarde implodirá.

Mas, tudo bem, dizem que a vida é aquilo que acontece quando estamos muito ocupados planejando…

Death and the Maiden (1915), de Egon Schiele

❒ Josué Vieira, santareno, é professor, escritor, poeta e pesquisador sobre Sociedade, Cultura e Amazônia. Mora em Manaus (AM). Leia também dele: Katy, um reino além da consciência. E ainda: Desesperos, morte e silêncio na Colônia Vertical dos Perdidos.

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