Quando o sonho vira pesadelo

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por Wildson Queiroz (*)

Em fevereiro de 2011, um vídeo foi destaque em todos os telejornais do país e nos principais sites de notícia do mundo. Durante visita a uma área de risco na periferia do município de Manaus, onde três pessoas haviam morrido após o deslizamento de um barranco sobre as casas, o prefeito da cidade, Amazonino Mendes foi abordado por uma moradora que começou a queixar-se sobre as condições de moradia das pessoas que ocupam daquele local. O prefeito, então, afirmou que as pessoas deveriam abandonar a área de perigo o mais rápido possível, foi quando a moradora desempregada falou:

– Mas, prefeito, se a gente mora aqui é porque não tem onde morar.

Diante da insistência da moradora, que se lamentava sem parar e resistia em deixar o local, o prefeito irritado respondeu:

– Minha filha, então morra, morra, morra!

Como se não bastasse tamanho descaso e falta de compaixão com a situação de miséria das pessoas daquele local, o prefeito teve a infeliz ideia de perguntar a origem da moradora.

– De onde a senhora é?
– Sou do Pará – respondeu ela.

E o prefeito rebateu:
– Então tá explicado.

A declaração do prefeito Amazonino reflete o sentimento de repulsa e rejeição que a maioria dos amazonenses nutre contra os irmãos paraenses, em especial os do oeste do Pará, que migram para Manaus com o objetivo de realizar sonhos como a conquista do primeiro emprego, a casa própria e uma vida digna, repleta de realizações.

No entanto, a maioria dos migrantes, após chegarem à capital do Amazonas, encontram muitas dificuldades em conseguir um emprego digno e bem remunerado, principalmente pela falta de escolarização básica e de experiência profissional, acarretando uma gigantesca massa de desempregados que se sujeitam a realizar trabalhos informais que pagam mal e não cobrem as despesas básicas de uma família, motivo pelo qual muitos acabam entrando na marginalidade, cometendo furtos e atuando no “mercado” do tráfico de drogas, razão pela qual, um dos presídios da cidade, conhecido por Puraquequara é apelidado pejorativamente de Paráquequara, por abrigar em suas celas grande quantidade de paraenses.

Sem emprego, sem estudo e sem lugar para morar, alguns migrantes decidem retornar a sua cidade natal, os que decidem ficar na capital acabam por contribuir na explosão demográfica da cidade participando de invasões de terras em locais impróprios, sem as mínimas condições de infraestrutura, sem água encanada, luz elétrica, esgoto, asfalto e transporte.

As grandes cidades atraem pessoas por oferecer mais oportunidades de trabalho e estudo, saúde e conforto. O resultado desta movimentação pode ser constatado com o aumento, cada vez mais rapidamente, das necessidades básicas em cidades que não têm boas condições para abrigar mais gente, derivando no colapso dos serviços urbanos e na piora das condições de vida. Filas enormes em hospitais e postos de saúde, ausência de vagas em escolas públicas e famílias inteiras morando em locais perigosos e sem segurança.

Um em cada três moradores de cidades nos países em desenvolvimento mora em bairros pobres ou miseráveis, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). É um dado preocupante, pois sinaliza que muitos dos principais desafios já vivenciados desde o século XX tenderão a se agravar no século XXI se não forem adotadas providências práticas e efetivas: pobreza, fome e doenças transmissíveis, criminalidade e violência social, escassez e contaminação de água, poluição ambiental e aquecimento global.

Com mais pessoas em cidades despreparadas, esses problemas se agravam. No dia a dia, isso se traduz em notícias sobre mortes por falta de atendimento em postos de saúde lotados, engarrafamentos de trânsito, protestos com incêndios de ônibus, enchentes dramáticas, racionamentos de água ou de eletricidade, confrontos entre policiais e criminosos que dominam favelas, entre outros temas frequentes na TV e nos jornais.

Quando a migração para as cidades é intensa demais, formam-se bolsões de miséria, com a proliferação de favelas e o surgimento de moradores de rua. Após migrarem em busca de oportunidades, as pessoas se defrontam com o desemprego e não conseguem pagar os custos de habitação, alimentação e serviços nos bairros centrais e urbanizados. A solução é morar em barracos ou na rua. Seus moradores sofrem pela falta de acesso a direitos humanos básicos (comida, trabalho, moradia) e têm enormes dificuldades para sair da condição em que se encontram.

O amontoamento de pessoas nas cidades leva a um dos maiores males de saúde da era urbana: o estresse. As pessoas perdem cada vez mais tempo no transito, ficam expostas a cargas de barulho crescentes e têm menos tempo para se alimentar corretamente, praticar atividades físicas e dormir. A situação agrava-se em áreas de alta densidade populacional, em que há muita gente por metro quadrado, seja levando em conta um bairro, seja considerando moradias apertadas ou superlotadas, em que falta privacidade.

De acordo com o critério utilizado pela ONU, são consideradas residências muito pobres ou barracos as casas que não possuem quatro itens tidos como essenciais: água encanada, boas condições sanitárias (esgoto canalizado), espaço suficiente (máximo de três pessoas dividindo um mesmo cômodo) e estrutura e qualidade de construção. Outros requisitos considerados importantes, mas não essenciais para a definição geral: a regularização do terreno e da construção e o direito assegurado de posse da propriedade pelo morador.

Eliminar o processo de favelização de populações de grandes cidades talvez seja o maior desafio social do século XXI. Isso porque o tamanho que esses bairros e favelas alcançam os transformaram em verdadeiros bolsões de pobreza, com necessidades de urbanização muito específicas que desafiam os parâmetros estabelecidos de planejamento.

As favelas surgem e crescem sem planos de lotes e rua, com frequência em terrenos públicos, às vezes acidentados e sem condições de segurança, e os governos encontram inúmeras dificuldades para regularizar as moradias, pois cabe ao poder público cumprir as normas que ele mesmo criou. Ao construir uma moradia, é preciso obedecer a diferentes regras de segurança para a fiação elétrica, para o tamanho e disposição dos cômodos e banheiros, incluindo condições de ventilação (importante para evitar doenças), e para a instalação de tubulações de água e esgoto.

Em razão disso, a urbanização de favelas geralmente é lenta e envolve programas compartilhados em duas ou três instâncias de governo. Os desafios, porém, apenas começam aí, pois há outras necessidades de infraestrutura para um bairro que surge, como a construção de escolas, postos de saúde e outros serviços essenciais ao bem estar de uma família.

Enquanto isso não acontece, milhares de brasileiros continuam a correr atrás do sonho de prosperidade, de viver com a família em um local seguro, de ter um emprego e acima de tudo, dignidade, um direito de todos, mas que infelizmente, apenas alguns conseguem alcançar.

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* É pedagogo. Escreve regularmente neste blog.

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Alenquer, Alenquer… vampiros e sanguessugas.


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